Silvio Santos assedia Claudia Leitte e nega abraço para não ficar excitado durante Teleton
Triste perceber que o Brasil avançou muito pouco ou quase nada com relação ao respeito às minorias. Mais triste ainda notar que corremos um forte risco de retrocesso e até de uma onda de violência legitimada por uma eleição direta! Mulheres, negros, gays, pobres estão em processo de fragilização, temendo que escorra pelos dedos as conquistas (duras conquistas!) das últimas décadas.
Experimente se colocar no lugar de uma mulher e passe o dia assistindo a programas de televisão. Experimente ser negro e ande ‘tarde da noite’ pelas ruas da cidade… Experimente ser gay e demonstre afeto por seu parceiro ou parceria em um shopping center chique da cidade. Experimente ser pobre e veja TV e ande ‘tarde da noite’ pela cidade e entre em um shopping center…
Somos um país conservador, opressor e persecutório, lamentavelmente. Não à toa, o presidente eleito Jair Bolsonaro conseguiu milhões e milhões de votos, mesmo sempre deixando claro seu posicionamento conservador e retrógrado. Imagens de vídeos mostram que Bolsonaro agrediu e exercitou o preconceito e o racismo por diversas vezes, contra mulheres, contra gays, contra negros e contra pobres.
Ele ter sido eleito é sintomático de que maior parte da população brasileira vive dentro de padrões vigentes no século passado. O próprio presidente eleito defendeu que o Brasil deveria ter os padrões da década de 50 anos atrás. Não é demais lembrar que há cinco décadas o Brasil vivia o terror do AI-5, que torturou, matou e desapareceu com muita gente que sequer participava de grupos políticos de oposição à ditadura militar de então.
“Da boca pra fora”
Em entrevista a um jornal de circulação nacional, mês passado, a atriz Regina Duarte (conhecida como ‘namoradinha do Brasil’) disse que as frases polêmicas de Bolsonaro (que disse ter sido o maior erro da ditadura torturado demais e matado de menos), fã do torturador Brilhante Ustra, eram da boca para fora e que seu jeito de ‘emitir opiniões’ fazia lembrar o seu próprio pai.
Para Regina Duarte, a homofobia de Bolsonaro, por exemplo, é da boca para fora. O presidente eleito, conforme a atriz, é um típico homem da década de 1950. A ‘namoradinha do Brasil’ lembra que seu pai costumava fazer piadas contra negros, por exemplo, afirmando que ‘lugar de negro é na cozinha’. Mas, isso – diz Regina – era tão somente uma piada muito comum da época…
No último final de semana, Claudia Leitte marcou presença no Teleton 2018. Comeu o pão que o diabo amassou com Silvio Santos. O apresentador, ao receber um pedido de abraço da cantora, disparou: “Esse negócio de abraço me deixa excitado”. A cantora, tentando fugir do constrangimento, emendou: “Você quis dizer excitado de euforia, de entusiasmo, né?”. “Não, excitado é de excitado mesmo”, reafirmou Silvio.
Segunda-feira passada, nas redes sociais, Claudia publicou um longo desabafo sobre o ocorrido. “Aonde quer que eu vá, minha entrega é total. Tem que ser com todo amor do mundo, especialmente quando se trata de contribuir para o bem de alguém. Senti-me constrangida sim! Quando passamos por episódios desse tipo, vemos em exemplificação, o que acontece com muitas mulheres todos os dias, em muitos lugares”.
E continuou: “Isso é desenfreado, cruel, nos fere e nos dá medo. A provocação vem disfarçada de piada, e as pessoas riem, porque acostumaram-se, parece-nos normal! E lá se vai a nossa vida, cheia de reflexões quanto ao que usar como artista, como empresária, como esposa, como amiga, como empregada, como patroa… como mulher”.
Seu desabafo continuou: “Até que horas podemos estar nas ruas? Aprendemos a nos esquivar. Fizemos concessões porque fomos educadas assim. Mas, nós que somos vítimas! ‘Ah, mas se estivéssemos usando outra roupa?’. Definitivamente a culpa não é do que estamos usando! A culpa é dessa atitude constrangedora e de dois pesos e duas medidas. Somos livres!”
E a cantora concluiu seu relato da seguinte forma: “Eu, como cantora, ciente do meu papel e da responsabilidade que carrego, sentia que precisava dizer isso a vocês, meus fãs, e a todas as pessoas, em especial às mulheres, que longe do olhar público sofrem todos os dias”. Sou um defensor da piada (em qualquer situação!), mas só é piada boa quando todo mundo ri.
Com esse cabelo?!?!
E não foi a primeira vez que Silvio Santos exercitou o homem ‘cinquentista’ que ele é. Em outro programa o apresentador perguntou a uma criança negra o que ela queria ser quando adulta. Ao responder que queria ser cantora, o ‘dono do baú’ rebateu: ‘Mas com esse cabelo???’. Os exemplos são muitos, principalmente contra mulheres.
O Brasil que milhões de brasileiros querem está na década de 1950. Um Brasil onde a expressão ‘mimimi’ seja um argumento poderoso. Um país onde homofobia, racismo e misoginia sejam ‘apenas da boca para fora’. Um Brasil que quer colocar as minorias debaixo do tapete, dentro do armário e por trás dos muros.
É nesse Brasil que o discurso de Silvio Santos faz sucesso. Um Brasil conservador e que elege o desrespeito e o não-me-importismo como bandeiras do cotidiano. Silvio santos – aos 87 anos de idade, maior apresentador de televisão que esse país já teve – é uma lastimável visão da comunicação do grotesco. E vou lhe contar a verdade: Silvio Santos morreu na década de 1950…
* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte e cultura no Jornal da Paraíba aos domingos.
Fonte: Jornal da Paraíba
Créditos: Jãmarri Nogueira