Entretenimento

Filha do anão Nelson Ned faz websérie sobre pai, preconceito e Almodóvar

https://www.youtube.com/watch?v=uRFOmU6ahMA

 

“Queria ser Penélope Cruz em tamanho mini”, diz a atriz e cantora Verônica Ned, 35.

Veca –apelido dado pela amiga Maria Rita, filha de Elis– é a mais nova de três irmãos, todos herdeiros do nanismo do pai, Nelson Ned (1947-2014), o “pequeno gigante da canção” –alcunha que veio do ator Paulo Gracindo (1911-1995).

Caçula (“raspa do tacho, como papai dizia”), ela fala sobre traumas de família, preconceito contra anões e o sonho de fazer um filme de Pedro Almodóvar em “Fale com Veca”.

Feita em parceria com a plataforma Benfeitoria, a websérie de dez capítulos está prevista para o primeiro semestre de 2016.

Por ora, eles fazem um crowdfunding para levantar R$ 22,5 mil e bancar produção, edição e finalização do projeto.

“Para a gente tudo é alto, grande, duro, pesado, longo, comprido, distaaaaaante pra caramba “, Veca diz, estendendo os braços com drama ensaiado, em vídeo promocional. “Mas isso não quer dizer que a gente não vai conseguir chegar lá. Porque a gente é menos.”

E menos sempre foi mais na família Ned. Quando criança, Nelson contava aos filhos que a família tinha vindo de outro planeta, povoado por pessoinhas. Na escola, em vez de sofrer com o bullying, era o contrário: Verônica acreditava que os amigos eram “reles mortais”.

Ela também compartilha memórias menos calorosas do pai, morto em 2014, aos 66, após ser internado com pneumonia –sua saúde vinha deteriorando há seis anos, após um derrame que o pôs na cadeira de rodas.

Segundo Verônica, Nelson liberava “muita agressividade, em palavras”, sob efeito de álcool (chegava a beber um litro de uísque por dia) e drogas (gostava muito de pó).

PABLO ESCOBAR

Cocaína, inclusive, lhe era oferecida aos montes na Colômbia, onde se apresentou várias vezes e recebia no camarim membros de cartéis.

Era bem provável que conhecesse Pablo Escobar, seu fã. “Eles deviam ter algum tipo de contato. Meu pai cantava muito em Medellín”, diz Veca.

Fala da cidade natal do narcotraficante que chegou a figurar na lista dos homens mais ricos da revista “Forbes”. O próprio Nelson já confirmara que cantou muito para Escobar.

O cantor tinha um temperamento explosivo quando ébrio. Em 2012, sua mulher e mãe de Veca, Maria Aparecida, contou no programa “A Tarde É Sua” (RedeTV!) que Nelson, bêbado, atirou e acertou sua clavícula. Na época, ele disse que o disparo foi acidental.

ALMODÓVAR

Mas a mágoa passou. Convertido evangélico, Nelson Ned, o maioral de 1,1 metro de altura, deixou para sua caçula o gosto por cantar.

Com faixas de títulos dramáticos, como “Não Tenho Culpa de Ser Triste” e “Tudo Passará”, ele virou ícone do cancioneiro brega. Já o repertório de Verônica Ned vai de Nina Simone a Wando. “E a música mais negona, bem gospel americano, como Aretha Franklin”.

Ela também é atriz –uma das mais recentes peças foi “A Fantástica Casa de Bonecas”, na qual contracenou com Helena Ranaldi. No momento, corre atrás da produtora de Almodóvar. “Quero ir para Madrid com portfólio nos braços. Chegar assim, a louca, ‘me contrata!’.”

“Fale com Veca” é batizado em homenagem a “Fale com Ela”, do cineasta espanhol. O plano, no futuro, é produzir também um talk-show e uma stand-up comedy.

Verônica conta que já teve de recusar papéis que faziam chacota de sua altura (a qual não revela). “Tipo fazer assistente de palco vestida num biquíni de lantejoula. Não é minha pegada.”

Não é só o preconceito que precisa driblar. No dia a dia, até apertar o botão do elevador é um desafio físico a ser superado. Comprou um apertador, espécie de antena, para alcançar o 20º andar da cobertura onde vivia em São Paulo.

“Tirar dinheiro no caixa também não é fácil. Para isso, tenho banquinho no carro. E também uso uma almofadinha [para sentar no banco do automóvel] e um patinete, se for distante, umas cinco quadras.”

Quando canta, contudo, Verônica se engrandece. “Fico com 20 metros de altura”, diz a filha do homem para quem Gabriel Carcia Márquez já vaticinara: se sua literatura fosse música, “seria um bolero cantado por Nelson Ned”.

 

Folha