O crescimento de Jair Bolsonaro (PSL), de 28% para 32%, e a estagnação de Fernando Haddad (PT) em 21% nas intenções de voto apontados pelo Datafolha desta terça-feira, reforçaram o que o Ibope já havia mostrado um dia antes, mas foram recebidos com surpresa pelo Partido dos Trabalhadores. Até mesmo no Nordeste, onde o PT tem tradicionalmente um eleitorado fiel, e é única região onde Haddad lidera, o capitão reformado cresceu quatro pontos (20%), chegando mais perto dos 36% do ex-prefeito paulistano. No núcleo duro do PT, ninguém esperava por esses números, que interromperam um sentimento de otimismo dentro do partido e fizeram a direção da campanha mudar de rumo a poucos dias do primeiro turno.
Segundo um aliado próximo a Haddad, até os resultados dos levantamentos feitos pelo Ibope e pelo Datafolha serem conhecidos, havia a expectativa de que o presidenciável do PT poderia chegar no segundo turno tecnicamente empatado com Bolsonaro. Nesta semana, essa perspectiva foi abandonada e hoje é dado como certo que o petista avançará em segundo colocado. Dentro do partido, a expectativa é que teto de votos de Haddad na primeira rodada seja de cerca de 25% do eleitorado.
Para tentar estancar o crescimento de Bolsonaro e impulsionar Haddad, o tom propositivo e conciliador que o PT vinha adotando até o momento serão deixados em segundo plano e substituídos por um tom mais agressivo. Até agora, a estratégia petista era em torno de colar a imagem de Haddad, desconhecido para grande parte do eleitorado, à do ex-presidente Lula, preso desde abril acusado de corrupção. Com a mudança de estratégia, o PT passa a usar todo seu arsenal de ataques, até então guardado para o segundo turno. Nesta quarta-feira, o presidenciável passou o dia em São Paulo gravando uma nova leva de programas com o foco na desconstrução de seu principal rival.
Os novos programas vão centrar fogo em Bolsonaro a partir de três eixos. O primeiro, será apresentar Haddad como o candidato que defende os direitos humanos, contra um adversário que faz apologia à tortura e a torturadores. A estratégia também focará em dizer que Bolsonaro ameaça os direitos sociais dos trabalhadores, tanto pelo seu apoio à reforma trabalhista quanto pelas declarações de seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, que criticou o 13° salário.
Há um debate ainda dentro da campanha do PT sobre deixar de lado alguns assuntos que são tidos como prejudiciais para a candidatura de Haddad. Um deles, é a defesa da convocação de uma Constituinte, algo que tem sido utilizado por adversários para colar no petista a etiqueta de radical de esquerda –a proposta faz parte do programa de Governo. Ele também deve evitar ao máximo o espinhoso tema de um possível indulto ao ex-presidente Lula.
Sem nenhum tempo a perder, parte dessa nova estratégia já foi colocada em prática. Nesta quarta-feira, ao menos três vídeos do PT começaram a ser compartilhados nas redes sociais atacando seu rival. Um deles, diz para o eleitor não votar “em quem sempre votou contra você”, mencionando o Fundo de Combate à Pobreza, votação na qual o deputado Bolsonaro foi o único contra, e a reforma trabalhista, na qual ele votou a favor. Em outro, usa depoimentos de Amélia Teles, ex-presa política, que narra com detalhes as torturas vividas na prisão, comandadas pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante a ditadura. Ustra, morto em 2015, foi homenageado por Bolsonaro no dia em que o deputado proferiu seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. E é, até hoje, idolatrado pela campanha do presidenciável do PSL. “Torturador não pode ser herói”, diz a campanha do PT.
Zap do Lula
Além do ataque, a tática eleitoral do PT investe na defesa. Na avaliação do comitê de Haddad, parte do crescimento de Bolsonaro pode ser explicado pela intensa campanha que aliados do candidato do PSL vem promovendo via WhatsApp, principalmente com posts de cunho conservador nos costumes. Isso pode ter servido, dizem, como uma espécie de reação às manifestações do #EleNão no sábado, a partir de mensagens que associam Haddad ao movimento feminista e LGBT e têm forte ressonância negativa no eleitorado mais pobre e conservador.
Eu comecei a me defender. Nós mantivemos até aqui um campanha propositiva, só que agora chegou o momento de nos defendermos nessa reta final porque é grave o que está acontecendo no WhatsApp.
— Fernando Haddad 13 (@Haddad_Fernando) October 3, 2018
Para Paulo Calmon, cientista político da Universidade de Brasília (UNB), o movimento do fim de semana pode ter ajudado o eleitor de Bolsonaro a “assumir” seu voto. “Vários eleitores estavam se guardando para se manifestar no segundo turno”, diz. “Mas, assustados com os movimentos de rua, apoiaram publicamente Bolsonaro. Além disso, tem uma forcinha das igrejas evangélicas que explicam o crescimento dele no Nordeste e nas áreas mais pobres”, diz. No sábado, véspera do debate entre presidenciáveis na Record, o bispo Edir Macedo publicou um post em seu Facebook em apoio a Bolsonaro.
Na tentativa de uma contraofensiva, o PT criou um canal de WhatsApp para receber denúncias de notícias falsas que circulam pelo aplicativo, relacionadas à sua campanha. Segundo o partido, em 12 horas, o Zap do Lula recebeu 5.000 denúncias de fake news, boatos e calúnias. Dentre os exemplos anunciados pelo PT, estão as notícias falsas de que Haddad teria dito que crianças com mais de cinco anos seriam propriedade do Estado, e que o ex-ministro decidiria compulsoriamente sobre seu gênero.
Com essa estratégia, o PT entra tarde em um campo praticamente dominado por seu rival. Na semana passada, reportagem do EL PAÍS mostrou que o WhatsAppé a principal plataforma para a campanha de Bolsonaro para manter a base mobilizada. Acompanhamento de três destes grupos mostrou que neles se difundem mentiras camufladas como notícias, tentativas de contrapor publicações negativas da imprensa e até falsos apoios de celebridades à candidatura do PSL. O universo do aplicativo é amplamente explorado pelos eleitores do capitão reformado. Segundo o Datafolha, 61% eleitores de Bolsonaro se informam pelo WhatsApp. Entre os eleitores de Haddad, esse percentual ficou em 38%. Ainda de acordo com o instituto, 40% dos eleitores de Bolsonaro se dizem dispostos a distribuir material de campanha via WhatsApp, contra 22% dos eleitores do pestista.
“Houve um aumento grande de grupos relacionados a Bolsonaro nas últimas semanas”, diz Fabrício Benevenuto, professor do departamento de Ciência da Computação da UFMG e criador do projeto Eleições sem Fake, que monitora o uso desse aplicativo. “Antes, era mais distribuído entre outros candidatos, mas agora é muito mais pró-Bolsonaro”. Seis em cada dez brasileiros admitem que já acreditaram em boatos, o maior índice nos 27 países incluídos em uma pesquisa da Ipsos feita entre 22 de junho e 6 de julho.
Primeiro turno
O grande temor do PT, de que a eleição se resolva já no primeiro turno, tem chances pequenas, porém factíveis de ocorrer. Segundo o Datafolha desta terça-feira, Bolsonaro precisaria de mais 12 pontos percentuais de votos para vencer sem uma nova disputa no dia 28 de outubro. O mesmo levantamento mostra que 13% dos eleitores votam em branco, nulo ou estão indecisos.
O que preocupa a campanha petista é que não somente Haddad estagnou, como também sua rejeição saltou, de 32% para 41%, ficando próxima a de Bolsonaro, com 45%. Por outro lado, o pico de rejeição que Haddad experimentou foi justificado em parte pelo desgaste do PT e também pelos ataques promovidos por Geraldo Alckmin (PSDB). Por isso, entre os coordenadores da campanha do PT, uma eventual vitória de Bolsonaro no primeiro turno é considerada como “extremamente difícil” de acontecer, mas já não é tida como hipótese descartada.
Para Paulo Calmon, a possibilidade de que essa eleição se resolva já no primeiro turno é improvável. “É uma disputa muito eletrizante, muito polarizada. E historicamente, em eleições polarizadas, as pessoas sentem que seu voto faz diferença”, diz. “A tendência então é que os eleitores compareçam, fazendo com que a quantidade de votos em branco ou nulo não seja tão grande”.
Fonte: El País
Créditos: El País