Seria exagero afirmar que nada de proveitoso resultou dos momentos em que os presidentes se depararam com o que Carlos Drummond de Andrade chamaria de “pedra no caminho.”
FHC, por exemplo, conheceu o seu declínio depois do êxito do Plano Real. Encaminhada a solução para a guerra contra a inflação, sobreveio a demanda por serviços públicos aceitáveis. E a exigência de governos moralmente sustentáveis.
Mas o acúmulo de recomeços também produziu frustrações. Por exemplo: a corrupção está em cartaz desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Decorridos 57 anos, encontra-se no centro da ribalta eleitoral uma operação policial chamada Lava Jato.
Vão listadas abaixo as dez tentativas de recomeço que trincaram a sociedade e ajudaram a converter as urnas de 2018 num processo de ruptura das ruas com um sistema político em franco processo de autocombustão.
1) Jânio Quadros e a vassoura que ele prometera utilizar para varrer a corrupção terminaram em renúncia;
2) O plebiscito que restaurou o presidencialismo com João Goulart, o vice que assumira graças ao arranjo do parlamentarismo, acabou em deposição;
3) O golpe militar de 1964, que foi o desejo de mudança de muita gente, resultou em duas décadas de ditadura;
4) A mobilização épica pelas ‘Diretas Já’ atolou no Congresso. Frustraram-se a sociedade, que teve de adiar o direito ao voto, e o último general-presidente, João Figueiredo, cujo epílogo foi uma declaração patética. Instado pelo repórter Alexandre Garcia a dirigir algumas palavras ao “povão” numa entrevista de despedida, o general declarou: “…O povão que poderá me escutar será talvez os 70% de brasileiros que estão apoiando o Tancredo. Então, desejo que eles tenham razão, que o doutor Tancredo consiga fazer um bom governo para eles. E que me esqueçam”;
5) Tancredo Neves chegou ao Planalto morto. Seu triunfo decolou do colégio eleitoral para o leito hospitalar. E fez baldeação no velório palaciano antes de aterrissar na sepultura. Deixou como heranças o vice José Sarney, egresso da ditadura. Na gestão Sarney, a restauração democrática confundiu-se com a anarquia econômica e administrativa deixada pelos generais;
6) Fernando Collor, primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização, foi escorraçado pelo impeachment;
7) Fernando Henrique Cardoso aproveitou o interlúdio representado por Itamar Franco para encaminhar, como ministro da Fazenda, a resolução do problema do combate à inflação. Como presidente, após consolidar a mudança do regime monetário introduzida pelo Plano Real, foi emparedado pelas precariedades nacionais que eram obscurecidas pela inflação: saúde, educação, segurança… Somada aos escândalos (quebra dos bancos Econômico, Nacional e Bamerindus, caso Sivam, Sudam, Pasta Rosa, compra de votos da reeleição…), a Presidência pluritemática desaguou numa impopularidade que mantém o tucanato longe do poder há 16 anos. O jejum acaba de ser renovado por mais quatro anos;
8) Lula tornou-se um caso único de presidente que sofreu emboscadas da Presidência quando já estava fora dela. Seu estilo de governar, firmando alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões, se revelaria uma rendição à oligarquia empresarial. Deixou o Planalto enfiando o dedo no favo de mel de uma taxa de popularidade de mais de 80%. Lambendo o dedo, elegeu a sucessora duas vezes. Hoje, tenta em vão fugir das abelhas. Conta as ferroadas na cadeia;
9) Dilma Rousseff, vendida por seu criador como supergerente, revelou-se uma espécie de conto do vigário no qual o próprio Lula caiu. Entre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8%. O desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de pessoas. A Lava Jato demonstrou que o único empreendimento que prosperava no Brasil era a corrupção. Se Lula passou à histórica como presidente que fez a sucessora, Dilma imortalizou-se como a criatura que desfez a obra do criador;
10) Michel Temer, resultado do impeachment de Dilma, conseguiu a proeza de se tornar um ex-presidente em pleno exercício da Presidência. Sonhava em passar à história como presidente reformista. Depois do grampo do Jaburu, tudo virou epílogo no enredo do seu governo. Arrasta-se entre o Planalto e o Jaburu, deixando atrás de si o rastro pegajoso de duas denúncias por corrupção e dois inquéritos criminais. É atormentado pela síndrome do que está por vir depois que perder as imunidades de presidente.