Na terça-feira, o Facebook reuniu em seu escritório paulistano um grupo de jornalistas para que a diretora global de política, Katie Harbath, explicasse os planos da rede para as eleições brasileiras. Nada foi comentado a respeito da bomba que a empresa soltaria no dia seguinte: a remoção de 196 páginas e 87 perfis que, de acordo com o comunicado oficial, “faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com contas falsas”. Ao longo das horas seguintes, o Movimento Brasil Livre anunciou que muitas das páginas eram suas.
Destrinchar o que aconteceu — e seu impacto — não tem nada de trivial.
De acordo com o Facebook, oficialmente, o expurgo não tem nada a ver com notícias falsas. O grupo de páginas e perfis violavam as regras de autenticidade que estão no contrato do site. Ou seja, usavam contas falsas para ajudar na viralização de certas mensagens. Uma pessoa não pode ter mais de uma conta no Facebook, permitir que outros usem a sua, ou agir em conjunto para promover aquilo que foi criado por contas falsas. Segundo o MBL, suas páginas excluídas tinham meio milhão de seguidores. Para o Facebook, era uma máquina que “escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”.
Ou seja: a empresa afirma que o grupo se reuniu para fraudar o debate público. Parecer mais representativo do que de fato era.
Nenhum jornalista tem como confirmar se é verdade. Em março, quando baniu a página do grupo neofascista Britain First e o perfil de dois de seus líderes, ambos por violarem as regras sobre discurso de ódio, a rede deixou claro quem estava sendo cortado. Assim como, para qualquer pessoa razoável, perceber o discurso de ódio era trivial. Desta vez, ela não informou quem foi banido. E não temos como verificar se as razões procedem.
Só nos resta confiar na palavra do Facebook.
O Facebook é uma empresa privada, e o contrato de uso tem regras claras. Se as violaram, expuseram-se a uma punição. O problema é que o Facebook é também a praça pública. É o ambiente — no Brasil e em boa parte do mundo — onde mais pessoas se reúnem para debater política. Por isto, muitos atores trabalham a plataforma para manipulá-la e intervir de forma fraudulenta no processo eleitoral. Só que o banimento de um grupo político organizado também exclui um conjunto de ideias do ambiente onde o debate se dá. E isso às vésperas de uma eleição.
A missão que cabe ao Facebook é ingrata. Seu sistema já foi usado — não se sabe com que grau de eficiência — para manipular o voto no Reino Unido e nos Estados Unidos. É um problema real, que tem de ser encarado. E o Facebook está agindo. Esta decisão de expurgo de uma rede que tem por trás perfis falsos faz parte da ação.
Mas talvez o problema seja insolúvel. Porque a praça pública não pode ser privada. As regras da praça pública exigem plena transparência. Não pode, nela, haver julgamentos sumários. Não numa democracia.
E esta é uma discussão que estamos apenas começando a ter. Se um grupo pequeno de empresas — não apenas o Facebook, mas também Twitter e Google — serve de abrigo ou caminho para um bom naco das conversas sobre política, sobre os rumos de nações, temos perante nós um problema novo na história das democracias.
É razoável partir do princípio que o Facebook tem as melhores intenções, que pôs gente muito inteligente e tecnicamente capaz debruçada sobre a decisão. Não resolve o dilema entre público e privado. Esta semana, uma empresa privada interferiu no debate eleitoral brasileiro. E não temos como saber se ela tem razão.
Fonte: O Globo
Créditos: Pedro Dória