“Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, por telefone, Castro explica sua visão para eletricidade e petróleo, endossada por Bolsonaro e pautada sempre pela “eficiência econômica”. Nessa lógica, Castro defende a redução ao limite possível do papel do governo sobre o setor, com privatizações e fim de subsídios. “Todo subsídio deve ser eliminado, até que se prove o contrário”, defende.
Para questões básicas que afetam a vida do consumidor de gasolina, gás e eletricidade, Castro propõe modernizações, mas tendo como base a liberdade de mercado e a competição. Ele defende a flutuação dos preços, mas chama de “ridícula” a defesa de uma flutuação dos preços na bomba de gasolina seguindo a variação do petróleo na bolsa. E propõe a adoção de um sistema de negociação de contratos para a venda de gasolina, o que permitiria que as grandes empresas (petroleiras, refinarias, distribuidoras e as grandes transportadoras) fiquem com o risco dessa variação, e não o consumidor ou os caminhoneiros.
Na energia elétrica, Castro critica ferramentas usadas hoje no setor, como a Tarifa Social, que concede gratuidades e descontos da conta de luz para quem está inscrito no Bolsa Família. Castro diz que a política pode ser extinta, mas destaca que os mais pobres não ficarão desassistidos. “A gente precisa racionalizar o setor de energia, isso passa por rever não somente a tarifa social, mas rever tudo”, disse. Mas garante que a manutenção do que já foi contratado e a segurança jurídica serão as bases de suas propostas.
O cearense – que estudou em colégio militar e depois fez graduação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e mestrado e doutorado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) – afirma não está sozinho na formulação das propostas energéticas para Bolsonaro. Segundo Castro, há muitos técnicos de alto nível ajudando na formulação de propostas, mas muitos preferem ficar nos bastidores.
Na entrevista, Castro criticou a política energética feita pelo governo petista e deixou elogios a Bolsonaro, quem ele acredita que tem as principais credenciais necessárias para um presidente. Na avaliação do especialista, o candidato tem respeito ao conhecimento técnico, o que irá evitar que Bolsonaro rejeite as ideias liberais propostas por ele e por Guedes.
“Tenho certeza que de todos os candidatos ele é o que vai ouvir o lado técnico melhor. E ele vai ter humildade para considerar os argumentos que vão ser colocados”, afirmou.
O plano de governo fala em choque liberal no setor de energia. Como deve ser o preço da gasolina e do gás de botijão? O senhor é a favor da livre flutuação dos preços seguindo a cotação internacional ou deve haver alguma política de maior previsibilidade? O programa fala em um ‘hedge’, o que seria esse hedge?
Luciano de Castro: Todo o nosso plano é baseado na economia liberal, no liberalismo. Só que existe uma concepção equivocada sobre o que isso significa. No caso da gasolina, não se precisa fazer com que o preço da gasolina acompanhe o preço spot do petróleo na bolsa de valores. Até porque se você fizesse isso, a correção não deveria ser diária, deveria ser minuto a minuto. Quando você começa a encher o tanque o preço é um, na hora que terminou o preço já é diferente. Isso é ridículo, isso é totalmente ridículo. Isso é uma concepção tola e ignorante do que é liberalismo. O que precisa ser feito é você permitir às empresas que estabeleçam negociação de energia, não só de combustíveis mais de energia em geral. Você estabelece contratos de médio e longo prazo que permitem fazer um hedge [proteção] de preço e você trava preço. É exatamente esse tipo de negociação, que é absolutamente liberal.
Isso seria a refinaria? O senhor está propondo uma similaridade com a parte de energia elétrica através da venda de contratos em leilão? Como seria isso?
Luciano de Castro: Não vou entrar no detalhe de como isso será feito. É uma coisa um pouco mais técnica e há vários aspectos de detalhamento que precisam ser feitos. Mas a ideia básica geral e a principal mensagem que precisa ser deixada é essa: liberalismo não significa preços mudando minuto a minuto, como se fosse uma bolsa. Não é isso. O liberalismo permite negociação, mas também coloca o risco em quem pode lidar com esse risco melhor. Por exemplo, pensa em um caminhoneiro que começa a fazer um transporte de uma carga no Rio Grande do Sul para entregar em Fortaleza, no Ceará. Ele vai ter de se reabastecer várias vezes nesse período, só que o preço do frete dele vai ter de ser negociado e fixado em algum momento. O risco dessa variação cambial, quem é o melhor agente para lidar com esse risco cambial? Uma grande empresa, que tem acesso ao mercado financeiro e possa fazer hedge, ou esse caminhoneiro que está pagando a cada momento de seu trajeto um preço diferente? Quem tem acesso aos mercados financeiros para fazer o controle desse risco? Então os detalhes nós vamos definir depois. O importante é colocar essa mensagem, de que quando a gente fala de liberalismo é uma postura sofisticada, baseado em coisas científicas, no acompanhamento dos mercados, mas não é nada dessa caricatura que se faz de que o preço tem que mudar toda hora. Isso é na verdade ignorância, é uma versão caricatural do que é liberalismo.
O preço da eletricidade está pesando no bolso do consumidor e os senhores falam no plano de governo que “a oferta de energia precisa ser confiável, a preços justos e competitivos internacionalmente”. O que pode ser feito? O que acha da política de bandeiras tarifárias?
Luciano de Castro: Uma das grandes coisas que temos de perseguir é exatamente um baixo custo de energia, porque isso melhora todos os setores da economia que usam energia como insumo. A questão toda é como a gente quer fazer que isso aconteça, e nossa visão é que a única forma que tem se provado funcionar, em todo mundo e em todos os mercados, é através da competição. Você criar mecanismos de competição, com as empresas competindo para ofertar produtos melhores e com preços mais baixos. Aí os preços vão cair. Você não pode fazer o que vem sendo perseguido até hoje, que era tentar fazer isso por meio de intervencionismo do governo.
Olha a contradição o governo do PT nos últimos 13 anos: ele anunciava a modicidade tarifária como meta. Na verdade, não só como meta, mas também como desculpa para várias intervenções que eles fizeram no governo e aí não precisa haver discussão quais foram os resultados, é o que temos hoje: uma energia das mais caras no mundo, e isso não é coincidência. Há uma relação causal desse intervencionismo, causando um preço mais alto.
Por exemplo, na MP 579. O que foi aquilo ali? A Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] estava fazendo uma campanha por considerar a energia muito cara em 2012. E o governo então respondeu que ia fazer uma conta, a portas fechadas e decretar simplesmente o preço. Foi feito um tabelamento, uma coisa que se repete. [Eles disseram] “nós vamos decretar que o preço é esse, porque eu fiz um cálculo aqui, com os meus iluminados dentro do Ministério, e esse vai ter de ser o preço que as empresas vão praticar”. No final das contas, apenas a Eletrobras aceitou e isso gerou um passivo que vai ser pago pelo consumidor de energia elétrica ou o próprio pagador de impostos ao longo dos anos. Falaram que a energia seria mais barata, mas na verdade a energia já estava mais cara, e eles estavam cobrando menos, como se você parcelasse o pagamento.
O que vamos fazer é diametralmente oposto. Nós temos que liberar mercados, não intervir na economia, e fazer com que os empresários tenham todos os incentivos para buscar redução de custos e essa redução é que vai permitir que a energia seja mais barata.
Este intervencionismo gera uma relação causal com maiores preços. No momento em que você pratica não uma vez, mas seguidamente, intervenções no mercado, você dá sinalizações para agentes de que você é um governo que está disposto a quebrar regras. E quando se muda uma regra, naturalmente você vai gerar perdedores de ganhadores. Quando você sinaliza que está disposto a realizar essas intervenções, os agentes vão entender que este governo é suscetível a mudar as regras. E perceber, como agentes, têm de se especializar em influenciar as decisões desse governo. Você cria um mecanismo no qual os empresários, ao invés de se concentrarem em reduzir custos, vão se concentrar em aumentar sua influência política. E aí abre-se a porta para a corrupção. Sabemos que isso existe, haja vista o que aconteceu na Petrobras com a Lava Jato. Em geral, quem perde é aquele que tem menor representatividade, que geralmente são os consumidores.
E como vamos estabelecer mecanismos de competição? Dando cada vez menos poder do governo de definir. Hoje o governo decide os mecanismos desses leilões [de venda de energia para as distribuidoras] controlando tudo. Vamos ter que fazer com calma, pensado em etapas, de forma gradual, para fazer com que essa competição ocorra com a menor influência possível do governo. Não vamos mudar de uma hora para outra, mas tem que deixar a direção bastante clara, que o funcionamento todos do setor dependa cada vez menos do governo.
A tarifa social atende hoje 8,7 milhão de consumidores. O senhor considera esta uma política adequada? Mudaria algo?
Luciano de Castro: Nós temos uma preocupação muito grande com os membros mais humildes da nossa sociedade. O Paulo Guedes, em uma das conversas que a gente teve, colocou que o que queremos promover é o liberalismo com fraternidade, olhando para os menos favorecidos ou para as pessoas mais pobres. Mas isso vamos buscar fazer sem interferir na eficiência econômica. Vou te dar um exemplo de formas boas e formas ruins de se fazer isso. Um exemplo ruim disso, que se diz ser uma ajuda para os pobres, mas é uma intervenção ruim nos mercados, é a ideia do Geraldo Alckmin de pagar 50% dos botijões de gás, o Vale Gás. Alckmin parece que é respeitado como alguém que entende de economia e a ideia na verdade parece exatamente ridícula para quem entende de economia, pois ela vai contra eficiência econômica. Suponha que um consumidor, o Seu Francisco ou a Dona Maria, ganhe R$ 100 para pagar as suas contas de botijão de gás. Esse dinheiro vai sair de um gasto público e vai ser transferido para essa pessoa. Esse cidadão vai achar lindo, maravilhoso, e considerar que está melhor. Mas eu convido o Seu Francisco e a Dona Maria para pensar na seguinte coisa: para o governo, esses R$ 100 que ele está recebendo estão saindo do cofre público, já é um gasto. E se perguntar se eles preferiam usar esses R$ 100 para comprar mais arroz e feijão, um livro para os filhos, uma condução para utilizar diariamente, ou se eles preferem receber R$ 100 e serem obrigados a comprar gás, obviamente a primeira situação é melhor para eles, e para o governo não há diferença nenhuma. Mas para pessoa que está recebendo, ter essa liberdade de escolher qual o melhor uso daquele R$ 100, é exatamente a diferença da água para o vinho. Ele pode gastar aqueles R$ 100 no que for melhor para ele. Portanto, essa ideia do Alckmin vai contra os princípios básicos de economia, e foi feita por alguém que é respeitado por muita gente como alguém conhecedor de economia. Não é. Nós vamos procurar beneficiar o Seu Francisco e a Dona Maria, só que da forma correta, e principalmente respeitando a esses seres. A gente muitas vezes, e a esquerda é fã de fazer isso, de olhar essas pessoas de cima e dizer “eu vou te ajudar porque você é incapaz“. Eu não vejo assim. Essas pessoas são muito capazes e sabem melhor do que qualquer um o que é melhor para ela. Você pode ser PhD em Economia em Harvard e não saber o que é melhor para ela. Ela é capaz de definir.
É possível que seja repensado o atual formato e mecanismo de tarifa social de energia elétrica?
Luciano de Castro: Sim. Nós queremos repensar não só isso, nós queremos repensar tudo no setor elétrico. Quando eu disse que precisamos ver qual é o objetivo de longo prazo que vamos perseguir, eu disse exatamente a redução do custo de energia. E eu disse que isso tem de vir da única forma possível, através do livre mercados e de competição. Por trás disso, você vai ter de reverter esses subsídios todos que tem no setor elétrico. A gente precisa racionalizar o setor de energia, isso passa por rever não somente a tarifa social, mas rever tudo.
O plano de governo fala em fomentar geração eólica e fotovoltaica no nordeste. Isso será feito como?
Luciano de Castro: Este tema está em estudo, nós ainda vamos avaliar. Essas fontes renováveis, principalmente no Nordeste, já têm uma competitividade muito grande, exatamente porque o Nordeste já tem características que favorecem naturalmente, como o sol muito frequente, e o vento. Essa vantagem já é uma vantagem competitiva dessas fontes. Mas a forma exatamente… Certamente nós não vamos criar empresas públicas para explorar, pois isso vai contra o liberalismo, mas a forma como isso vai ser implementado precisará de maiores detalhamentos.
Qual deve ser a solução para a usina nuclear Angra III, que já custou R$ 12 bilhões e ainda pode custar mais R$ 15 bilhões, parada pela Lava Jato? E o que pensa sobre a energia nuclear?
Luciano de Castro: Em princípio, a gente não vai construir novas fontes, sendo importante acabar ou concluir o que já está em construção. Primeiramente, não existe nenhum preconceito em relação à energia nuclear, que é uma energia limpa e bastante segura, tem características bastante vantajosas, embora seja necessário tomar todas as precauções para evitar acidentes.
Mas o ponto de decisão em relação à Angra III é exatamente a forma de racionalidade econômica. Quando você tem um projeto, você deve ver o que está pra frente, o que foi já investido são custos afundados, e não entram mais no processo de decisão. O processo de decisão deve ser tomando olhando o que se tem hoje, vendo qual é o benefício, quanto é o custo, e em cima disso nós vamos tomar a decisão com o máximo de racionalidade econômica.
Especula-se que o governo estuda aumentar o preço da energia comprado da usina nuclear. Mas politicamente existe um questionamento se, depois de aumentar o preço da energia, poderia se ter um parceiro estrangeiro, notadamente uma empresa russa ou chinesa. Essa seria uma possibilidade?
Luciano de Castro: Eu não vejo nenhum problema nisso. É natural que você busque parceiros que conheçam inclusive a operação desse tipo de usina.
Mas o candidato Bolsonaro costuma fazer alguma crítica quando fala, por exemplo, dos chineses. Que eles estariam invadindo nosso setor produtivo. Ele fala disso sobre energia e também sobre agropecuária. O senhor acha que neste caso teria de ter um processo de convencimento do candidato? Ele mudou as posições sobre o que chamava de “invasão chinesa”?
Luciano de Castro: Estamos certamente alinhados. O Paulo Guedes tem uma postura bastante flexível sobre o assunto. A preocupação do Bolsonaro não é em relação à parte estratégica, mas em função de determinadas posturas dos chineses em processos anteriores. Eu tive uma conversa algum tempo atrás com uma pessoa que conhecia algumas práticas dos chineses, principalmente na África, que foram exploratórias em relação a esses mercados e que deixaram os países em situação complicada. Até onde se sabe, pelo menos as indicações mais recentes, é que essas práticas mudaram, e que eles estão com uma postura muito mais profissional. Acredito que essa é a nova colocação, e a gente vai passar a discutir essa informação com presidente Bolsonaro, se for eleito.
É importante destacar que, de todos os candidatos, o Bolsonaro é aquele que respeita mais o conhecimento técnico. Isso é inegável, já se manifestou em diversas ocasiões, como por exemplo numa entrevista à Rádio Jovem Pan na qual ele estava falando algo sobre seguridade e um advogado disse “ candidato, não é desta forma “, e o Bolsonaro respondeu “ o senhor é professor e deve saber mais do que eu “. Ele reconhece isso, pois é uma coisa natural dos militares, de reconhecer o conhecimento, e respeitar de fato a parte técnica. Ele vai ter humildade para considerar os argumentos que vão ser colocados.Essa é uma das razões pelas quais eu acredito que o Bolsonaro hoje é o melhor candidato de todos. Queremos um liberalismo sem ser ideológico baseado em conhecimento técnico.
Eletrobras e Petrobras devem ser privatizadas? E as Sociedades de Propósito Específico dessas empresas?
Luciano de Castro: Certamente a inclinação da equipe é de promover uma privatização primeiro da Eletrobras e em segmentos da Petrobras também. Nós temos uma posição liberal de favorecer mercados, mas ninguém tem essa posição ideológica cega. Nós vamos buscar a melhor teoria científica para balizar nossas decisões. Uma das preocupações que temos no caso da Petrobras e da Eletrobras é garantir que, uma vez privatizadas, a estrutura de mercado que prevaleça seja a mais competitiva possível. Isso provavelmente vai indicar segmentação dos negócios dessas empresas.
Qual deve ser a estratégia adotada no processo de negociação da cessão onerosa de campos do pré-sal e de seu eventual excedente?
Luciano de Castro: De 2007 a 2013 nós tivermos um hiato de suspensão dos leilões de petróleo que acarretaram uma perda de divisas para o país da ordem de R$ 1 trilhão. Isso é uma perda extraordinária, é um terço da nossa dívida (pública). Se você tivesse arrecadado isso, imagina o que seria. Nós poderíamos estar gastando menos com juros e hoje estamos gastando R$ 400 bilhões, e há uma necessidade imensa de investimentos que nós não podemos fazer por conta desse dinheiro que deixou de ser arrecadado. Isso é outro dos crimes de lesa-pátria que foram perpetradas pelo último governo. O Brasil e a sociedade brasileira perderam imensamente por causa disso. Nós vamos retomar e dar uma regularidade para esses leilões, definindo regras que preservem os interesses da sociedade brasileira, mas que sejam mais favoráveis para a exploração do petróleo, para que esse setor volte a ter o dinamismo que deve ter e que foi suspenso.
E o leilão da cessão onerosa deve ser feito ano que vem? O edital foi enviado ao TCU jogando a bola para o próximo governo. E além disso: a Petrobras deverá receber em dinheiro?
Luciano de Castro: Certamente. A nossa predisposição é realizar leilões e com frequência regular, exatamente para evitar esse prejuízo enorme que foi causado. Existem detalhes que precisam ser definidos.
O que o senhor pensa do regime de partilha para campos do pré-sal? Devemos ter regras diferentes de licitação entre pré-sal e pós-sal?
Luciano de Castro: Vejo com restrição a forma como foi feito o regime de partilha. Em 2010, fui chamado a participar de um grupo de estudos sobre o regime e não cheguei a integrar a equipe, pois percebi que estava se criando esse sistema para favorecer o trabalho das empresas estatais e na verdade isso serve a interesses escusos. Não posso dizer que era isso, mas podemos observar o que acontece: você aumenta participação das estatais e elas passam a lidar com recursos muito maiores. E aí depois vem a corrupção que desvia parte desses recursos. Toda nossa forma de ver e de reduzir a participação estatal é exatamente quebrar este mecanismo de corrupção. Podemos dizer que “o petróleo é nosso”, sim, mas é do povo brasileiro e não das pessoas que comem a Petrobras ou que destruíram a Petrobras nesses últimos anos. E a arrecadação que vai para o povo brasileiro pode ser obtida nos dois casos, tanto na concessão como na partilha.
Mas a destinação de recursos para o fundo da saúde e educação são diferentes na partilha…
Luciano de Castro: Você pode mudar os parâmetros, você pode mudar os tributos. Há vários aspectos que você pode ajustar no sistema que lhe daria uma mesma participação. Mas o que temos que ver daqui para frente é que, como existem já esses contratos no regime de partilha, você tem de cuidar da transição. Os contratos serão respeitados. Mas a gente quer caminhar na direção de ter menos participação estatal e manter a segurança jurídica.
Portabilidade da conta de luz para todos os consumidores: é algo que deve ser perseguido?
Luciano de Castro: Esse para mim é um dos pontos de modernização do setor de energia. Nós vamos caminhar nessa direção e chegar a essa portabilidade o mais rápido possível. Mas a questão toda é o ritmo em que isso será feito e serão precisos alguns ajustes e principalmente um processo de convencimento de atores. A questão toda será não quebrar contrato e deixar muito claro a direção que é de ampla competitividade. Cito um exemplo de um estado em que eu morei, nos Estados Unidos, que é Illinois, onde tem esse tipo de mudança e você teve lá um florescimento, uma ativação do mercado de energia que foi extraordinário. Quando você deixa apenas para o consumidor, muitas vezes o consumidor não se dá o trabalho de pesquisar fornecedor de energia particular. Mas em Illinois se criou um mecanismo que deu bastante certo, de permitir que as municipalidades negociassem os contratos com os comercializadores para os moradores daquela região, preservando ao consumidor individual, se ele quisesse optar por algo diferente. Ou seja, se você não fizer nada você vai junto com todo o pessoal dessa cidade. Mas se você quiser ter a opção de fazer algo diferente, pode. É nessa direção que devemos caminhar.
O contrato de Itaipu será revisado em 2023. O senhor pensa em fazer alguma mudança nesse contrato?
Luciano de Castro: Acho que vamos ter de caminhar nessa direção, de descotização [liberação da energia para todos os mercados]. Visitei Itaipu em 2014, eles têm um grupo técnico muito bom, conseguiram realizar ganhos de produtividade de uma forma muito meritória, sem ter de fato os incentivos diretos de se fazer isso. Na medida do possível vamos permitir que haja descotização e que a empresa participe de um mercado competitivo. Mas de novo: respeitando contratos e em especial neste caso, em que temos um regime de sociedade com os nossos irmãos paraguaios, tudo tem que ser bem negociado com eles.
O Brasil voltou a despachar usinas térmicas fora da ordem de mérito [as mais custosas sendo acionadas antes das menos custosas], algo que tínhamos tentado reverter de 2016 para cá. E deve fazer um leilão de usinas térmicas no Nordeste, o que é criticado por deslocar outras fontes e ainda gerar custo nesse deslocamento. Qual deve ser a linha principal do planejador energético num eventual governo Bolsonaro?
Luciano de Castro: Você citou dois problemas e ambos apontam em sentido contrário da eficiência econômica. Em questão de longo prazo, quando você faz subdivisões de mercado, você naturalmente diminui a competição. [No caso do leilão de térmicas], se formos ao extremo, podemos ver isso. Por exemplo, se a energia de Salvador for apenas vendida e puder competir quem estiver em Salvador, como não tem muitos geradores ali, você vai gerar quase um monopólio. Então essa fragmentação de mercado vai contra a competição, a tendência é aumentar custos e preços para os consumidores e vai na direção equivocada a meu ver.
Quanto ao planejamento, temos dois aspectos, o primeiro de longo prazo. Você tem que promover competição entre as fontes e os leilões vão ter de se orientar nessa direção, buscando a eficiência econômica. Essa expressão vai ser um norte para o setor. Quanto ao despacho fora da ordem de mérito, isso está ligado e é quase que um exemplo de livro-texto do que é ineficiência. Você tem fontes com custo mais alto sendo despachado antes de outras com custo mais baixo. Mas por que se faz isso? Porque você tem tudo sendo ditado por um sistema, um programa, que se chama Newave, e que as pessoas que operam no mercado não confiam, pois sabem que ele tem várias aproximações e também erros grosseiros. Vamos ter que melhorar tremendamente o despacho de curto prazo para que ele busque eficiência econômica. E isso é uma coisa que nós vamos perseguir, para que esse despacho seja definido não por um programa, mas com a participação ativa dos agentes através de ofertas.
Devem ser mantidos os incentivos às fontes renováveis?
Luciano de Castro: Vamos rever os subsídios e a postura geral é a seguinte: nós não necessitamos de subsídio até que se prove o contrário, igual no princípio no Direito Penal, no qual você é inocente até que se prove o contrário. Obviamente há situações em que a boa teoria econômica prevê subsídios, e diz que eles não são apenas necessários, mas que eles aumentam a eficiência econômica. Vou dar um exemplo genérico: por que você tem de dar subsídio para educação? Porque uma população educada gera benefícios para todos os cidadãos. Outro caso específico é de pesquisa e desenvolvimento. Acontece que em geral não é o caso. A gente vai ter um processo de revisão de todos os subsídios, uma predisposição a não concedê-los e a cancelá-los a menos que se prove que são racionais do ponto de vista econômico.
As instituições do setor energético trabalham adequadamente hoje? Há algo que já está no seu plano?
Luciano de Castro: A nossa direção é reduzir ao máximo a participação do governo no setor. Obviamente tem todo um processo para se chegar nisso. Eu vislumbro a conveniência de reorganizar a EPE [Empresa de Pesquisa Energética], o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico], revigorar a CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica]. Quanto às agências, o que eu penso é que a longo prazo ou daqui a quatro anos, depois de nosso governo, esperamos que as agências de fato concentrem a maioria das decisões do setor e o façam do ponto de vista da eficiência econômica.
O que o senhor vê o candidato Jair Bolsonaro, a partir de um olhar técnico?
Luciano de Castro: Penso que hoje ele é o mais preparado para ser o presidente do país. Ele tem um conhecimento que é extremamente valioso para os técnicos que vão trabalhar com ele, que é exatamente o conhecimento que nós não temos, o conhecimento da política. Eu preciso de um presidente que tenha respeito pelo conhecimento técnico porque todos nós da equipe que estamos em volta dele somos técnicos que conhecem e sabem o que é necessário fazer. Então, eu preciso ter um presidente que, quando eu vou apresentar as questões, ele vai poder me dizer o que passa e o que não passa no Congresso. E ele tem a experiência de deputado. Eu não preciso que Bolsonaro saiba de economia. Eu sei, e é importante que ele saiba o que é factível e o que não é.
Mas ele terá que indicar ministros políticos, entre os deputados, por exemplo, para conseguir essa aprovação?
Luciano de Castro: Teremos de fazer diversas reformas constitucionais e esse trabalho com o Congresso será extremamente importante. Vamos ter espaços para serem ocupados nesse trabalho. Temos também uma preocupação do Paulo Guedes que é de fortalecer o federalismo e o papel dos estados. E também o papel da Câmara, para que não fique tão dependente do governo central.
Caso seja convidado para ocupar algum cargo na área de energia, o senhor aceitará?
Luciano de Castro: Eu sinto um dever de gratidão para com o meu país. Desde a quinta série estudei em colégios públicos. Passei sete anos no Colégio Militar de Fortaleza, depois cinco anos no ITA e depois fiz mestrado e doutorado no IMPA. Estão falando no meu nome e as pessoas que se associam a Bolsonaro têm um certo custo, porque ele é visto de forma injusta como retrógrado. E essas conotações acabam se transferindo para a gente. Estou disposto a colocar o meu nome à disposição abertamente, pois acredito que nenhuma dessas questões é relevante ou seja condizente de fato com a realidade. Mas em particular levando em conta todas as características de todos os candidatos, acho que ele é o mais preparado para ser o presidente do país e está agora numa oportunidade de colocar o Brasil no novo rumo, que não foi tentado até agora, de liberalismo econômico, e que vai permitir que o Brasil se desenvolva de uma forma muito mais ampla e alcançando várias camadas da população.
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Fonte: Gazeta do povo
Créditos: Gazeta do povo