“Eles fizeram o que todos os britânicos faziam na época”, diz ele, “casa grande, grande hipoteca”.
Pouco depois, veio uma grande recessão e as taxas de juros subiram para 17%. Como resultado, seus pais não tiveram outra opção senão cortar gastos: os dias de férias terminaram.
O pai de Whiter parou de comprar cerveja e passou a fazer sua própria. E a atitude do homem em relação ao dinheiro mudou para sempre: “Foi assustador dever muito dinheiro ao banco”, diz ele.
Whiter prometeu a si mesmo que nunca acabaria na mesma situação que a dos seus pais.
Ele se formou em Economia e começou a trabalhar como contador. Acabou se especializando em educação financeira e atuou na área por 20 anos.
Mas, apesar de seu salário ter se distanciado das 12,5 mil libras que ganhava logo após se formar, seu estilo de vida continuou espartano.
Por mais de duas décadas, Whiter fez questão de economizar pelo menos metade do seu salário todos os meses para a aposentadoria. Além disso, qualquer renda extra que ganhava ia diretamente para sua poupança.
Ele andava de bicicleta até o escritório em vez de pegar o metrô, além de reduzir seu consumo de álcool.
Whiter, agora com 48 anos, conseguiu economizar o suficiente para se aposentar aos 43 anos.
Mas foi apenas um ano antes de se aposentar que ele conheceu Money Mustache, um blog escrito pelo canadense Peter Adeney, uma celebridade entre os jovens aposentados.
Whiter percebeu que havia sido inconscientemente parte de um movimento que vem se tornando cada vez mais popular entre os trabalhadores mais jovens do mundo.
Chama-se FIRE, o acrônimo em inglês para “financial independence, retire early” (ou independência financeira, aposente-se cedo, em tradução livre).
FIRE
Funciona mais ou menos assim: os adeptos desse estilo de vida vivem o mais austeramente possível, economizando metade de sua renda ou mais entre os 20 e os 40 anos.
O objetivo é se aposentar antes dos 50 anos de idade.
Muitos devotos do FIRE, contudo, não planejam passar seus 50 anos jogando baralho ou viajando em cruzeiros.
Trata-se de independência financeira: o objetivo é ter uma poupança suficiente e viver da maneira mais simples.
Assim, eles podem se dedicar a fazer algo mais do que buscar mais dinheiro ou batalhar por promoções no trabalho, ou se preocupar em pagar ao banco uma grande hipoteca.
Embora essas ideias existam há algum tempo, as redes sociais permitiram que o movimento realmente se consolidasse na última década.
Atualmente, milhares de pessoas em todo o mundo assinam podcasts (um dos mais populares é o Firedrill), acompanham blogs e participam de fóruns de discussão sobre como viver uma vida austera.
Diferente dos demais
Essas comunidades de jovens obcecados em economizar para aposentadoria contradizem uma tendência observada atualmente: a maioria dos millennials não está poupando o suficiente para quando deixar de trabalhar.
No Reino Unido, os millenials poupam, em média, 4,6% do seu salário para a aposentadoria. Já os seguidores do FIRE economizam metade de sua renda ou mais, gastando tão pouco quanto possível.
Craig Curelop, analista financeiro de 25 anos, é um deles.
Ele tem um carro, mas nunca o dirige. Na verdade, ele o aluga por meio de um site chamado Turo e, em vez disso, usa uma bicicleta: “Fiz isso e ganhei algumas centenas de dólares a mais por mês”, diz ele.
Curelop, que mora em Denver, Estados Unidos, costumava alugar seu quarto no Airbnb e dormia na sala de estar.
Ele estava economizando tanto que pôde comprar outra casa em junho deste ano (comprou seu primeiro duplex em abril de 2017), onde mora em um quarto e aluga os outros.
“Agora estou economizando entre US$ 3 mil e US$ 4 mil (R$ 11 mil e R$ 15 mil) por mês”, diz ele.
“É provável que eu tenha economizado entre US$ 60 mil e US$ 70 mil nos 18 meses desde que comecei a alugar minha primeira casa”, diz ele.
Esse estilo de vida não está imune a críticas, já que muitos dizem que as metas de poupança são inalcançáveis.
“Há muitos aspectos positivos e algumas boas raízes no planejamento financeiro, mas acho que é uma versão extrema que não é necessariamente apropriada para todos”, diz Damien Fahy, consultor de planejamento financeiro que vive em Londres.
A matemática da vida
Outro aspecto controverso do FIRE é o seguinte: quanto dinheiro é necessário para se aposentar aos 30 ou 40 anos?
Críticos dizem que os adeptos do movimento subestimam demais o quanto precisam economizar.
Muitos (embora não todos) seguem a regra de 4%.
Se uma pessoa retirar apenas 4% de um investimento, sua receita consistirá principalmente de juros e dividendos e não gastará parte do capital.
A regra de ouro aqui é economizar 25 vezes a despesa necessária: por exemplo, para alguém gastar US$ 39 mil (R$ 145 mil) por ano, precisa economizar US$ 771 mil (R$ 2,8 milhões) para se aposentar mais cedo.
Mas essa regra tem suas falhas, especialmente quando aplicada a jovens. Ela é geralmente usada para aqueles que se aposentam aos seus 60 anos, que provavelmente não precisarão de dinheiro por mais de 30 anos.
“A conta não fecha”, diz Holly Mackay, fundadora do site Boring Money: “Se você se aposentar aos 30 anos, você ainda tem 70 anos pela frente, acho que há um pouco de ingenuidade”.
Cortar, não cortar
Gwen Merz tem 28 anos e possui um patrimônio de US$ 200 mil (principalmente em propriedades, ações e dinheiro).
A americana pediu demissão em 27 de março deste ano e agora apresenta o podcast Firedrill: “Não estou aposentada, ainda tenho que trabalhar, mas tenho a liberdade de escolher algo de que realmente goste e que não pague tanto”.
Ela espera que seus investimentos lhe proporcionem renda todas as vezes que decidir parar de trabalhar. Em sua opinião, o FIRE não é apenas sobre finanças, mas oferece comunidade e camaradagem.
“Posso sair com pessoas que não me olham enviesado por ter um carro de 13 anos”, explica.
Ela diz que adoraria ter o videogame Nintendo Switch, mas acha desnecessário. Também come menos do que antes e não viaja com tanta frequência.
Segundo Mers, “você deve ser capaz de viver melhor, mas isso não significa que você tenha que gastar muito dinheiro”.
Whiter concorda. “Não é necessário ir a um bar caro no centro da cidade”, diz ele.
“Não faz sentido viver miseravelmente por 20 anos apenas para poder viver miseravelmente por mais 20 anos depois do trabalho”, diz ele.
Maior liberdade
Embora a parte “RE” do movimento FIRE seja se aposentar cedo, o objetivo de Merz e Whiter não é abandonar seus empregos e não fazer nada até morrer.
“Não vamos ficar sentados com um coquetel na mão todos os dias”, diz Merz.
“Os seres humanos têm uma necessidade intrínseca ao trabalho. Precisamos nos sentir como membros valiosos da sociedade e isso não vai mudar só porque temos muito dinheiro no banco”, acrescenta.
Pelo contrário, eles acreditam que esse estilo de vida lhes dá flexibilidade para fazer o que querem.
“Você tem que viver para entender o quão poderoso é”, diz Whiter.
Fonte: UOL
Créditos: UOL