A taxa de investimentos no Brasil caiu para o menor nível em mais de 50 anos e, em meio ao rombo das contas públicas e colapso dos orçamentos governamentais, o ritmo de recuperação tende a ficar ainda mais dependente da participação e apetite do setor privado.
No 1º trimestre de 2019, a taxa de investimentos (também chamada de formação bruta de capital fixo – FBCF), que inclui o que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação, recuou para 15,5% do PIB (Produto Interno Bruto), contra 15,8% no trimestre anterior. No final de 2013, antes do início da recessão, estava em 20,9%.
Levantamento do economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostra que a taxa de investimentos públicos caiu de 4,06% em 2013 para 1,85% em 2017 (nível mais baixo já registrado no país), passando para 2,43% em 2018. Já a taxa de investimentos privados caiu nos últimos 5 anos, recuando de 16,85% em 2013 para 13,39% em 2018. Veja gráfico abaixo:
Em termos de composição do indicador, o setor privado passou a ter um peso ainda maior no total dos investimentos feitos no país, ao redor de 85%. A participação do setor público na taxa de investimentos caiu de 19,4% em 2013 para 11,8% em 2018, subindo para 15,4% em 2018. Em 2010, os governos chegaram a responder por 22% do total da FBCF. Na década de 70, chegou a passar de 40%.
Outro estudo do Ibre, dos economistas Marcel Balassiano e Juliana Trece, que utilizou uma média móvel de 4 anos, aponta que a taxa de investimento no quadriênio terminado no 1º trimestre de 2019 atingiu 15,5% do PIB, o menor nível em mais de 50 anos (mesma taxa registrada em 1967).
Os pesquisadores apontam que, no ano passado, 152 de um total de 172 países registraram uma taxa de investimento maior que a do Brasil, e que a taxa média global (26,2%) foi 10 pontos percentuais maior que a brasileira 2018.
Quando a comparação é com os países emergentes, a taxa de investimento foi mais que o dobro da do Brasil.
A reversão desse quadro é apontada como fundamental para que a economia possa reagir e se recuperar num ritmo mais robusto e, com isso, aumentar a geração de empregos.
Longo caminho para recuperar patamar pré-recessão
Diante das limitações orçamentárias e restrições impostas pela lei de teto de gastos, o governo busca atrair mais investimentos privados, sobretudo na área de infraestrutura, através de uma maior abertura da economia, em setores como o mercado de gás natural, e ampliação dos projetos de concessões e privatizações.
Apesar da perspectiva de melhora da atividade econômica e do ambiente de negócios, a partir da aprovação da reforma da Previdência, os economistas avaliam que ainda vai demorar para a taxa de investimentos recuperar o patamar pré-recessão, em razão do nível ainda elevado de incertezas e capacidade ociosa no parque industrial, além de persistentes dificuldades e entraves regulatórios para tirar do papel projetos de transferência de ativos para a iniciativa privada.
“O ano de 2019 ainda vai ser ruim para o investimento. Talvez 2020 seja um pouco melhor”, afirma Pires. “Mesmo que se aprove a reforma da Previdência, ninguém sabe muito bem quais serão os próximos passos [da política econômica]. O ponto de interrogação continua sendo a recuperação da demanda, porque tem incertezas jogando para baixo e uma perspectiva muito ruim para a expansão da capacidade produtiva. Precisa preencher esta capacidade ociosa primeiro para ter investimentos mais expressivos”.
A consultoria Tendencias estima que a taxa de investimentos ficará praticamente estável em 2019, em 15,9% do PIB, subindo para 17,5% do PIB em 2022, sustentada principalmente pelo aumento do consumo de máquinas e equipamentos e pelos impactos esperados, a partir de 2021, pelo programa federal de concessões e privatizações.
“Em nosso cenário de 10 anos, ainda não teremos recuperado a taxa de investimentos de 20,9% do PIB visto em 2013″, afirma a economista da Tendencias Alessandra Ribeiro, que projeta uma taxa de 19,9% do PIB em 2029.
Segundo a analista, o ritmo de recuperação dos investimentos nos próximos anos será ditado pela dinâmica privada, uma vez que as contas do governo só deverão voltar a registrar superávit (receitas maiores que as despesas, excetuando os gastos com pagamento de juros) a partir de 2024.
“Considerando a retomada do crescimento, os impactos iniciais da Previdência, medidas adicionais do lado do gasto público e receitas extraordinárias com concessões e privatizações, o resultado primário fica equilibrado (ou seja, zero), só em 2023”, estima a economista.
Componente construção civil puxa queda
O tombo da taxa de investimentos nos últimos anos foi puxado principalmente pelo componente de construção civil, que inclui também infraestrutura.
No período entre 2010 e 2019, todos os componentes da taxa declinaram, mas a perda em construção chegou a 3 pontos percentuais, enquanto que em máquinas e equipamentos e outros o recuo foi de 1,9 p.p. e 0,2 p.p., respectivamente, apontam Balassiano e Trece. No item “outros” estão gastos com inovação, pesquisa e desenvolvimento e outros ativos fixos.
A construção, que sempre respondeu pela maior fatia dos investimentos, vem diminuindo seu peso na taxa desde o inicio dos anos 2000. No 1º trimestre de 2019, respondeu por 47,4% da taxa de investimento, enquanto máquinas e equipamentos ficaram com 38,3%.
“À medida que os governos saíram de cena, os investimentos em construção civil sofreram um baque. Soma-se a isso a questão das grandes empreiteiras que saíram do mercado ou ficaram inviabilizadas com as investigações da Lava Jato”, observa Pires, citando também as mudanças no modelo de financiamento dos investimentos no país, com a redução da participação do BNDES, cujos desembolsos caíram em 2018 para o menor valor em 5 anos.
Amarras para recuperação
A recuperação do nível de investimento é importante tanto para garantir um crescimento mais robusto do PIB como também para melhorar a infraestrutura do país.
“Para que a economia sustente expansão do PIB da ordem de 3% ao ano ao longo do tempo é necessário que o nível de investimentos caminhe para 21% do PIB. A reativação dos investimentos ampliaria as possibilidades de crescimento da economia brasileira, com estímulo tanto sobre a demanda agregada, dado o efeito multiplicador sobre o produto e o emprego, quanto sobre a oferta, via ampliação de infraestrutura e de produtividade”, avaliou, em relatório mensal, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal.
Para que a recuperação aconteça mais rapidamente e com bases mais sólidas, parte dos analistas defende também um maior debate sobre a recuperação da capacidade de investimentos dos governos, incluindo uma eventual flexibilização do teto de gastos, para que se abra um espaço fiscal para políticas públicas de desenvolvimento e até mesmo para a retomada e conclusão mair rápida de obras paralisadas ou projetos interrompidos.
“O crescimento do gasto público precisa ser objeto de controle, mas isto precisa incluir espaço para investimento. Claro que é necessária a emenda da emenda. Não para desoneração ou subsídio, mas gasto mesmo, contratação direta”, afirma o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
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Para ele, não dá para contar apenas com um avanço do investimento privado para a retomada do patamar pré-crise. ”As oportunidades para o investimento privado estão concentradas na infraestrutura e no setor de energia, ambos monopólios naturais ou assemelhados e, portanto, objeto de regulação complexa, longo prazo de maturação e com riscos econômicos elevados. Sem mitigação dos efeitos de tais traços, é ingenuidade esperar um ciclo de investimento privado, mesmo com taxa de juros baixa”, avalia.
Para Ribeiro, é possível voltar ao patamar pré-recessão mesmo com investimento público limitado, mas é preciso rever os moldes dos investimentos no país.
“Os investimentos públicos acontecem em áreas como educação, saúde, mobilidade. Para isso, teríamos que realmente mudar o modelo e trazer mais o setor privado para essas áreas. Podemos ter modelos como parceria público-privada que ainda dependeriam de certo aporte e garantia do governo, mas em casos de concessões e privatizações, não. Por isso, a gestão e a mudança de modelo é essencial para se depender cada vez menos dos governos federal, estadual ou municipal”, afirma.
Pires considera positivo uma maior abertura da economia brasileira, mas destaca as dificuldades regulatórias e políticas que envolvem qualquer projeto de desestatização. Ele lembra ainda que há áreas que nem sempre atrai o interesse de investidores.
“Tem setores que o investimento privado não entra, ou entra quando boa parte do custo do investimento já esta amortizado, para ser operador e ampliar a infraestrutura na medida em que a demanda cresce”, afirma. “Agora estão falando no mercado de gás… Em saneamento, já se tentou nos últimos anos três formas diferentes para destravar, a última foi uma medida provisória que caiu. No fim das contas, tudo que envolve assuntos federativos é supercomplexo, envolve uma gama de interesses, e leva tempo”.
Na opinião do economista, mesmo com uma maior abertura, o ideal seria perseguir uma taxa de investimento público em torno de 4% do PIB.
“Não dá para discutir investimentos públicos e privados de forma dissociada. Da mesma forma que não dá para parar de fazer o investimento público e esperar que o privado entre e ocupe todo o espaço, também não é verdadeiro que a volta do investimento público trará mais investimento privado. Se o gasto público for mal feito, não trará. É preciso abrir espaço fiscal para aumentar os investimentos dos governos, mas também é necessário melhorar a governança e debater onde investir os recursos”, diz.
Fonte: G1
Créditos: Polêmica Paraíba