As negociações entre o governo de São Paulo e a General Motors (GM), que enfrenta crise financeira e vinha cogitando encerrar suas operações no Brasil, avançaram nos últimos dias. No ano passado, a montadora americana, segundo apurou o Valor, teve prejuízo em torno de R$ 1 bilhão no país, mesmo liderando o mercado pelo terceiro ano consecutivo. Nas últimas semanas, iniciou conversas com autoridades de São Paulo para tentar obter incentivos fiscais.
Um possível acordo entre o governo João Doria e a GM já tem definido que a multinacional investirá R$ 9 bilhões no país, entre 2019 e 2022, para renovar a linha de produtos. A partir de 2023, ano em que se espera que esse investimento comece a dar bons resultados, havendo aumento da arrecadação de impostos decorrente da elevação das vendas, parte dessa alta será revertida à montadora em forma de incentivos fiscais.
Na segunda-feira, Zarlenga reuniu 70 fornecedores, na sede da montadora, em São Caetano do Sul (SP) e convidou, para o encontro, o secretário da Fazenda e do Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles. Na reunião, o secretário disse que o governo estadual não vai dar incentivos imediato ao setor. A única exceção será a devolução de créditos de Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), garantida por lei. Ele deixou claro que cabe às partes – montadora, fornecedores e revendedores – se entenderem. Os fornecedores sabem que terão de ceder margens. Essa é a condição para o fornecedor ser escolhido pela GM para participar dos futuros lançamentos de veículos.
Para certificar-se de que a GM não estava blefando com as ameaças de deixar o Brasil caso não conseguisse obter lucro Meirelles decidiu conversar diretamente com investidores americanos. Segundo fontes, a operação sul-americana tem mesmo dado à companhia americana prejuízo anual em torno de R$ 1 bilhão.
Em conversas reservadas, Meirelles admitiu “a dificuldade de empreender no Brasil”. Além da experiência no setor privado como presidente internacional do BankBoston, ele conhece bem o governo. Foi presidente do Banco Central entre 2003 e 2011, durante o governo Lula, e ministro da Fazenda entre 2016 e 2018, na gestão de Michel Temer. Nas conversas com investidores americanos para saber se a GM, de fato, perde dinheiro no Brasil, o secretário procurou especialistas que conheceu quando morou nos EUA, enquanto trabalhava no BankBoston.
O secretário conhece o tamanho da carga tributária brasileira. A participação dos impostos no preço do carro ao consumidor no Brasil é de 30,4%, uma das mais altas do mundo. Na Alemanha, os tributos sobre automóveis representam 16% e no Japão, 9,9%. Nos Estados Unidos, o percentual mais baixo, de 6,8%, incide nos veículos vendidos na Califórnia.
Aos amigos, o secretário gosta de apontar os dados do “Doing Business”, publicação anual do Banco Mundial, com indicadores criados a partir das leis e normas que influenciam na atividade das empresas. O último ranking, de 190 países, o Brasil aparece no 109º lugar.
A direção da GM continua em silêncio. Recusa-se a fazer comentários sobre qualquer parte do plano de reestruturação enquanto as negociações não terminarem. Zarlenga tem tido pouco espaço na agenda para pensar em outra coisa. Ontem, ele recebeu João Doria, para uma conversa sobre a situação.
Os demais fabricantes de veículos esperam, ansiosos, para ver como a GM avança em seu plano de enxugamento no Brasil. Se a montadora americana conseguir recuperar seus créditos de ICMS, que hoje giram em torno de R$ 400 milhões, as demais também irão bater à porta do secretário.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, cálculos da entidade indicam que os créditos de todo o setor acumulados nos cofres do governo paulista somam em torno de R$ 7 bilhões.
Há, também, grande expectativa em torno das negociações em curso com os sindicatos de metalúrgicos. São quatro diferentes bases somente da GM – São Caetano do Sul, São José dos Campos, Gravataí e Joinville -, com diferentes linhas ideológicas. A relação mais complicada é com o sindicato de São José dos Campos, alinhado à tendência esquerdista Conlutas.
Apoiada na reforma trabalhista, a pauta de 21 propostas apresentada pela GM aos sindicalistas prevê uma drástica mudança nos contratos de trabalho, incluindo a terceirização. Isso pode criar precedentes para que outras montadoras também comecem a propor mudanças nos contratos dos metalúrgicos, uma das categorias que historicamente mais conquistou benefícios no país.
Zarlenga, executivo argentino, que assumiu o comando da operação brasileira em setembro de 2016, está sob forte pressão. O processo de reestruturação da companhia é mundial e a operação brasileira não será poupada se não for rentável. Há dois anos, a companhia vendeu suas operações na Europa – Opel, na Alemanha, e a Vauxhall, no Reino Unido – para o grupo francês PSA Peugeot Citroën. Em novembro, anunciou que este ano serão fechadas cinco fábricas na América do Norte.
As negociações com sindicatos e fornecedores começaram há algum tempo. Mas, o que levou Zarlenga a distribuir uma carta aos funcionários, no dia 18, escancarando a situação foi uma entrevista da presidente mundial da GM, Mary Barra, ao jornal americano “Detroit News”. Ela comentou que a montadora não está disposta a investir mais em regiões onde tem prejuízo e citou a América do Sul. Zarlenga imediatamente espalhou cópias da matéria nos murais das fábricas brasileiras.
A indústria automobilística está sob forte pressão pela necessidade de fazer pesados investimentos no desenvolvimento tecnológico dos veículos, como conectividade, eletrificação e carros autônomos. Essa revolução do uso do automóvel impõe ações inéditas, como o recente acordo global entre Ford e Volkswagen.
À primeira vista, porém, a GM do Brasil parecia ser a última montadora a precisar de socorro. A empresa está no fim de um ousado programa de investimentos de R$ 13 bilhões. Com esses recursos, está renovando produtos e, principalmente, modernizando algumas de suas fábricas.
Além disso, a marca é líder do mercado brasileiro, com 17,5% das vendas de carros e comerciais leves em 2018. Seu campeão de vendas, o modelo Onix, é também o carro mais vendido no Brasil.
Mas a montadora está também, agora, pagando o preço dessa liderança. Na indústria automobilística, quase sempre as empresas tem que fazer opções: ter lucro ou aumentar participação de mercado. Em vários momentos da história recente, a GM claramente escolheu a segunda opção.
Fonte: Valor.com.br
Créditos: Valor Econômico