27 milhões de pessoas

Brasil começa 2021 com mais miseráveis que há uma década, diz pesquisa

Com o fim do auxílio emergencial em dezembro, 2021 começou com um salto na taxa de pobreza extrema no Brasil. O país tem hoje mais pessoas na miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em 2011.

Com o fim do auxílio emergencial em dezembro, 2021 começou com um salto na taxa de pobreza extrema no Brasil. O país tem hoje mais pessoas na miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em 2011.

Neste janeiro, 12,8% dos brasileiros passaram a viver com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8,20 ao dia), linha de pobreza extrema calculada pela FGV Social a partir de dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads) Contínua e Covid-19.

No total, segundo projeção da FGV Social, quase 27 milhões de pessoas estão nessa condição neste começo de ano —mais que a população da Austrália. Trata-se de um aumento significativo na comparação com o segundo semestre de 2020, quando o pagamento do auxílio emergencial a cerca de 55 milhões de brasileiros chegou a derrubar a pobreza extrema, em agosto, para 4,5% (9,4 milhões de pessoas) —o menor nível da série histórica.

A taxa neste começo de década é maior que a do início da anterior (12,4%) e que a de 2019 (11%).

O efeito negativo da pandemia sobre a renda dos mais pobres já tenderia a ser prolongado levando-se em conta a recuperação difícil que o Brasil tem à frente (quase sem espaço no Orçamento público para novas rodadas de auxílio emergencial), o aumento das mortes pela Covid-19 e o atraso no planejamento da vacinação.

O pagamento do auxílio emergencial custou cerca de R$ 322 bilhões, a maior despesa do Orçamento de Guerra contra a Covid-19.

Com essa e outras medidas emergenciais, em 2020 a dívida pública saltou 15 pontos, atingindo 89,3% como proporção do PIB e R$ 6,6 trilhões —ambos recordes que levaram à deterioração no perfil de refinanciamento.

Mas, além do aumento da pobreza no presente, a pandemia deve impor perdas futuras de renda aos mais jovens, sobretudo os pobres, que acabaram perdendo boa parte do ano escolar de 2020.

Em média, cada ano de ensino a mais chega a representar ganho de 15% no salário futuro; e 8% mais chance de conseguir um emprego.

Em 2020, no entanto, os alunos da rede pública tiveram a metade das atividades em relação a anos normais, segundo dados da FGV Social e das Pnads. A redução nas escolas privadas foi bem menor –o que implicará em aumento, nos próximos anos, da desigualdade entre ricos e pobres.

O aprofundamento das disparidades também se dará regionalmente. Na rica Santa Catarina, por exemplo, só 2% dos alunos de escolas públicas e privadas deixaram de receber material para atividades em casa na pandemia. No pobre Pará, foram 42%.

No geral, os jovens, os sem escolaridade, os nordestinos e os negros foram os que mais perderam renda do trabalho na pandemia (veja quadro). Hoje, cerca de 35% dos jovens brasileiros nem trabalham nem estudam —os chamados “nem nem” eram 25% no final de 2014.

“É um péssimo começo de década”, resume o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social. “Ao longo dos últimos muitos anos, como um relógio, tivemos aumento nos anos de estudo, com impactos positivos na renda e na queda da desigualdade. Desta vez, isso foi interrompido.”

Neri lembra que, ao encontrar um mercado de trabalho deprimido nos primeiros anos em que buscam colocação, os jovens acabam tendo a renda futura muito comprometida.

O aumento da taxa de pobreza complica o cenário. Como os pobres consomem toda a renda que recebem, o fato de um número significativo não estar trabalhando ou ganhando trava a aceleração do crescimento econômico.

Neste momento, a volta da incerteza sobre a plena reabertura da economia afetará sobretudo o setor de serviços, responsável por 2/3 do PIB e onde os pobres mais atuam.

Assim, algumas consultorias e bancos já começam a rever previsões de crescimento para 2021. O Bradesco, por exemplo, cortou de 3,9% para 3,6% a alta estimada do PIB, embora ainda veja como positivos o ciclo de recomposição de estoques, a poupança precaucional de quem recebeu o auxílio emergencial e alguns sinais de recuperação no mercado de trabalho.

Outro limitador da recuperação pela via do consumo das famílias —responsável por 65% do PIB— é o aumento da inflação, especialmente para os mais vulneráveis.

Em 2020, a inflação para as famílias com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos atingiu 6,3%, segundo o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1, da FGV). Dentro do índice, os preços dos alimentos dispararam 15,4%.

Segundo cálculos do Diesse (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o valor da cesta básica em São Paulo em relação ao salário mínimo (R$ 1.100) é o maior em 15 anos —o que compromete a capacidade de consumo das famílias.

A partir de critérios distintos, o economista Naercio Menezes, do Insper, também calcula que a taxa de pobreza neste começo de 2021 seja maior que a do fim de 2019.

Assim como Neri, ele prevê que o impacto da falta de aulas durante a pandemia vá ser significativo, capaz de reverter boa parte dos avanços na educação e na renda dos mais pobres nos últimos 20 anos.

Segundo seus cálculos, sem o auxílio emergencial no ano passado, os miseráveis teriam chegado a quase 20% dos brasileiros (42 milhões).

Menezes não acredita, porém, que a pobreza siga aumentando de forma significativa, a não ser que a pandemia exija novamente períodos muito longos de forte distanciamento social.

“A partir de outubro, quando o valor do auxílio foi reduzido de R$ 600 para R$ 300, as pessoas voltaram a procurar trabalho remunerado. Mas há risco de isso ser interrompido caso o número de mortes mantenha-se elevado”, diz.

Nos três meses até novembro, que coincidiram com o relaxamento das medidas de distanciamento, a população ocupada cresceu 4,7% e chegou a 85,6 milhões de pessoas, um aumento de 3,9 milhões ante o trimestre anterior.

A ocupação maior deu-se sobretudo na informalidade, onde concentram-se os mais pobres que conseguem algum tipo de trabalho. Os informais representam hoje 39% dos ocupados, mas podem sofrer novamente com a volta da restrição à circulação.

No mercado formal, 2020 surpreendeu e fechou com saldo positivo de 142,7 mil vagas. Daqui para a frente, porém, o principal mecanismo de defesa do emprego com carteira assinada (estabilidade por algum tempo a quem teve salário e jornada reduzidos) perderá a validade.

“O mercado formal reagiu bem até o final do ano, muito em razão das regras mais flexíveis da reforma trabalhista [de 2017], mas a tendência é desacelerar com a piora da pan- demia”, diz José Márcio Camar-go, economista da PUC-Rio.

Em sua opinião, os próximos meses serão críticos, marcados por duas correntes contrárias: de um lado, o vírus mais transmissível exigindo distanciamento; de outro, a ampliação da vacinação.

“O certo é que o Brasil e o mundo sairão disso mais desiguais. Empresas e trabalhadores mais produtivos e com reservas sairão na frente. E, infelizmente, não se resolve um problema de desigualdade dessa magnitude apenas com políticas de transferência de renda.”

Fonte: POLÊMICA PB
Créditos: FOLHA DE SÃO PAULO