Em 31 de outubro de 2008, um personagem ainda desconhecido, com pseudônimo Satoshi Nakamoto, lançou seu projeto em um fórum na internet: “Bitcoin: a peer to peer electronic cash system” (“Bitcoin: um sistema de dinheiro eletrônico entre pessoas físicas”, em tradução livre).
Dez anos depois, o bitcoin já passou por altos e baixos, ganhou fama mundial e deu origem a milhares de outras moedas virtuais. Então, o que esperar do futuro das criptomoedas? Será possível,por exemplo, fazer compras no supermercado usando bitcoins?
A proposta de Nakamoto saiu do papel em janeiro de 2009, quando começou a funcionar a primeira versão da rede blockchain, um sistema descentralizado de computadores para troca e registro de informações eletrônicas. No entanto, a primeira grande transação financeira envolvendo bitcoins ocorreu quase um ano e meio depois.
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As pizzas mais caras da história
Em 22 de maio de 2010, Laszlo Hanyecz, um programador de Jacksonville, nos Estados Unidos, convenceu Jeremy Sturdivant, outro programador da Califórnia, a fazer um pedido de duas pizzas que custavam US$ 41. Em vez de usar dólares, Hanyecz pagou 10 mil bitcoins a Sturdivant. A data ficou conhecida como o “dia da pizza bitcoin”.
Se a compra fosse repetida hoje, as duas pizzas custariam o equivalente a US$ 65 milhões (R$ 236 milhões).
Aos poucos, o bitcoin tornou-se moeda de troca entre pessoas do meio da tecnologia e também entre aqueles dispostos a realizar práticas ilegais, como compra de drogas, por meio do Silk Road, site que foi fechado pelo FBI (a Polícia Federal norte-americana) em 2013.
No Japão, o uso do bitcoin como moeda de troca foi regulamentado em abril do ano passado e já é possível realizar compras em diversos estabelecimentos do país. Em outros locais do mundo, porém, a aceitação de criptomoedas no comércio ainda é restrita, mesmo dez anos após a criação do bitcoin.
A partir da criação da Fundação Bitcoin, em 2012, a tecnologia blockchain começou a ganhar importância e passou a ser estudada mais a fundo por especialistas de tecnologia e do mercado financeiro.
Transação direta entre pessoas
Passados dez anos, a verdadeira identidade de Satoshi Nakamoto permanece um mistério. Não está claro se é uma pessoa ou um grupo de especialistas em computação. Já o bitcoin se transformou no maior sistema de trocas financeiras fora do ambiente dos bancos do mundo.
“O bitcoin permite realizar transações financeiras a distância e seguras pela internet, sem a necessidade de um intermediário para confirmar a operação”, afirma Gustavo Chamati, presidente do Mercado Bitcoin, uma das maiores corretoras de moedas virtuais do Brasil.
A principal característica da tecnologia blockchain é sua estrutura descentralizada. Uma mesma transação é verificada por vários participantes do sistema, que são conhecidos como mineradores. “Eles oferecem ao sistema computadores com capacidade de processamento de dados para validar as transações em troca de uma remuneração em bitcoins”, disse Chamati.
Salto tecnológico
O que aparentemente poderia representar o fim do sistema financeiro mundial, ao permitir que as pessoas movimentem dinheiro entre si diretamente, na verdade trouxe novas ferramentas tecnológicas para os bancos.
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“O valor do bitcoin está na tecnologia blockchain. Nós estamos apenas no início do desenvolvimento dessa tecnologia. Ainda veremos diversas aplicações surgirem a partir dela no futuro”, afirma Alan De Genaro, professor de finanças da EAESP/FGV.
De Genaro compara a importância do projeto de Satoshi Nakamoto ao trabalho desenvolvido em 1973 pelos economistas Fischer Black e Myron Scholes, criadores do modelo Black-Scholes, usado no mercado de derivativos financeiros, como opções.
“O mercado de derivativos praticamente não existia na década de 1970. Hoje, ele é extremamente relevante. Podemos imaginar que o mesmo acontecerá com o blockchain dentro de alguns anos”, disse De Genaro.
Os ganhos da tecnologia blockchain para o sistema financeiro estão na segurança e na redução de custos com armazenamento de dados, uma vez que a informação fica distribuída no sistema.
“O blockchain veio para ficar. Ele está cada vez mais presente nos bancos, reduzindo custos, aumentando a eficiência e a transparência das operações”, afirma o advogado Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, membro fundador da Oxford Blockchain Foundation.
Definir regras é o próximo desafio
Se o potencial de expansão do blockchain já é visível para os especialistas, o crescimento do bitcoin como moeda de troca internacional ainda depende de regras mais claras de negociação e de identificação dos detentores da criptomoeda. No Brasil, o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda estudam formar de regular o mercado de criptomoedas no país.
O anonimato das transações com o bitcoin se tornou um meio prático para lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e pagamento de drogas, armas, contrabando e outros produtos ilegais. No Brasil, BC e CVM não fiscalizam as corretoras de moedas digitais para verificar, por exemplo, a integridade dos sistemas de segurança ou o controle de identificação dos clientes.
“As transações com bitcoin são seguras e são registradas no blockchain. Nunca houve um registro de falha de segurança na tecnologia”, afirmou Gustavo Chamati. Segundo o presidente do Mercado Bitcoin, os casos de fraudes e roubos ocorridos em diversos locais do mundo sempre aconteceram nas “pontas do sistema”, ou seja, no armazenamento dos bitcoins.
“Há muitos hackers de olho em eventuais falhas na guarda do bitcoin. As corretoras são um alvo, pois funcionam como minas de ouro. Mas já há sistemas desenvolvidos especialmente para garantir uma posse segura”, disse Chamati.
De acordo com o site CoinMktCap, há 17,350 milhões de bitcoins em circulação no mundo, que equivalem a cerca de US$ 110 bilhões (R$ 407 bilhões).
Nova forma de captação de recursos
Os especialistas veem potencial de crescimento de novas moedas digitais e dos chamados “tokens”, que são fichas ou cotas digitais distribuídas por empresas dos mais variados setores para captação de recursos para investimento.
“A tendência é que as empresas troquem os IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês, ou abertura de capital em Bolsa) pelos ICOs (ofertas iniciais de criptomoedas)”, afirma De Genaro, dada a maior flexibilidade desse tipo de captação.
Borges também vê potencial nessa forma de capitalização das empresas, embora admita que o uso indiscriminado dos ICOs no ano passado prejudicou a imagem das moedas digitais.
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“Houve uma perda de confiança porque foram lançados muitos projetos de investimento duvidosos. Mas fraudes acontecem em qualquer setor. Basta você pensar nas fraudes que acontecem pelo celular. O eventual mau uso de uma tecnologia não tira sua importância”, disse o membro fundador da Oxford Blockchain Foundation.
De acordo com o site CoinSchedule, foram captados US$ 98 milhões por meio de ICOs em todo o mundo em 2016. No ano passado, o volume subiu para US$ 6,5 bilhões. Neste ano, até 30 de outubro, os recursos levantados por meio de ofertas de moedas digitais já alcança US$ 21,5 bilhões.
Fonte: UOL
Créditos: UOL