Quando Tite assumiu a seleção, em junho de 2016, ele sabia que algo precisava ser feito. Para recuperar o futebol da equipe, maltratada por dois fracassos seguidos na Copa América e um começo ruim nas Eliminatórias, precisava aparar uma aresta com Neymar. Quatro anos antes, após um clássico contra o Santos, o então técnico do Corinthians havia dito que o atacante era um mau exemplo para seu filho, Matheus Bacchi, que se tornaria auxiliar de sua comissão. Se hoje o Brasil estreia na Copa contra a Suíça, às 15h (de Brasília), na Arena Rostov, sonhando acordado com o hexa, é muito em função da relação estabelecida entre os dois.
Deixar o caso para trás era importante. Tite, de forma menos contundente, havia criticado o comportamento de Neymar na mesma linha de René Simões: em 2010, o ex-técnico da Jamaica disse que “estavam criando um monstro”, diante das indisciplinas do atacante contra seu próprio treinador na época, Dorival Júnior. Neymar e principalmente as pessoas que o cercam não costumam esquecer rapidamente esses ataques. Só que esse, em especial, precisava ser superado.
O primeiro contato maior entre os dois ocorreu no fim de agosto de 2016. Tite já estava hospedado no Sheraton Quito quando o atacante deu entrada no hotel que serviu de concentração da seleção antes da estreia sob o novo comando. No Equador, conversaram pela primeira vez pessoalmente como técnico e jogador. De lá para cá, nunca mais pararam com a troca.
— Neymar não está 100% ainda — disse Tite ontem, tentando tirar um pouco da pressão sobre o 10: — Mas também é muito privilegiado fisicamente. O nível de arrancada com velocidade máxima que ele tem é impressionante. Teve uma recuperação muito boa. Não está na plenitude, mas está numa situação que é suficiente para uma boa estreia.
Seleção serve de porto seguro
Com Tite, a seleção se transformou no porto seguro de Neymar, onde ele é protagonista incontestável como no Santos, algo que nunca seria no Barcelona de Messi e ainda não é no PSG. Cobra faltas e pênaltis, e levou para a comissão da CBF dois profissionais ainda dos tempos de Vila Belmiro: o preparador Ricardo Rosa e o fisioterapeuta Rafael Martini.
O que ele dá em troca é compromisso e desempenho. Neymar segue como a referência técnica, apesar de uma dependência menor da seleção. Ele ainda tem liderança cada vez mais clara.
Aos 26 anos, Neymar tem mostrado mais serenidade em campo pela seleção. As reações exageradas, como a que culminou na sua expulsão e posterior suspensão da Copa América de 2015, deram lugar a um jogador mais centrado. É justamente na harmonia entre os dois, nesse pacto por vitórias, que a seleção inicia a reconstrução de sua história nas Copas.
Técnico protetor
Tite foi rápido em perceber qual cenário favoreceria que Neymar produzisse o melhor para a seleção. Taticamente, deixou o atacante à vontade e tirou dele tanto as obrigações defensivas quanto as mudanças de posição constantes, como as que faz no PSG. Neymar é dono do lado esquerdo do ataque, onde seu jogo sempre despontou. Cessaram as tentativas de transformá-lo em um falso 9, que aconteciam com Dunga.
Diante de uma celebridade, o treinador saiu em defesa do ser humano e ganhou gratidão. Tirou do atacante o peso extra da faixa de capitão, atribuição dada por Dunga que, em vez de conscientizar o atacante de suas responsabilidades, acabou sendo um tiro pela culatra: a cobrança sobre o jogador, principal reserva técnica da equipe desde 2010, já era grande o suficiente. Com a conhecida oratória pastoral, Tite saiu em defesa de Neymar várias vezes. Carismático, blindou o grupo das críticas, o que foi reconhecido pelo atacante em entrevista em outubro de 2016, no evento de um patrocinador.
—Com Tite, todo mundo está se sentindo mais leve.
O maior gesto público da relação entre os dois, porém, veio quando o atacante desabafou numa coletiva sobre as notícias de que estaria tendo problemas de relacionamento no PSG, em novembro de 2017. Tite comoveu Neymar:
— Eu posso falar do caráter, da índole do Neymar e do grande coração que ele tem.
Fonte: Extra
Créditos: Extra