Concursos públicos servem mesmo para selecionar pessoas com viés político de esquerda, como disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub? O vídeo com a fala do ministro foi publicado pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais no último domingo (12).
No vídeo, citando o último concurso da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Weintraub diz que: “Se você ver [sic], é um concurso que tem praticamente nada de matemática e está lá falando de governo estado-unidense. Então, você, na seleção, já seleciona pessoas com viés de esquerda nos concursos, como é o Enem”.
O UOL ouviu dois especialistas em concursos públicos para entender se essa afirmação do ministro procede e como esses certames são elaborados.
“Não faz nenhum sentido dizer que a prova ou a banca têm tendência esquerdista ou direitista. Eventualmente, alguma pergunta pode indicar certa tendência política, exigindo que o candidato tenha conhecimento de um fato histórico e político que envolva uma das linhas ideológicas, mas isso não significa necessariamente que a banca tenha essa tendência”, afirmou o professor Marco Antonio Araújo Júnior, vice-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio ao Concurso (Anpac) e vice-presidente da Associação de Apoio aos Concursos e Exames (Aconexa).
Gabriel Henrique Pinto, professor e diretor da Central de Concursos, disse que o conteúdo das provas de concursos é estritamente técnico-teórico. “Em sua maioria, compreende análise de textos legais, doutrinas e jurisprudências, além da resolução de cálculos matemáticos e de exercícios de lógica, o que nem sequer permitiria a seleção de pessoas com base em um viés ideológico”, afirmou.
Para Gabriel Pinto, considerando que, em geral, há dezenas de milhares de candidatos em uma prova de um concurso público de grande porte, “também não faria sentido presumir que os candidatos, em sua maioria, seriam de direita ou esquerda somente por terem optado pelo concurso como solução para sua vida profissional”.
Ele cita, por exemplo, a última prova do concurso do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), realizado em 2015 e que teve 1,3 milhão de candidatos inscritos. “Como é possível que nesse universo todos os candidatos fossem de esquerda ou que todos os aprovados fossem esquerdistas?”
Especialista pede respeito aos concursos públicos
“Não podemos admitir que uma figura pública, responsável pela gestão da educação do país, dissemine informações falsas sobre os concursos públicos, que sempre foram idôneos e selecionam as pessoas mais bem preparadas para tal cargo. Tanto é que a concorrência é elevada, e os candidatos passam longos períodos estudando para obter a aprovação”, declarou Araújo Júnior.
Para ele, é preciso respeitar o instituto do concurso público e “todos aqueles que por ele passaram e que, com esforço e dedicação, alcançaram o cargo público com a aprovação”.
Processo é cauteloso, rigoroso e sigiloso
Araújo Júnior afirmou que o processo de elaboração de concursos públicos e de seleção de candidatos é, em regra, “extremamente cauteloso, rígido e sigiloso”.
“Além disso, o conteúdo cobrado é amplo, com questões referentes a disciplinas que fazem parte do dia a dia daquele cargo que está sendo oferecido. Muitas vagas requerem que o profissional entenda do funcionamento da máquina pública, história, comércio exterior, entre outros. Não faz sentido cobrar matemática, por exemplo, em um cargo que não usa números, não há relação com contas, assim como não faz sentido cobrar provas de aptidão física em cargos em que não há necessidade de bom condicionamento”, disse.
Passo a passo para realizar um concurso público
Especialistas explicam como um concurso público é elaborado, desde a escolha da banca organizadora até a correção da prova.
Quem organiza?
Todas as instituições públicas têm a liberdade para abrir seleção para um concurso público, incluindo Câmara dos Deputados, Senado Federal, Tribunais, Defensorias, Ministério Público e Procuradorias.
Em geral, uma banca organizadora coordena os concursos. A banca é a empresa responsável por desenvolver e gerir todas as etapas do processo de seleção, como edital, inscrições, elaboração de provas, escolha de locais de aplicação das provas etc.
“Quem escolhe a banca é a instituição que está abrindo as vagas, mas existem alguns órgãos que preferem organizar o próprio concurso. Existem centenas de bancas disponíveis, sendo algumas mais conhecidas, e boa parte dos órgãos públicos opta por manter sempre a mesma banca em seus concursos para seguir o mesmo padrão, com estilo e tendências próprias de cada um e já especializadas naquele setor ou órgão”, disse Araújo Júnior.
Alguns exemplos de bancas são Cespe, Cebraspe, Fundação Getulio Vargas, Fundação Cesgranrio, Fundação Carlos Chagas, Vunesp e Esaf (Escola de Administração Fazendária).
A banca escolhida deverá ter condições de realizar um concurso do porte exigido. Por exemplo, se a expectativa é que o concurso tenha 150 mil candidatos, a banca tem que ter capacidade de realizar um concurso para esse número de pessoas, com locais de prova para todos e a abrangência adequada.
Como é definido quem fará o edital?
O edital sempre é elaborado pelo órgão que está oferecendo as vagas em conjunto com a banca organizadora. Em se tratando de concursos federais, abre-se prazo de seis meses para a publicação do edital.
O que é o edital?
O edital é um documento, publicado no Diário Oficial, que determina as regras do concurso público. Ou seja, traz todas as informações necessárias para o candidato se preparar para a prova, como número de vagas disponíveis, data das inscrições e das provas, formato da prova, disciplinas exigidas e requisitos para a posse no cargo, entre outras informações.
Quem define as perguntas e a dificuldade da prova?
As bancas possuem professores especializados nas áreas de cada concurso e, algumas vezes, contratam outros para áreas mais específicas. Existe um planejamento idealizado por professores de letras e pedagogia para decidir qual será o nível de escolaridade exigido dos candidatos, número de questões, nível de dificuldade, formato da prova (se será múltipla escolha, dissertativa, se haverá provas física e psicotécnica, por exemplo).
As questões são elaboradas por um grupo de professores especialistas nas áreas do conteúdo que será cobrado. As questões devem ser inéditas. Esses profissionais também assinam termo de sigilo.
Segundo Araújo Júnior, as questões são elaboradas por diversos grupos de professores. “Portanto, não necessariamente eles sabem quais entrarão na prova. Ao final, todas as questões são embaralhadas de modo digital e escolhidas por um software”, disse.
O sigilo do concurso deve ser rigorosamente cumprido. Depois de impressas, as provas são lacradas em um malote e armazenadas em uma caixa dentro de um cofre até o dia da realização do concurso.
As salas, em regra, devem ser monitoradas por câmeras e impressão digital, não existindo acesso de pessoas não autorizadas. Ao término da aplicação da prova, as folhas são recolhidas e transportadas para a empresa que organizou o concurso.
Como é calculado o valor da taxa de inscrição?
Não há tabela nem legislação que regulamentem isso. Segundo Araújo Júnior, há uma média histórica que varia de acordo com a remuneração dos cargos. “Quanto maior o cargo, maior tende a ser o valor da inscrição. Para cargos que têm salários mais baixos, o valor da inscrição é menor. Em geral, o valor da inscrição é uma proporção em relação ao valor do salário da vaga”, afirmou.
Geralmente, a cobrança de taxa de inscrição é feita para arcar com os cursos da operação do concurso público.
Quem corrige a prova?
As provas de múltipla escolha são corrigidas de forma totalmente digital, sem a presença de professores. Existe um leitor óptico que confere os cartões de respostas e dá o resultado de cada candidato. As provas dissertativas são corrigidas por um grupo de especialistas.
Fonte: UOL
Créditos: UOL