Faltando menos de duas semanas para o primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os 3,1 milhões de candidatos inscritos têm mais razões para se preocupar do que as últimas revisões e a ansiedade que antecedem um teste importante. O órgão que prepara, aplica e corrige o exame que separa secundaristas do ensino superior passa por profunda crise e é palco de pedidos de exoneração em massa, que deixam vagos quase um terço dos cargos de coordenação e assessoria.
Essa debandada no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) obrigou o ministro da Educação, Milton Ribeiro, a se posicionar, na noite dessa segunda-feira (8/11), para garantir que a prova (marcada para os dias 21 e 28 de novembro), está mantida, mas a desconfiança entre estudantes, especialistas e parlamentares federais é alta.
O presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro, terá de comparecer à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados nesta quarta (10/11), para explicar o que está acontecendo no órgão.
A gestão de Dupas Ribeiro é alvo de denúncias dos servidores do Inep, que o acusam de assédio moral e de incompetência. O corpo técnico do órgão realizou ato de protesto na semana passada e, diante da falta de respostas, ao menos 33 coordenadores, substitutos e assessores técnicos colocaram seus cargos comissionados à disposição até ontem, levantando dúvidas sobre a capacidade do Inep de garantir a logística para a aplicação do Enem.
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse, que é um dos principais especialistas em avaliações educacionais do país, a crise atravessada pelo Inep é “sem precedentes”, mesmo com todos os problemas já enfrentados pelo Enem desde 1998, quando o exame começou a ser aplicado.
“A prova já foi roubada na gráfica [em 2009] e já aconteceu de criminosos venderem o serviço de feitura da prova no lugar de candidatos [em 2016]. Foram ocorrências muito graves, mas realizadas por atores externos. Desta vez, os quadros técnicos responsáveis pela elaboração e aplicação do exame estão acusando os gestores do órgão de incompetência ou, pior, interferência no trabalho. Então, é outro nível de problemas, por isso eu digo que é uma crise sem precedentes. É a própria credibilidade da prova que está em jogo”, avalia Alavarse em entrevista ao Metrópoles.
Para o especialista, o Inep está perdendo na gestão Bolsonaro uma relativa “proteção política” da qual gozou historicamente. “Sempre foi um órgão muito técnico, um órgão tipicamente de Estado, e não de governo. Isso não quer dizer que esteja apartado da política, mas a contaminação agora está exagerada. Nunca antes se viu no Inep denúncias de fraude ou desvio de conduta. Agora, os quadros técnicos intermediários estão fazendo esse tipo de crítica e estão se demitindo de seus quadros. É uma escalada que pode comprometer o trabalho do órgão a médio prazo e até o próximo Enem. Porque há um empresa responsável pela aplicação da prova, que ganhou a licitação, mas a coordenação de tudo tem o Inep como responsável. Se houver problemas, questões de última hora, é responsabilidade do órgão”, afirma Alavarse.
As críticas dos servidores
É a suposta negação do presidente do Inep em assumir esse tipo de responsabilidade que mais tem irritado o corpo técnico do Inep. Segundo os servidores, Dupas Ribeiro se recusou, por exemplo, a integrar a Equipe de Tratamento de Riscos e Incidentes (Etir) de Brasília, colegiado responsável por decisões em casos de emergências na preparação e aplicação do Enem.
Servidores ouvidos pelo Metrópoles acusam o presidente do Inep de delegar ao chefe de gabinete e a outros gestores atribuições que são do comando do órgão. Para os funcionários, Dupas, que veio da iniciativa privada, não saberia sequer lidar com as responsabilidades de um gestor público. A atitude do presidente está sendo interpretada pelos servidores como fragilidade no cargo e indicativo de que ele não quer se comprometer com as provas, pois, desconfiam os servidores, estaria prestes a deixar o comando do órgão.
“Os pedidos de exoneração dos gestores significam um alerta que os servidores estão fazendo sobre as situações que temos enfrentado e que dificultam muito nosso trabalho. É para que a sociedade tenha conhecimento e cobre dos governantes providências. É um basta depois de muitas tentativas de diálogo”, afirma à reportagem o presidente da associação dos servidores do órgão, Alexandre Retamal.
Reações
A mobilização dos servidores do Inep em protesto começou semana passada e culminou, nessa segunda (8/11), com dezenas de pedidos de exoneração. Entidades, como a União Nacional dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a União Nacional dos Estudantes (Une), reagiram e pediram informações e audiências com o presidente do Inep e o ministro da Educação – mas ainda não foram atendidas.
Especialistas, professores e estudantes usaram as redes sociais para protestar contra o silêncio do governo diante da debandada usando a hashtag #DefendaoEnem. O presidente do Inep não respondeu aos servidores nem aos pedidos da imprensa por um posicionamento. O MEC divulgou nota curta na noite de ontem, garantindo que a prova está mantida, mas sem comentar as críticas recebidas.
Essa postura fechada dos gestores da educação pública é um sinal preocupante para o professor Francisco Borges, mestre em políticas públicas para educação e consultor da Fundação FAT. “Esses pedidos de exoneração de servidores que são técnicos, que são quadros antigos no Inep, é uma mensagem para a nação de que há algo errado no órgão. Me parece ser uma sinalização de que eles não querem estar vinculados a uma catástrofe, então eu fico preocupado que seja o estopim de uma bomba que pode significar até um cancelamento ou adiamento da prova a poucos dias da aplicação”, avalia o docente.
“Um dos que pediram exoneração foi o coordenador de Logística, que sabemos que é uma das maiores preocupações numa prova desse tamanho”, completa Borges.
O coordenador-geral de logística do Enem, Hélio Junio Rocha Morais, solicitou exoneração ainda na semana passada.
Borges cobra do presidente do Inep e do ministro da Educação mais transparência. “Os especialistas estão preocupados. Os candidatos que dependem de resultados dessa prova estão mais preocupados ainda. É obrigação dos gestores vir a público e ao menos tentar tranquilizar a comunidade, porque os sinais que temos até agora são muito preocupantes”, conclui o professor.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles