A notícia da divulgação de erros em notas de pelo menos 5.974 pessoas abalou a credibilidade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O prazo de análise dos equívocos foi insuficiente e as explicações do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do presidente do Inep, Alexandre Lopes, deixaram dúvidas no ar. Diante desse cenário, a melhor opção para preservar a credibilidade do exame seria uma auditoria no resultado. Até lá, a recomendação é interromper o Sisu, o Sistema de Seleção Unificada que dá acesso às universidades federais.
Essa é a opinião dos três especialistas em avaliação educacional ouvidos pelo blog: Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, Nelson Gimenes, do grupo de pesquisa em Avaliação Educacional da Fundação Carlos Chagas, e Wolney Melo, da consultoria Atitude Educacional, autor de tese de doutorado sobre avaliação em larga escala. Os três defendem maior transparência sobre o processo de correção das inconsistências — e varreduras mais amplas, com informações detalhadas sobre os 3,9 milhões de exames.
De acordo com o presidente do Inep, uma força-tarefa de “300 pessoas” (segundo o Portal da Transparência, a autarquia toda conta com 478 servidores ativos) identificou e corrigiu os problemas entre a noite da 6a (17) e a manhã de 2a (20). A origem dos equívocos seria uma associação incorreta entre a cor do caderno de questões e do gabarito dos candidatos. Alguém que fez a prova azul, por exemplo, teria sido prejudicado ao ter seu desempenho corrigido pelo gabarito da prova amarela (as questões mudam de posição em provas de diferentes cores). Ainda segundo o Inep, a responsabilidade seria da gráfica Valid, contratada para a impressão do exame. De acordo com Lopes, os equipamentos teriam “engasgado”, gerando erro de associação entre o caderno de respostas e os gabaritos.
Os especialistas concordam que, em 72 horas, é possível testar o conjunto de 3,9 milhões de provas para os diferentes gabaritos do exame, como diz ter feito o MEC. “Mas isso pode não ser suficiente”, opina Melo. “Para afastar qualquer dúvida, seria necessário cruzar os cadernos de questões com os cartões de resposta e as informações de mapa de sala [utilizado nas aplicações da prova e que deve conter informações sobre os estudantes, o lugar em que cada um senta e o tipo de prova que faz]. Só assim seria possível ter certeza da associação correta entre prova, resposta e correção”, afirma. Segundo o especialista, uma avaliação desse tipo dificilmente poderia ser feita no fim de semana usado pelo MEC para a nova correção.
“A equipe de técnicos do Inep é de alto padrão, mas uma auditoria seria uma resposta à altura para conferir transparência ao exame”, afirma Gimenes. “Um dos motivos de o Enem ter se tornado um exame amplamente utilizado foi a alegação de que o acesso à educação superior se daria de forma mais transparente. E foi pela sua legitimidade que as instituições de referência aderiram ao exame. É isso que está em jogo”, completa. Para Alavarse, o Enem não pode se dar ao luxo de errar “nem uma prova”, pois lida com o esforço de cada aluno para conseguir vaga numa faculdade pública. “A auditoria seria o ideal. Essa foi uma solução já adotada quando houve discrepância nos resultados da Prova São Paulo [avaliação da rede municipal paulista]”, exemplifica.
Alavarse e Gimenes sugerem a formação de uma comissão de especialistas para um pente fino nos resultados. Para Melo, haveria transtornos, com atrasos em outros vestibulares, no Prouni e, talvez, no início das aulas. “Mas, ainda assim, é necessário. A credibilidade do exame está em questão. Vejo sério risco de judicialização”, afirma.
Questões sem resposta
Além dos três especialistas, a reportagem ouviu fontes de entidades envolvidas no exame, que pediram anonimato por medo de represálias. Houve consenso de que as declarações de Weintraub e a entrevista coletiva de Alexandre Lopes não esclareceram questões importantes. Servidor público da carreira de analista de comércio exterior, o presidente do Inep não conseguiu detalhar aspectos técnicos sobre o trabalho de revisão da correção. A reportagem agrupou as principais dúvidas levantadas pelos dos entrevistados:
A falsa “regionalização” O Inep afirma que 95% dos casos de erros na nota ocorreram em quatro cidades – três delas em Minas Gerais e uma na Bahia. Levantou-se a hipótese de um único pacote de provas com falhas nas máquinas de impressão, mas apenas Ituiutaba e Iturama são relativamente próximas (158 km de distância). Apesar de estar no mesmo estado, Viçosa fica a 892 km de Ituiutaba e a 957 km de Iturama. Alagoinhas, a 1715 km e 1826 km, respectivamente. Ganha força a hipótese de que houve, pelo menos, quatro falhas mais graves.
Casos isolados O Inep encontrou 116 notas erradas fora das quatro cidades mais afetadas. São municípios de 24 estados (Roraima e Amapá ficam de fora) e o Distrito Federal. Por que esses equívocos foram numericamente inferiores aos das quatro cidades que concentram as ocorrências? Foram reparados mais rapidamente — por quem e de forma? A reportagem pediu ao Inep a lista das cidades com casos de inconsistências, mas não obteve resposta até a publicação do texto.
A gráfica sabia? “Quando ocorre um erro de impressão ou de leitura, mesmo os sistemas mais simples, caseiros, indicam o mau funcionamento”, compara Alavarse. “Por analogia, as gráficas possuem sinalização semelhante, possibilitando ver o equívoco já na hora da impressão.” A gráfica teria percebido as falhas? Se sim, por que deixou passar? Avisou o Inep? Se sim, deixou registro? Quais providências foram tomadas? “Se ‘a máquina engasgou’, como diz o presidente do Inep, é preciso parar o processo”, completa Alavarse.
O tamanho do problema O Inep fala em menos de 6 mil provas (0,15% do total) com problemas. Mas o e-mail criado para receber pedidos de reavaliação recebeu, segundo dados da própria autarquia, 172 mil mensagens. “É uma diferença muito grande de números. E isso num intervalo exíguo, de 6a até 10h da manhã de 2a, o que pode ter excluído quem tem acesso precário à internet”, afirma Melo. Se o órgão reconheceu a necessidade de rever as notas de todos os 3,9 milhões de exames, por que, então, criou o e-mail? Como tratou as reclamações e que tipo de resposta forneceu?
O trabalho da força-tarefa Que tipo de varredura foi efetivamente feita no fim de semana? E quem participou da força-tarefa que, segundo o Inep, trabalhou 24 horas por dia e envolveu 300 pessoas, equivalente a dois terços dos servidores da autarquia? A participação de profissionais do consórcio aplicador e da gráfica pode ser questionada, uma vez que cabe ao Inep a função de fiscalizar a atuação das contratadas.
Falta transparência
Procurada pela reportagem, a gráfica Valid, responsável pela impressão do exame, disse que não vai se manifestar. A Fundação Cesgranrio, líder do consórcio aplicador Cesgranrio-FGV, pediu que as dúvidas fossem remetidas ao Inep. A autarquia, por sua vez, indicou um e-mail para as questões da reportagem, que não foram respondidas até a publicação do texto.
Fonte: Uol
Créditos: Uol