Foi a vontade de ajudar o próximo que tirou Amanda Rocha, 24, do caminho da engenharia, seguido pela família toda, e a colocou na rota da saúde. Apesar de ter feito vestibulares como treineira na área de exatas, quando era “para valer” escolheu – e foi aprovada – em odontologia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). E logo no começo descobriu que não precisava esperar pela formatura para levar atendimento a quem não poderia chegar até o consultório.
Por colegas, ela conheceu o Barco Sorriso, projeto voluntário que leva atendimentos odontológicos gratuitos e educação em saúde a comunidades isoladas no litoral do Paraná. Atualmente, 17 comunidades são assistidas pelo projeto, somando cerca de mil atendimentos e 45 voluntários a cada ação. Cada uma das ações custa cerca de R$ 15 mil e os participantes não têm qualquer lucro com elas.
Apaixonada pelo projeto, Amanda começou a participar das ações aos 19 anos de idade e não parou mais, fazendo de tudo um pouco. No começo, auxiliava os profissionais que já eram formados. “Quando me formei, me tornei dentista do Barco Sorriso”, conta, orgulhosa. Ao longo do tempo, se envolveu com a coordenação do projeto e hoje é responsável pelos prontuários dos pacientes, fazendo levantamentos e estudos sobre o impacto das ações nas comunidades assistidas.
Isso tudo em paralelo ao seu trabalho na Secretaria Municipal de Saúde de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, a outros projetos de voluntariado e à recém-concluída especialização em saúde coletiva e saúde da família. Tamanha dedicação e o envolvimento com a gestão chamou a atenção dos seus chefes, que a convidaram a ocupar o cargo de coordenadora de Saúde Bucal do município.
“A justificativa deles foi de que não queriam uma pessoa que tivesse experiência, mas sim alguém que quisesse fazer a diferença”, diz a dentista. “Como eu participei desde a quinta ação do Barco Sorriso e agora a gente já está na 21ª, eu tinha um conhecimento muito grande de como eram as ações, de como buscar patrocínios e incentivos, de como fazer o projeto acontecer.”
Reforço curricular
A história da jovem não é exceção à regra. O voluntariado pode ser um bom aliado na hora de construir uma carreira profissional para qualquer um. “O trabalho voluntário é sempre bem-vindo no currículo, tanto para quem tem experiência profissional e está trabalhando, quanto para quem não tem tanta experiência”, afirma a gerente de recrutamento da consultoria Robert Half, Maria Eduarda Silveira.
Isso porque, segundo a recrutadora, a dedicação a uma causa demonstra resiliência e influencia o fator comportamental nos processos seletivos. “Conseguir trazer questões que você ajudou, causas que apoiou e o que você aprendeu com isso também conta muito nas entrevistas.
Claro que não consegue suprir todos os aspectos técnicos, mas a gente olha para isso com bons olhos”, garante.
Mesmo quem não faz trabalhos voluntários na mesma área de atuação profissional – um advogado que ajuda a construir casas populares, por exemplo – pode incrementar a carreira com outras habilidades, diferentes das puramente técnicas, conhecidas como soft skills.
“O trabalho voluntário é um meio de adquirir uma experiência que você talvez não tivesse de outra maneira. Você aprende a gerir pessoas, lidar com diversidade e a criar relações interpessoais. E habilidades socioemocionais são muito procuradas pelas empresas”, diz o fundador da plataforma Atados, Daniel Assunção. A Atados reúne projetos e ONGs em um só lugar e conecta pessoas que querem fazer trabalhos voluntários a ações que estejam acontecendo.
Na posição de coordenadora, Amanda pôde colocar em prática justamente as habilidades que ganhou com a experiência no Barco Sorriso, destacando a promoção da saúde bucal entre as atividades realizadas pela secretaria de saúde. “A visão do município, como um todo, era muito mais individualista, pensando no consultório”, conta ela, que levou o atendimento para dentro das escolas e outro projetos realizado pela prefeitura.
“As pessoas diziam que não tinha como fazer atendimento sem ser na cadeira do dentista, mas no Barco é exatamente isso que a gente faz”, ressalta a dentista, que já participou de ações em comunidades que não tinham nem mesmo energia elétrica.
Novas habilidades
Dedicando-se há dois anos aos trabalho voluntário no Instituto Ronald McDonald, Betina Esteves, 20, deu adeus à timidez e ficou mais responsável com ajuda do voluntariado. “Como eu faço o tour com as pessoas que vão visitar a Casa Ronald, exercito muito a comunicação, o que acabou com o pouco de timidez que eu tinha para falar em público. Também ajudou bastante na pontualidade, porque os nossos plantões têm horários específicos. E no plantão sempre tem que estar unido, se dividindo para cada um fazer uma tarefa e um ajudando o outro”, conta.
O instituto dá suporte e hospedagem a crianças que têm câncer infantojuvenil e suas famílias, treina profissionais da saúde e investe em infraestrutura de saúde para promoção da cura do câncer.
A gerente geral da instituição, Helen Pedroso, acredita, ainda, que a motivação de ajudar o próximo gera empatia e traz novas perspectivas. “Independentemente da idade, senso de responsabilidade social, desenvolvimento de habilidades empáticas e compreensão das necessidades dos outros com certeza são valorizados pelo mercado”, explica. “[O voluntariado] é um processo de ganha-ganha, contribuindo tanto para mudanças sociais para quem recebe quanto para o desenvolvimento de habilidades profissionais e pessoais de quem pratica.”
Estudante de biomedicina, Betina buscou o instituto porque sempre se deu bem com os pequenos e se identificou com a causa. Além das soft skills, ela também passou a olhar para a própria vida com outros olhos. “No lado pessoal, eu aprendi que, quando a gente entra [na Casa], parece que a gente não tem problema. Porque [os atendidos] passam por uma quantidade enorme de problemas sérios e não parece que passam por tudo isso, todo mundo é feliz”, relata.
Amanda, que conta ter ficado mais observadora e aprendido a escutar mais, acha que, além da satisfação em ajudar os outros, o voluntariado pode até mesmo ser um caminho para encontrar uma profissão. “Antes da faculdade, às vezes você fica meio perdido sobre o que fazer da vida. Mas, se envolvendo em algum projeto, você acaba descobrindo o que gosta e quer fazer.”
No Brasil, há 7,2 milhões de voluntários, de acordo com dados referentes a 2018 do suplemento Outras Formas de Trabalho, da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Fonte: BOL
Créditos: Polêmica Paraíba