Há uma densa névoa se dissipando à minha frente. Faz frio. Longe, ouço o galo cantar. As vacas estão por perto, seus chocalhos acordam a manhã. Me acordaram também. O cheiro do mato encharcado pelas gotas da garoa de todo dia, são o prenúncio de que mais um dia começa.
Já ouço o choro das crianças da rua. O barulhinho dos talheres se enfrentando na cozinha.
Já tem cuscuz no fogo e eu tenho fome. Mamífero, desejo o leite da vaca, assim como o vampiro deseja sangue.
Pego minha caneca de alumínio, coloco açúcar em abundância (sim, eu sei, faz mal, mas é bom) e lentamente, quase que em câmera lenta, me dirijo ao curral que fica a uns 300 metros da minha casa. Uma casa simples, de telha aparente, piso de cerâmica, 3 quartos, paredes brancas, provavelmente chamuscadas de cal. O quintal não muito grande abrigava dois pés de sapoti, um pé de oiti, uma mangueira, uma goiabeira, um pé de mamão e um de abacate. Tinha uma imprescindível cisterna, que recolhia a água da chuva. Era na rua Solon de Lucena, aqui em Campina Grande.
Ainda havia pombos que eu criava, um peru, (acho que era para o Natal), galinhas, uns patos e dois cágados. Por lá já havia passado também um belíssimo pavão.
Criança, eu pensava estar num zoológico, coisa que só fui conhecer muitos anos depois. Por um curto período também criei um urubu. O pobre coitado, num voo rasante, chocou-se com o fio e teve sua negra asa quebrada. Mas pior foi o seu trágico destino: morreu afogado num esgoto que ficava na parte posterior do quintal. Pelo menos é disso que me lembro. Eu tinha apenas 8 anos. Mais tarde surgiu uma nova versão sobre a morte da ave carniceira: alguém, incomodado com aquela presença soturna, quebrou o pescoço do bicho e querendo encobrir o horrendo crime, jogou o pobre animal no esgoto. No outro dia a machete do Diário da Borborema dizia: “Urubu com a asa quebrada, cai em esgoto e se afoga.”
Passaram-se os anos ( muitos anos) e até hoje não se tem certeza da verdade por trás da morte do meu urubu. Se cogitou abrir um inquérito junto ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, mas logo se viu que o suposto crime estava prescrito.