O Polêmica Paraíba recentemente apresentou a coluna intitulada TERRO(TU)RISMO: João Pessoa é a bola da vez! (Vamos tirar a máscara desta vergonha que é o turismo implantado na Paraíba), escrita pelo advogado Marcos Pires no ano de 2004.
Pires fazia um panorama da João Pessoa da época, comparando a situação do turismo da nossa Capital a Recife e Natal, cidades mais desenvolvidas que João Pessoa naquele momento.
Passados 20 anos daquele texto, o Polêmica Paraíba convidou Marcos Pires para fazer um retrospecto da Capital dos dias atuais, envolta em um boom de turistas e investimentos, nunca antes vista em nossa cidade.
Divididos em três textos, sendo o primeiro a coluna original e dois artigos inéditos, Pires traz o sentimento e a visão de alguém que conhece João Pessoa como poucos.
TERRO(TU)RISMO: João Pessoa é a bola da vez! (Vamos tirar a máscara desta vergonha que é o turismo implantado na Paraíba) – Por Marcos Pires
Já começou. Eu bem que avisei, preveni, reclamei, mas não adiantou nada. Começou e começou com força, exatamente pelo flanco mais frágil dos nossos interesses.
Semana passada estava em um restaurante com mais duas pessoas. Pedimos o jantar ao garçom bem antes dos ocupantes das mesas ao nosso redor fazerem seus pedidos.
Pois todas as mesas foram atendidas antes de nós. Naturalmente reclamei. O garçom foi de uma sinceridade a toda prova:
-Tenha paciência, porque eles são turistas.
Muito bem. Ta legal. Ficamos combinados assim; toda vez que houver turista em algum restaurante, em algum bar, ele tem preferência. E se eles forem muitos, somente depois de todos eles é que nós, os nativos, seremos atendidos.
Em que tipo de índios estão nos transformando? Chegou o homem branco e devemos dar a eles a vez, abrir mão dos mais simples princípios e direitos? E nossas mulheres, qual será a hora de também facilitarmos o acesso para os turistas? Ou será que nem isso nos será avisado?
Lembro da historia do sujeito que viu levarem seus vizinhos porque eram judeus, e ele nada fez porque não era judeu. Na segunda noite levaram os vizinhos católicos, e ele nada fez porque não era católico. Na terceira noite levaram os vizinhos protestantes, e mais uma vez ele nem se importou porque não era protestante. Na quarta noite, quando vieram levá-lo, não havia mais ninguém para reagir.
Vamos tirar a mascara dessa vergonha que é o turismo “implantado” no nordeste do Brasil. Vão ao Ceará, ver em Fortaleza as meninas de treze, quatorze anos oferecendo seus corpos aos gringos nas mais concorridas praias. Dêem uma chegadinha em Natal, vejam como as mesmas chorosas namoradas que despedem-se dos seus gringos que embarcam de volta à Europa em vôos charters diários, já voltam do aeroporto para a cidade com os novos namorados, recém desembarcados daquele mesmo avião que retorna com o amor de ontem.
Recife é mais próxima. Comparem os índices de violência de hoje, pós turismo, com os de antigamente, pré gringos.
E nós, que não somos donos de hotéis nem de bares ou restaurantes, temos que engolir essa empulhação de que turismo vai “melhorar” a cidade? Melhorar para quem, cara pálida? Essa babaquice de gerar emprego e renda melhor produziria em mineração de nossas turmalinas azuis (história sempre envolta em sete capas), por exemplo.
Eu por mim vou começar o movimento terroturista. Vai ser assim: toda vez que um turista me perguntar onde é tal lugar, a depender do meu humor eu direi que não sei ou indico o lado oposto. Por exemplo, se eu estiver em Tambaú e me perguntarem onde é Camboinha, mando pegar descendo pela PB 008(aquela toda esburacada, que é para arrombar logo o automóvel desses fariseus) e irem até Pitimbú, para verem aquele monte de urubus voando à beira mar e catando carniça nos esgotos que correm a céu aberto na praia.
Sempre que estiver fora de João Pessoa e alguém me perguntar como é a cidade, vou dizer que é péssima, que o povo é antipático, que tudo é caríssimo, que não existe infra estrutura e que bom mesmo, afinal de contas, é Maceió.
Xô patuleia!
Aqui não. E tem mais, toda vez que me tratarem como cidadão de segunda classe em um bar ou restaurante, dando vez aos turistas, vou apresentar queixa na Delegacia por discriminação. Quer dizer que somente porque eu não tenho olhos azuis nem pele branca sou servido depois?
E esse negócio de aumentar os preços? O coco verde estava a cinqüenta centavos. Vamos ver a quanto vai nesse verão.
Quero João Pessoa limpa e bonita. Se sem os turistas já estamos no limite da capacidade de agüentar as praias imundas nas manhãs seguintes aos feriados, imagine só como isso vai ficar quando esses carniceiros chegarem aqui.
É isso aí, quem não gostar que se mude e vá vender seu corpo ou sua consciência em outra cidade, porque aqui eu vou resistir até o fim.
Se precisavam de um doido para começar o fuzuê, cheguei!
Meu amigo querido Gutemberg
Há mais de vinte anos escrevi uma coluna sobre o que o futuro nos reservava se chegassem aqui os turistas que à época invadiram Recife e Natal. Publicada originalmente no Correio da Paraíba em 2004 e republicada agora no seu excelente Blog, as repercussões foram enormes. De um lado muita gente me procurando para dar os parabéns pela “premonição” e de outra banda muitos empresários sentando a pua.
Antes de mais nada me permita remeter a seguir um outro escrito meu intitulado “Nós somos bacanas”, onde sintetizo mais do que meu amor por João Pessoa; confesso minha mais profunda admiração pelos seus habitantes, porque em educação e civilidade estamos anos luz à frente de quase todo o resto do Brasil. Isso para demonstrar que em nenhum momento pretendo trair a minha amada capital, menos ainda quando se trata do seu progresso econômico.
Porém a ganância de uns poucos que querem enriquecer da noite para o dia está não somente maltratando a capital das acácias, mas chegando ao extremo de inviabilizar num futuro bem próximo os seus próprios negócios.
Aos fatos!
Documentadamente temos ofertas de um prato de peixe por até 750 reais, um coco verde custando 10 reais (no meu escrito original custava 50 centavos) e guarda sol sendo alugado por até 100 reais. Nem vou me referir ao preço do metro quadrado das construções e flats onde caberiam no máximo 3 pessoas sendo ocupados por até 8 turistas.
João Pessoas tornou-se a “bola da vez” exatamente porque Natal e Recife estavam estourando de visitantes que encantaram-se com os preços baixos daqui, a tranquilidade das nossas praias e a relativa paz no trânsito. Isso porque praias bonitas e bons equipamentos turísticos como restaurantes e bares todo o Nordeste tem.
O que me move agora é lançar novamente o olhar principalmente para Natal e verificar que aquela bela capital ficou muito tempo com enorme estoque de imóveis desocupados com a debandada dos turistas (que graças a Deus estão voltando), o que provocou uma queda bem acentuada nos preços.
Creio que uma análise mais profunda caberia aos doutores do turismo, mas não posso deixar de sugerir que os habitantes de João Pessoa que não são donos de empreendimentos turísticos (a grande maioria) e que não lucram absolutamente nada com os turistas, pudessem continuar a viver suas vidas com preços adequados e em paz.
O que os donos do poder e da grana precisam entender é que se a situação evoluir em preços e excessos nas praias e trânsito, correm o sério risco de ver os turistas irem procurar a próxima “bola da vez”, e isso não será bom para ninguém.
Nós Somos Bacanas
Temos que nos orgulhar; somos um dos povos mais educados do Brasil. Se alguém coloca um pé na faixa de pedestres imediatamente freamos nossos veículos e deixamos o cidadão que caminha exercer sua prioridade. Quando pedem uma informação somos solícitos e prestativos. Se o caso for um determinado endereço e estivermos num grupo, cada qual que queira ensinar como chegar ao destino da maneira mais fácil possível. Já presenciei Nerivan pedir que o seguissem porque ele iria passar pelo endereço procurado. Agora vá tentar atravessar uma avenida ou pedir uma informação nas grandes capitais para ver a miséria.
Temos que nos orgulhar de sermos um povo limpo. É muito comum assistir aos donos de cães recolhendo os cocôs de seus cachorrinhos nas calçadas e praças, depositando depois nos locais adequados. Saem de casa já com seus saquinhos plásticos para essa finalidade, mas quando esquecem outros emprestam. Também é raro ver alguém lanchando em automóveis ou em público e após terminar o lanche jogar embalagens e latas no meio
da rua.Os que fazem isso não são daqui ou não moraram tempo suficiente entre nós para aprenderem regras básicas de educação.
Temos de nos orgulhar da nossa solidariedade. Esta pandemia mostrou como ajudamos os mais carentes doando comida, como fomos complacentes com as secretárias domésticas, como dividimos com amigos as máscaras cirúrgicas e o álcool em gel quando eles estavam escassos no mercado.
Fazemos tudo isso porque somos bacanas. Somos assim sem necessidade de intervenção dos políticos, que às vezes enxergam nos serviços que devem nos prestar uma forma de levar “algum”. Mas há momentos em que povo e poder andam juntos. E ai tudo flui maravilhosamente.
Um exemplo muito simples do que digo é a proibição do trafego de automóveis à beira mar entre as 5 e 8 da manhã para atividades físicas. Foi o povo que impôs e o governo teve que engolir. Ver a SEMOB assumindo essa luta é gratificante, principalmente porque mesmo mudando o prefeito, aqueles cuidados que se iniciaram com Batinga e depois seguiram com Adalberto e Wallace estão continuando na nova administração.
Somos um povo sábio e educado. Portanto, senhores políticos, ouçam sempre o povo e errarão menos.
Fonte: Marcos Pires
Créditos: Polêmica Paraíba