A trajetória histórica de um município pode ser contada de algumas formas. Livros, jornais, fotografias, documentos e museus são alguns recursos para conhecer a história de um local. E em Campina Grande, no Agreste da Paraíba, tem uma maneira a mais : uma caminhada pelas praças públicas do centro da cidade ajuda a contar um pouco da história da cidade, que comemora 157 anos de emancipação política nesta segunda-feira (11).
As praças públicas são pontos de encontro das pessoas que as frequentam, além de serem locais para lazer, eventos culturais e esporte. Seguindo a urbanização tradicional do Brasil, as cidades foram se expandindo no sentido centro-bairro, e as praças mais antigas dos municípios ficam localizadas no centro das cidades. Atualmente, Campina Grande conta com 66 praças, sendo distribuídas entre os 49 bairros da Rainha da Borborema sob responsabilidade da prefeitura.
O g1 visitou quatro praças de Campina Grande, que foram construídas em momentos chaves da história do município. Cada uma representa um momento marcante para a construção identitária da cidade.
“As praças para a cidade são um ser vivo, que vão mudando, vão se adaptando”, disse Thomas Bruno Oliveira, historiador e jornalista.
Praças
Coronel Antônio Pessoa
Localizada entre as praças principais da cidade e o Açude Velho, a praça Antônio Pessoa está rodeada por estabelecimentos comerciais e uma faculdade particular. Foi construída em 1937, na administração do prefeito Vergniaud Wanderley. Ela já foi denominada, também, de praça do Cata-Vento, pois na década de 20, na gestão do prefeito Lafayete Cavalcanti, foi instalado um cata-vento na parte mais alta dessa praça para puxar água de um poço nas proximidades.
“A praça fazia referência ao ex-governador Antônio Pessoa, mas recebeu a estátua de João Pessoa, que se encontrava na antiga Praça do Algodão, sendo renomeada para Praça João Pessoa após sua morte. Nunca existiu um motivo plausível para essa transferência”, explicou o historiador Erik Britto, diretor de história da Secretaria de Planejamento de Campina Grande.
Praça da Bandeira
Principal ponto central da cidade, a Praça da Bandeira é conhecida como o coração de Campina Grande. Mas nem sempre foi denominada assim. Onde hoje se localiza a Praça da Bandeira, se localizava o Largo da Igreja do Rosário, construída em 1831, além de outras construções.
O centro de Campina Grande sofreu um processo de urbanização radical na década de 30 e 40, e a Igreja do Rosário foi demolida para dar lugar ao prolongamento da Avenida Floriano Peixoto, dando espaço para a Praça Índios Cariris e a Praça José Américo, que tempos depois se aglutinaram e transformaram-se na localidade atual da Praça da Bandeira.
“Nos fundos do antigo prédio dos Correios havia uma praça chamada Índios Cariris, que depois veio a ser Praça da Bandeira, a partir dos anos 30, com a demolição do antigo prédio dos Correios, que era justamente no meio da praça. A praça da Bandeira também já foi chamada de Argemiro de Figueiredo [político paraibano e governador do Estado no período de construção da praça], e lá, também, está a estátua de Juscelino Kubitschek, que são homenagens voltadas à questão da água em Campina Grande”, destacou o historiador Thomas Bruno Oliveira.
Assim que recebeu a nomenclatura de Praça da Bandeira, o local passou por reformas ainda na década de 1940, outra vez em 1950, e mais uma em 1985. De acordo com Erik Bruno, essa reforma de 1985 trouxe a maior desconfiguração do local se comparado ao projeto inicial da inauguração da praça.
“Sua grande descaracterização fora no governo de Ronaldo Cunha Lima, em 1985, com substituição completa do piso, retirada da ‘Samaritana’, extinção do lago, instalação de pombais e a retirada dos postes”, disse Erik. A Praça da Bandeira, recentemente, teve mais uma revitalização, no ano de 2016.
Ao longo desse tempo, a praça foi se transformando num símbolo identitário da cidade, que conta com pessoas que tiveram a vida marcada justamente por frequentar o local com regularidade, como é o caso de José Paulo, 80 anos. Nascido em Itabaiana, morador de João Pessoa, mas sempre visita Campina Grande – inclusive já foi morador da cidade – e costuma frequentar a Praça da Bandeira quando está na Rainha da Borborema.
“Gosto do ambiente, já morei aqui na Conceição [bairro], já fiz negócio na feira [central], conheço isso aqui muito bem. O ambiente da praça melhorou muito [com o passar do tempo]. Essa praça aqui era uma bagunça, só tinha pombo atrapalhando a gente”, disse seu José Paulo.
Clementino Procópio
Quase espelhada à Praça da Bandeira, está a Clementino Procópio. Ela foi inaugurada em fevereiro de 1936, e tem alusão a Clementino Gomes Procópio, baluarte da educação de Campina Grande no início do século XX. A praça tinha, em sua arquitetura original, o estilo art-decor, presente em diversas construções da época, como uma forma de arquitetura padrão que fazia parte do processo de urbanização do centro da cidade.
“Em 1934, houve a demolição da usina Força e Luz e ela foi transferida para o Açude Velho. Essa alteração faz com que seja criada a praça Clementino Procópio, em 1936. Nesse ano, temos ali a presença do Capitólio, a Igreja do Rosário [próximo a sua demolição, que ocorreu em 1940], no momento da construção da praça. A praça foi construída com alguns coretos e bem arrumadinha, e só com a construção da avenida Floriano Peixoto que a praça vai ser constituída Clementino Procópio”, explicou Thomas.
A praça perdeu o estilo original após sucessivas reformas. Em uma dessas reformas, Ronaldo Andrade, de 62 anos, teve seu sebo de livros alocado para a praça. Para ele, o local já foi belo e agradável.
“No governo de Ronaldo Cunha Lima, foi feita uma restauração dessa praça. Foi quando criou essa parte desses boxes, e criou uma parte lá embaixo das placas, criou o coreto, fez algumas alterações nesta praça no ano de 1983/1984. Quando se concluiu essa reforma, a praça ficou muito visitada, porque tinha umas frases de Augusto dos Anjos, em lápides, que foram muito bem colocadas, e continha um poema chamado ‘A árvore da Serra’”, comentou Ronaldo.
O proprietário do sebo de livros presente no local relata que a praça Clementino Procópio era bem visitada, mas que com o passar do tempo acabou sendo esquecida, sem reformas ou políticas públicas que dessem uma modernização que seria necessária para acompanhar o crescimento da cidade.
“A praça passou a ser muito visitada, até porque contava com a ajuda do funcionamento do Cinema Capitólio, que até então não era cinema pornô ainda, era um cinema tradicional, tinha uma grande banca de revista que funcionava a todo vapor, tinha a feirinha de gibi, as lanchonetes [que ficam abaixo do sebo] eram extremamente concorridas. Mas aí o tempo foi passando e os governos foram se sucedendo e essa praça foi ficando esquecida pelas forças de segurança, ficou esquecida pelo poder público municipal, e hoje essa praça é uma feira de troca, que funciona de forma totalmente desorganizada”, comentou Ronaldo rememorando o ambiente social da praça na década de 80 e criticando a atual situação do espaço.
Calçadão da Cardoso Vieira
Outro ponto que carrega a história de Campina Grande é o Calçadão da Rua Cardoso Vieira, também no centro da cidade. Nesse local, as pessoas se reúnem para colocar os ‘assuntos da cidade em dia’, prática mais comum entre os idosos que carregam consigo a tradição de frequentar o calçadão.
“O prefeito Evaldo Cruz foi para um evento em Curitiba, entre os anos de 1973 e 1974, um encontro de prefeitos, e nisso, ele visita o Boca Maldita, um grande calçadão da cidade paranaense, e traz a ideia arquitetônica do espaço para Campina Grande. E quando chegou na cidade, reuniu esforços para fazer esse calçadão, esse espaço de sociabilidade. O local escolhido não poderia deixar de ser aquele trecho da Rua Cardoso Vieira, entre a Rua Marquês do Herval e a Rua Venâncio Neiva, pois havia ali a Rádio Borborema e a Sorveteria Flórida, com isso, eram dois lugares em que certamente o fechamento da rua seria algo necessário”, comenta o professor Thomas sobre o surgimento do calçadão.
“O calçadão reunia multidões”, destaca Thomas.
O local que compreendia ao calçadão, em outras épocas, era bem mais amplo. Abrangia, além do trecho atual, às ruas Marquês do Herval, Sete de Setembro, Venâncio Neiva e Maciel Pinheiro.
“O prefeito Enivaldo Ribeiro, já a partir de 1977, resolveu fechar a Rua Venâncio Neiva, a Rua Maciel Pinheiro, todo aquele entorno, justamente para ampliar o calçadão, e tornar todo aquele lugar um espaço de pedestres. Mas no começo dos anos 80, se tem reclamações nos jornais da cidade, nas rádios, de que tudo quanto é tipo de coisa estava sendo vendido nesses calçadões, desde frutas e verduras a animais vivos”, pontuou Thomas.
Algumas administrações buscaram revitalizar o local algumas vezes, para trazer conforto e se adequar a urbanização da cidade, e na gestão de Félix Araújo, o calçadão se restringiu apenas ao trecho que se encontra atualmente, na Rua Cardoso Vieira.
“Alguns comentários de pessoas da época diziam que o calçadão havia virado uma verdadeira pocilga de animais. Com esse problema, que foi se agigantando, ele foi reduzido ao seu tamanho original. Quando se reduziu o calçadão, foi em nome da mobilidade, do trânsito, mas, na verdade, foi para extinguir os camelôs, e algumas coisas que se tornaram problema para os administradores da cidade”, descreveu o historiador Thomas Oliveira.
Francisco Chagas Barbosa, 86 anos, ainda mantém a tradição de frequentar o local quase todos os dias para conversar sobre os assuntos efervescentes da cidade, como política, esporte e religião. Com a máscara alusiva ao Treze Futebol Clube no rosto, se protegendo contra a disseminação do coronavírus, Francisco relatou sobre os bons tempos no calçadão.
“Quase todos os dias costumo vir aqui pro calçadão. Cheguei em Campina Grande em 1969, e nesse calçadão tinha umas casas antigas, era movimentado… Aqui já foi bom. Tinha um pessoal de qualidade, os assuntos só eram futebol e política e era o que movimentava o calçadão. Era cheio de gente aqui”, comentou.
Fonte: G1PB
Créditos: Polêmica Paraíba