O cenário é o quintal de casa. A ferramenta é um smartphone. O objetivo é viver em um mundo que se reinventa a cada nova possibilidade. Estes são os recursos que o paraibano Gabriel Batista, de 17 anos, usa para embarcar no universo da sétima arte, com a produção de curtas-metragens.
O adolescente, que é autista, roteiriza, atua e edita os filmes que remetem ao cinema antigo e oferecem uma viagem lúdica de alguns minutos ao passado imaginado por ele.
Tímido, Gabriel pede até licença para falar de si mesmo e do que sente em relação à própria obra.
“Viajo em algo encantado, misterioso e gozado. Pra ser mais simples, desculpe a expressão, me sinto parindo algo e alguma coisa maravilhosa. Me sinto brincando. Pra mim é uma brincadeira”, contou o garoto.
Os vídeos são fruto da imaginação de Gabriel e ganham forma com objetos que moram na simplicidade de uma casa localizada na periferia de Campina Grande, cidade do Agreste da Paraíba. As influências dele, no entanto, são sofisticadas.
“Minha inspiração vem de contos que leio e também das músicas que escuto, principalmente das músicas. E também de atores como Charlie Chaplin e Dercy Gonçalves. Ao meu ver, o pai e a mãe da comédia”, explicou.
O celular onde cada cena é registrada foi doado por um amigo da professora de Gabriel, Joseane de Almeida Silva, de 34 anos, que incentiva e divulga as produções feitas por ele.
O talento artístico do garoto foi descoberto na Escola Municipal Frei Dagoberto Stücker. O jovem também é acompanhado por uma professora especializada em ensino especial, conforme determinam as diretrizes de educação do país.
Joseane, além de professora, também é atriz. Nos primeiros contatos, ela percebeu que o aluno, assim como ela, tinha afinidade com a arte.
De cara, a habilidade com desenhos encantou a educadora, que não parou de ser surpreendida.
“Encontramos o perfil dele no Instagram. Eu fiquei maravilhada, impressionada. Fiquei encantada de ver o talento das produções dele”, contou.
Nas atividades escolares, o adolescente não apresenta dificuldades. Pelo contrário, é dono de um raciocínio afiado e ligeiro. Embora domine a língua portuguesa, Gabriel costuma usar nos vídeos que produz, regras que antecedem o novo acordo ortográfico ou mesmo que existem apenas na imaginação dele, como um dialeto original.
O muito que surge do pouco
Gabriel produzia todo o conteúdo audiovisual em um celular precário, já antigo, que não tinha muita qualidade de imagem e som.
A senha do sinal wi-fi de internet era cedida por uma vizinha vez ou outra. Agora, o mesmo amigo da professora recarrega mensalmente o celular do garoto com um pacote de dados.
Para conseguir estabilidade nas imagens, usava um tripé feito por ele com um pedaço de madeira e pregos.
Os figurinos são montados com as roupas da mãe e da irmã caçula. Assim como as maquiagens, que de tão elaboradas, nem levantam a suspeita de que são improvisadas.
O amigo da professora de Gabriel também colaborou com a troca da fiação elétrica da casa dele, que estava desgastada e oferecia risco de acidentes para a família dele.
Em sala de aula, Joseane incentiva as produções do aluno e aposta na arte como uma estratégia campeã para a garantia do ensino-aprendizagem para a turma inteira.
“Eu acho muito importante incentivar os alunos nos talentos particulares de cada um. É uma das maneiras de valorizá-los enquanto seres capazes e despertar esses talentos que todos nós temos, mas que muitas vezes, não afloram na sala de aula”, destacou.
De acordo com a neuropsicóloga Raissa Gomes Nóbrega, a arte pode se tornar uma aliada para crianças e adolescentes com autismo.
“Nesse aspecto, [a arte] pode ajudar no desenvolvimento das crianças com autismo, ampliando a sua capacidade de abstração, imaginação, criatividade, sensibilidade, além de desenvolver as habilidades motoras e sensoriais”, explicou Raissa.
E foi junto ao incentivo da professora, que o talento de Gabriel foi reconhecido em algumas premiações.
No ano passado, a Secretaria Municipal de Educação elaborou o projeto “Patrimônio Histórico e Cultural de Campina Grande”. O tema do concurso foi trabalhado em sala de aula. Foi quando Gabriel produziu o curta ‘Campina Dourada’.
O vídeo ficou com o troféu de primeiro colocado, cujo prêmio foi um notebook. O equipamento está na escola, à disposição exclusiva para as produções de Gabriel.
Outra iniciativa lembrada pela professora é do edital da Lei Aldir Blanc, destinada ao apoio aos artistas na pandemia. Joseane se inscreveu como representante de Gabriel, que competiu com o curta Campina Dourada.
O prêmio foi depositado na conta dela, mas repassado para o uso de Gabriel e da família dele.
Atualmente, a rede municipal de ensino de Campina Grande tem 1.827 estudantes matriculados no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Eles têm as necessidades educacionais atendidas por professoras especialistas no ensino especial, que é um direito garantido por lei.
Ainda em Campina Grande, a garantia deste direito está prevista na Resolução Nº 02/2019, do Conselho Municipal de Educação (CME), publicada no Semanário Oficial Nº 2.620, em abril de 2019.
Segundo Raissa, dessa forma, a escola ocupa um papel importante no aprendizado, através de uma educação inclusiva de qualidade.
“As atividades artísticas não são apenas importantes para a inclusão das crianças e jovens com autismo, mas também para os adolescentes neurotípicos, pois possuem um papel importante na expressão das emoções, no desenvolvimento da criatividade, na construção de uma boa autoestima, nas sensação de pertencimento de grupo e também no aprimoramento das habilidades sociais”, justificou a psicóloga.
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Fonte: G1 PB
Créditos: G1 PB