153 famílias carentes

Cozinha solidária ajuda pessoas vulneráveis em Campina Grande: 'Quando a gente não tem, a gente não come'

Espaço não recebe verba pública, mas com ajuda de sindicatos consegue doar alimentos para 153 famílias do bairro Jeremias, em Campina Grande

Um grupo de pessoas se juntou e formou uma cozinha solidária, no bairro do Jeremias, em Campina Grande, com o objetivo de distribuir alimentos para o público que vive em situação de vulnerabilidade social na região. O projeto teve início no dia 19 de abril deste ano e, atualmente, atende mais de 800 pessoas diariamente, um total de 153 famílias cadastradas.

A cozinha foi instalada em um espaço da prefeitura municipal que estava fechado há oito anos, onde antes já funcionava uma cozinha comunitária. A maior parte dos alimentos que são distribuídos para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, na cozinha solidária, vem de movimentos sociais, como por exemplo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que já fez a doação de 170 toneladas de alimentos.

Por mais que a ação aconteça em um espaço da prefeitura, a cozinha solidária não recebe verbas municipais, como explica Iara Rodrigues da Silva, 32 anos, líder comunitária do bairro do Jeremias e líder das voluntárias que fazem parte da cozinha:

“A gente já procurou ajuda [da prefeitura], mas não tivemos resposta, infelizmente. A gente foi até o gabinete do prefeito, eles nos pediram um ofício, mandamos ofício mas não fomos chamados. A gente passou quase três horas na frente da prefeitura, mas não fomos atendidos”, disse Iara.

Segundo Iara, a maior parte dos alimentos doados para a iniciativa vem de movimentos sociais. Iara explicou que a cozinha se chama “solidária” e não “comunitária” justamente porque não recebe verba municipal.

Noaldo de Andrade, atual coordenador do centro de formação do MST e responsável pela logística da cozinha solidária do Jeremias, contou que a cozinha surgiu da necessidade de alimentar as pessoas que estão com fome e que os movimentos sociais perceberam o quanto a desigualdade social aumentou em tempos de pandemia no bairro.

A cozinha, atualmente, conta com ajuda de uma equipe multidisciplinar, com a parceria de psicólogos, nutricionistas e professores, que ajudam no desenvolvimento pessoal dos voluntários até a qualidade da comida que está sendo produzida.
“Nós temos a responsabilidade de entregar um alimento de qualidade para as pessoas”, disse Noaldo.

Em um período tão atípico, quanto o da pandemia da Covid-19, os voluntários fazem tudo para manter os cuidados de biossegurança para que não haja risco de transmissão do vírus entre as pessoas que atuam na cozinha e as que estão indo em busca de comida.

O coordenador Noaldo explica que para as famílias serem atendidas existe um cadastro para controle da quantidade de alimentos que serão produzidos por dia, e que os voluntários da ação se responsabilizam por identificar se as pessoas que se cadastraram na cozinha solidária atendem os requisitos para o recebimento dos alimentos.

Esse controle é importante, também, para que não aconteça sobras de alimentos e para que sempre tenha espaço para outras famílias se cadastrarem.
Quem é ajudada, também, ajuda

Quem sente fome entende o quanto é importante ter uma ação para ajudar pessoas que não têm o que comer. Cinco das pessoas voluntárias decidiram ajudar na cozinha solidária após começar a receber refeições do projeto.
Não é sobre romantizar um cenário, mas é sobre perceber que muitas doações não são feitas porque a dor só é pequena quando o outro sente.

Em um cenário real, e não romantizado, duas dessas cinco voluntárias são Maria José dos Santos, de 39 anos, e Maria Isolda da Silva, de 43 anos. Elas recebem refeições da cozinha, mas ao perceberem que o projeto estava precisando de ajuda, decidiram fazer o que podiam. Por não terem condições de ajudar com dinheiro, entregaram a força de trabalho.

Com esperança e cheia de vontade, Maria José explica que entrou no projeto há três meses e ajuda cortando os alimentos, cozinhando e servindo as refeições à noite. Ela disse que ama ajudar o próximo, quando questionada sobre o motivo de querer ser voluntária.

Já Maria Isolda é mãe de três filhos, dois com síndrome de down. Ela confirmou que a entrada dela na cozinha foi com a intenção de ajudar as pessoas que mais precisam, por entender e ter passado por sofrimentos semelhantes. Ela ainda reafirma que se todas as pessoas ajudassem, a situação da cozinha solidária poderia ser melhor e ajudar mais famílias.

Quem tem fome não espera

Atualmente, a cozinha está funcionando três dias por semana (segundas, quartas e sextas), atendendo mais de 800 pessoas, um total de 153 famílias cadastradas. Antes, a entrega de refeições era feita de forma diária, mas por falta de alimentos para serem entregues todos os dias houve a redução no cronograma.
“Por causa de problemas financeiros, a gente teve que diminuir as entregas. O que é um fato triste. A gente sabe que quem tem fome não espera”, lamenta Iara.

Iara, também, explica que se a cozinha solidária recebesse mais doações e verbas seria possível aumentar a quantidade de refeições distribuídas no dia. Ou seja, o que hoje é a entrega de 400 ml de alimento em um concha na hora do jantar, poderia se multiplicar para outros vários ml de refeições ao longo de um dia.

Algumas pessoas que vão em busca do jantar pedem para as voluntárias colocarem mais um pouco de comida nas vasilhas, a fim de deixar alimento para o outro dia. São relatos de vias paralelas. Ao mesmo tempo que tem a felicidade por dar comida para alguém que tem fome, ao mesmo tempo vem a sensação de saber que no outro dia as mesmas pessoas não vão ter o que comer.
‘Quando não tem, a gente não come’

Maria de Fátima, 67 anos, é uma das beneficiárias da cozinha solidária. Ele contou que vai buscar todos os dias de tarde o jantar da sua família. Ela mora com dois filhos, um de 27 anos e outro 39, e um neto, de 17 anos. Ela fala que a refeição é para todos da família e que ainda ajuda a economizar no gás de cozinha.

“Eu pego a janta, e quando eu tenho um feijãozinho em casa, eu coloco no fogo [para complementar o que recebe], quando eu não tenho eu não boto. O que sobra, eu deixo para o outro dia pro meu neto almoçar antes do serviço”, informou com lamento.

Na casa de Maria de Fátima só uma pessoa trabalha, o filho de 27 anos, pois os outros que moram com ela não conseguem emprego. Então, a renda do filho que tem um “serviço”, trabalhando sem carteira assinada, é o que sustenta a casa.

“Meu neto de 17 anos, às vezes, consegue um serviço, mas com essa pandemia ficou mais difícil”, desabafa.
Já o filho de 39 tem deficiência intelectual e ganha auxílio no governo, mas que só dá para comprar os remédios dele.
“Uns [remédios] eu pego no posto, e quando tá faltando eu preciso comprar por fora, que eu não vou deixar meu filho sem remédio”, fala Maria de Fátima, com voz tímida.

A família de Maria de Fátima é só uma das 153 famílias que recebem uma refeição por dia na cozinha solidária. Mas ela, com um olhar seco de quem já sofreu muito, afirma friamente:
“Quando não tem as jantas daqui [da cozinha solidária], a gente se vira como pode. Quando a gente não tem como se virar, a gente não come”, finalizou.

Nós somos uma família

Com um caldeirão cheio de água quente e arroz, Dona Mariluce é responsável por mexer as comidas que vão ser servidas à noite, diferente das outras Marias, ela não é beneficiada com as refeições que são distribuídas pela cozinha solidária. — Foto: João Alfredo Motta/g1 Paraíba

Com um caldeirão cheio de água quente e arroz, Dona Mariluce é responsável por mexer as comidas que vão ser servidas à noite, diferente das outras Marias voluntárias, ela não é beneficiada com as refeições que são distribuídas pela cozinha solidária. Ela escolheu trabalhar por sentir necessidade de ajudar as pessoas do bairro do Jeremias.
“Eu faço com muito amor, eu gosto muito do que eu faço. Aqui nós somos uma família”, afirma mexendo um caldeirão.

A impressão não tem como ser outra, a não ser a familiaridade .Em um trabalho de formiga, cada um dos voluntários faz uma tarefa, que no final culmina em um exemplo de solidariedade.

Alguns sentados em uma mesa branca, cortando as verduras. Outros, descascando as macaxeiras e jogando conversa fora. Marias na cozinha mexendo a comida, e os seus filhos pequenos correndo no pátio da cozinha.
Enquanto isso, uma parte da população do Jeremias espera as segundas, terças e sextas-feiras para terem 400 ml de comida para matar a fome.

Desativação das cozinhas comunitárias

Em Campina Grande existem 14 cozinhas comunitárias, entre ativadas e desativadas. Sabendo disso, os voluntários da cozinha solidária do Jeremias solicitaram, junto à prefeitura, a reabertura do espaço, ou a oficialização da ocupação. Mas não obtiveram resposta.

O g1 entrou em contato com a prefeitura de Campina Grande para saber mais detalhes sobre a reclamação, mas ainda não obteve resposta.

Fonte: G1 PB
Créditos: G1 PB