Opinião

Ao ameaçar Motta, Bolsonaro tenta intimidar Congresso e agravar crise - Por Nonato Guedes

Ao ameaçar Motta, Bolsonaro tenta intimidar Congresso e agravar crise - Por Nonato Guedes

Furioso com o fato do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara Federal, não pautar a urgência na votação do projeto de anistia para os implicados em atos antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados do seu entorno fazem pressão e ameaças que se dirigem ao Congresso Nacional como um todo (Câmara e Senado) e objetivam, na verdade, provocar uma profunda crise institucional no país. Segundo a “Revista Fórum”, Bolsonaro encomendou ao deputado-pastor Sóstenes Cavalcante (RJ) que lançasse um ultimatum ao deputado: ou pauta a anistia em regime de urgência ou atos públicos bolsonaristas de escracho serão convocados para João Pessoa, capital paraibana e reduto eleitoral do presidente da Câmara. A intenção – acrescenta a publicação – é soltar a matilha de desajustados radicalizados para amedrontar Motta no seu Estado e, potencialmente, destruir sua base de eleitores na região onde atua.
Líderes petistas confirmaram, em Brasília, que está em curso uma orquestração para tentar desmoralizar o presidente Hugo Motta, desgastando-o a partir de suas origens, na Paraíba e no Nordeste. O ex-presidente e seus apoiadores mais próximos têm emitido sinais evidentes de desespero diante de uma iminente prisão de Bolsonaro, no bojo do inquérito instaurado para apurar a tentativa de golpe de Estado no país. Enquanto isso, informa-se que o ex-presidente está com o filme “bastante queimado” entre algumas lideranças do Centrão, por conta da retórica ameaçadora e autoritária, típica do estilo de fazer política do agrupamento bolsonarista. Nesse contexto, o marido de Michelle viria somando inimizades dentro do seu próprio núcleo político que o sustentou durante o mandato no Palácio do Planalto. ”Com a pauta da Câmara obstruída e projetos importantes para o governo e partidos do bloco paralisados, não são poucos os parlamentares que, pelos corredores e à boca pequena, desejam que o antigo ocupante do Planalto seja logo condenado pelo STF e colocado na cadeia, para que cessem sua empáfia e soberba”, acrescenta a matéria da “Revista Fórum”, pontuando que Motta já teria mandado avisar que não se intimida com as ameaças ou bravatas.
A irritação de Bolsonaro e seus seguidores mais radicais com Hugo Motta é maior porque o deputado paraibano, além de se mostrar irredutível quanto às pressões sobre sua autoridade como presidente da Câmara, mantém-se comprometido com a aprovação de projetos de interesse público encaminhados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), especialmente aqueles que versam sobre controle dos preços dos alimentos e a redução de imposto de renda para a classe média. Ontem, em São Paulo, Hugo Motta revelou que pretende tratar do tema da anistia com a serenidade que o caso requer e lembrou, em tom de advertência, que o país tem outras prioridades urgentes para debater, não podendo ficar refém de uma única agenda. O deputado ressaltou que é necessário ter “sensibilidade para corrigir exageros que possam estar acontecendo com relação a quem não merece receber uma punição”. Mas, também, mencionou “a responsabilidade de poder dar uma solução dentro desse problema, que é sensível, que é justo, e não aumentarmos a crise institucional que nós já estamos vivendo”. As declarações de Hugo Motta foram proferidas durante um evento na Associação Comercial de São Paulo.
Hugo Motta também assegurou que respeita todas as manifestações legítimas no regime democrático. “Fico muito feliz quando a democracia grita”, sublinhou. O parlamentar respondeu, indiretamente, aos ataques que lhe foram feitos em ato público em São Paulo, na Avenida Paulista, pelo pastor Silas Malafaia, um dos organizadores da manifestação a que compareceu Bolsonaro e que chegou a insinuar que o presidente da Câmara estava “envergonhando” o eleitorado do seu próprio Estado, a Paraíba. Ao referir que anistia não é a pauta única do Brasil, Motta completou: “O Brasil é muito maior do que isso. Nós temos inúmeros desafios. Então, nós não vamos jamais ficar restritos a um só tema. Vamos sempre levar essa decisão para o colegiado. Vamos conversar com o Senado Federal, que faz parte dessa solução também e poder conversar com o próprio Poder Judiciário, com o Poder Executivo, para que uma solução de pacificação seja dada”. Para Hugo, “nós não podemos, diante de um Brasil que tem tantos desafios pela frente, nos dar ao luxo de nos concentrarmos exclusivamente na solução de um problema”.
A tendência do deputado Hugo Motta, desde que foi provocado sobre o projeto de anistia na Câmara dos Deputados, passou a ser a de apresentação de um projeto em comissão especial, como encaminhado pelo ex-presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Na prática, isso atrasa a tramitação da proposta, já que a comissão especial precisa durar pelo menos 40 sessões no plenário. A ala bolsonarista propôs, então, a aprovação de um requerimento de urgência para a matéria, o que significa que ela poderia ser incluída na ordem do dia e votada a qualquer momento. Apesar do empenho do deputado Sóstenes Cavalcante em coletar assinaturas para o projeto de anistia, líderes do Centrão têm ignorado a pressão do PL. Na avaliação de parlamentares ouvidos pelo UOL, o movimento está criando “uma instabilidade proposital” na Câmara dos Deputados. Sob reserva, vários desses líderes afirmaram que não concordam com a proposta, embora digam que a discussão é legítima. Até aqui o deputado Hugo Motta segue firme no posicionamento, desafiando as bravatas dos bolsonaristas.