Áudios e mensagens revelados pela revista “Veja” nesta terça-feira (19) mostram que, de fato, houve uma conversa via WhatsApp entre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o então secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, na terça-feira da semana passada (12).
Na quarta (13), Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um dos filhos do presidente e vereador do Rio, publicou em seu Twitter um áudio chamando Bebianno de mentiroso e dizendo que a conversa entre o pai e o ministro não havia acontecido. A publicação foi replicada por Jair Bolsonaro, o que intensificou a crise no governo que culminou com a demissão de Bebianno.
O material exposto pela revista revive o debate sobre a comunicação ou não de Bolsonaro com seu ministro, mas também dá margem para outra discussão: vazar áudios de WhatsApp é crime?
Se você é uma pessoa comum, há sim a possibilidade de punição pelo compartilhamento não autorizado de mensagens. A pena pode ser de reclusão por um a seis meses ou pagamento de multa.
Isso está previsto no nosso Código Penal, no artigo 153, que criminaliza “divulgar a alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem”.
Não faltam ações que condenam pessoas que vazaram conteúdo de grupos de WhatsApp para quem não pertenciam ao grupo original. O fundamento é sempre o mesmo: aquelas mensagens eram direcionadas para quem estava no grupo. Ao vazar esse conteúdo, gerando danos, o responsável pode responder por danos materiais e morais
Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS)
Foi o que aconteceu, por exemplo, quando um ex-diretor do Coritiba divulgou conversas mantidas em um grupo do WhatsApp que reunia membros da diretoria do clube de futebol. Não adiantou ele dizer que exercia sua liberdade de expressão de informar torcedores sobre a “forma de gestão empregada no clube” nem dizer que não devia manter as conversas confidenciais por não manter relação de amizade com os outros integrantes. A Justiça do Paraná obrigou-o a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5.000 a cada um dos integrantes do grupo.
PRESIDENTE É DIFERENTE
Mas a discussão sobre a legalidade ou não do vazamento dos áudios ganha outros contornos quando estamos falando do presidente da República. Aqui entra outro aspecto, que é o interesse público nas informações apresentadas.
“Uns vão argumentar que é interesse público saber se o ex-ministro estava mesmo mentindo quando afirmou que havia falado com o presidente, já que isso revela o grau de confiança que deve existir entre os ocupantes de cargos públicos, ainda mais na Presidência da República”, diz Affonso.
“Por outro lado, o interesse público pode também ser usado como argumento para evitar que as mensagens trocadas pelo presidente, e que digam respeito à organização do governo, sejam livremente encaminhadas e acessadas por qualquer um”, explica.
Entra também em questão de quem foi a fonte do vazamento. A “Veja” não diz quem passou os arquivos de áudio, mas essa informação pode determinar se há, ou não, crime.
Caso Bebianno seja a fonte, na posição de interlocutor, está autorizado a dispor da mensagem. Contudo, se algum segredo de Estado for revelado pelo conteúdo da mensagem, pode tipificar crime, o que não parece a hipótese
Ana Carolina Moreira Santos, vice-presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-SP
“Caso a fonte seja estranha aos interlocutores das mensagens, poderá haver responsabilização”, completa.
FORO ÍNTIMO
As mensagens também trazem discussões a respeito de um termo específico. O porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros, ao comunicar o exoneração de Bebianno, disse que a motivação era “de foro íntimo do presidente”.
A expressão remete ao direito à intimidade e à vida privada, previsto no artigo 5, inciso X, da Constituição Federal.
Mas, com o vazamento, fica claro que estamos falando da exoneração de um ministro, que ocupa um cargo de confiança do governo, e que está envolvido em assuntos de interesse público.
Segundo Affonso, Bolsonaro tem direito a exonerar um ministro ou assessor por incompatibilidade com seu governo, mas não cabe alegar “foro íntimo”.
“O cargo do ministro é político e a sua demissão é um ato administrativo discricionário. Esses atos não precisam, em regra, de motivação expressa por parte da administração. O debate é até que ponto um ocupante de cargo público pode alegar razões íntimas e não externalizadas para tomar decisões importantes sobre o rumo do governo”, diz.
Fonte: UOL
Créditos: UOL