O ministro da Educação, Abraham Weintraub, gastou R$ 2,5 milhões em publicidade para divulgar a carteirinha estudantil digital, criada através de uma medida provisória editada em setembro de 2019 que deve caducar esta semana.
O documento permite acesso à meia-entrada em espetáculos, salas de cinema e eventos esportivos.
O valor foi o terceiro maior gasto publicitário do Ministério da Educação 2019, perdendo apenas para o Enem 2019, que teve 5,1 milhões de inscritos (R$ 3,1 milhões) e para o “Conta pra Mim”, projeto para incentivar os pais a lerem para seus filhos (R$ 3,2 milhões).
Embora tenham força de lei, as MPs tem que ter o aval do Congresso em até 120 dias, ou depois disso, perdem a validade.
O prazo para o ID Estudantil ser aprovado por deputados e senadores termina no domingo (16), mas a tramitação sequer foi iniciada.
As informações sobre os gastos foram obtidas pela Folha de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.
Com relação à carteirinha, a pasta gastou R$ 1 milhão com a produção de publicidade e o restante com divulgação. O foco do marketing foi em salas de cinema.
Projetos anunciados pelo governo Bolsonaro concentraram 59% dos gastos de publicidade de 2019, de R$ 16 milhões, em detrimento da divulgação de políticas educacionais permanentes, como avaliações federais.
Para implementar a carteirinha, o governo criou uma nova base de dados educacionais, uma vez que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) não liberou o acesso a informações sigilosas coletadas nos censos da educação básica e superior.
Esse novo banco de dados foi chamado de Sistema Educacional Brasileiro, alimentado pelas próprias escolas e faculdades.
A medida provisória autoriza a criação desse sistema. O banco coletou informações pessoais de alunos e professores e dados de matrículas, frequência e histórico escolar — o MEC diz que usaria o sistema para análise e desenho de outras políticas públicas.
O site para emissão das carteirinhas digitais foi lançado em 25 de novembro de 2019. Até terça-feira (11), haviam sido emitidos 279 mil documentos.
A perda de validade da MP medida já era vista como certa por parlamentares desde o fim do ano passado, sobretudo pela relação ruim do ministro com o Congresso.
A partir da próxima semana, o Governo Federal deverá deixar de emitir os documentos.
Weintraub mantém discurso de zelo com “o dinheiro do pagador de imposto”. O ministro, porém, abriu os cofres do MEC para implementar a iniciativa.
A nova carteirinha tem por objetivo atingir entidades estudantis, como a UNE (União Nacional dos Estudantes).
Uma lei de 2013 confere às entidades e a diretórios de estudantes o direito de emitir os documentos.
A arrecadação com esse trabalho é parte relevante do financiamento do movimento estudantil. As entidades são vistas como adversárias pelo governo Jair Bolsonaro.
Para o estudante, a emissão da carteirinha do MEC é gratuita. Contudo, o orçamento previsto em 2019 para criação do projeto foi de R$ 5 milhões e a manutenção custaria R$ 10 milhões ao ano a partir de 2020.
Além dos custos de manutenção, o governo paga R$ 0,15 a cada carteirinha emitida, segundo informações prestadas por meio da LAI.
O pagamento é realizado ao Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados). O serviço, de R$ 12,6 milhões, tem validade de 12 meses.
A estatal foi contratada pelo MEC em novembro de 2019 para a concepção, o desenvolvimento, a manutenção e o suporte ao projeto.
O MEC argumenta que a carteirinha digital desburocratiza o processo e reduz eventuais fraudes. A pasta e o Serpro não responderam aos questionamentos feitos pela reportagem.
Em entrevista a um canal de Youtube, publicada no sábado (8), Weintraub disse que vai encaminhar um projeto de lei para tentar ressuscitar a iniciativa. É vetado o envio de nova MP, com o mesmo tema, neste ano.
A Constituição prevê que, em caso de perda de validade, o Congresso pode editar um decreto legislativo para disciplinar a continuidade dos atos ocorridos dentro prazo de sua validade. Caso isso não ocorra, os atos realizados na vigência da MP se conservam.
Segundo o professor Floriano Azevedo Marques, diretor da Faculdade de Direito da USP, as carteirinhas emitidas continuam valendo, mas o Sistema Educacional Brasileiro perderia sua validade para ações futuras.
“Em relação aos titulares das carteirinhas [já emitidas], há direito subjetivo à validade dela, que foi consagrada na vigência de um medida com força de lei”, diz.
“O banco perde validade jurídica, vai continuar existindo como mero registro daqueles que exerceram seu direito [com a medida provisória].”
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo