Não faço coro ao brado de demonizar a política. Sei da fundamental relevância da representatividade no nosso dia a dia e do quanto ela pode mudar nossas vidas. Essa estratégia de igualar tudo e todos os políticos por baixo só interessa aos aproveitadores, oportunistas travestidos de salvadores da pátria, tipo um certo Messias que foi alçado ao poder e o resultado todos comprovamos na prática, conforme prevíamos, obviamente.
O problema é quando a própria política insiste em corroborar com sua difamação (e infelizmente isso é usual de mais aqui no Brasil, a terra que não é para amadores).
Ontem, um episódio escancarou pra mim uma dessas teimosas incoerências cotidianas políticas.
Essa terra árida prefere evidenciar diferenças, do que prestigiar semelhanças, enaltecer o ataque à valorizar empatias, mesmo de onde menos se espera.
Poucas horas após o governador gaúcho, Eduardo Leite, assumir publicamente ser gay, o ex-senador Jean Willys correu às redes sociais para desferir uma saraivada de críticas ao tucano.
Apesar de embasada em solidez (falaremos mais adiante) o discurso de Jean torna-se completamente inadequado e, até incoerente, com a própria militância histórica.
O recém filiado petista, que já entrou na política como gay assumido, tem uma pauta progressista neste e em outros campos. Notadamente abriu fronteiras para a bandeira LGBTQIA+ e, em grande parte, por conta disso foi forçado, inclusive a renunciar o mandato e se auto-exilar no exterior para proteger a própria vida dessa onda intolerante capitaneada por quem comanda o país, como o próprio relata.
Pois bem, esse mesmo Jean Willys preferiu fazer o papel de julgador, achacador do “adversário político”, apenas por se situarem em campos opostos ideologicamente.
Sim, mesmo justificando a própria postura como sororidade crítica, o que Jean fez foi resumir o simbólico ato a um “comercial de direita”.
Vejam bem, não tenho qualquer ingenuidade perante as movimentações políticas. O cidadão quando adentra este universo, automaticamente, já vira um ser político. As ações individuais se tornam indissociáveis da vida política. E, naturalmente, há estratégia em cada momento escolhido.
A questão é que, independente da motivação principal alheia, Jean perdeu o “time” de valorizar o simbolismo, marco histórico do momento. Nenhuma questão paralela anula o fato de ser o primeiro governador assumidamente gay brasileiro, uma indubitável conquista representativa para a pauta identitária, que o petista tão bem defende.
O que Jean chama de sororidade crítica é uma tentativa de legitimar sua falta de empatia e reconhecimento ao que representa o momento, repito, independente do uso que será, ou já está sendo feito disso.
Salta aos olhos meus, que tenho bem mais afinidade política com as bandeiras de Jean Willys ( me situo no mesmo campo da esquerda), do que a do Eduardo Leite . Mas também foi desvelado a outros a única intenção de politizar ideologicamente em sentido antagônico, oposicionista a situação.
E digo tudo isto reconhecendo que também nutro a mesma desconfiança dele de que, naturalmente, há muito de estratégia de capitalização eleitoral em torno da posição de tornar pública sua orientação sexual, agora. Neste momento, após, talvez, o mais contundente movimento de afirmação da causa LGBTQIA+ na história brasileira, com engajamento até de setores tradicionalmente resistentes como o futebol brasileiro.
Mas aí que seja tratado, evidenciado na arena devida!
Ok, ok, o governador também se elegeu “junto e misturado” ao Bolsonarismo. Mas isso anula o fato de que ele é um governador, que se assumiu gay em um país extremamente homofóbico a ponto de nunca antes na história isto ter sido registrado?
Ah sim, o tratamento dado também foi desproporcional a, por exemplo, o fato da governadora potiguar, Fátima Bezerra, ser lésbica assumida e petista, não branca etc e coisa e tal. Mas, ainda assim, as duas situações se opõem, ou, ao contrário, se somam na causa??
Então, de fato, há contundência argumentativa no posicionamento de Jean Willys?? Total. Mas a quem vai emergir essas motivações paralelas em discurso assim, quase raivoso, desproporcional?? Ficarão claras a maior parcela da população essas alegações embasadas, ou se destacará apenas a postura quase colérica , nada simpática do petista a um “colega” que saiu do armário e precisa de sororidade, antes de questionar-se a motivação??
Por que antagonizar tudo?? A política brasileira não precisa ser extinta, como insanamente sugerem alguns robôs, mas precisa se reinventar, baixar a guarda do sectarismo, da oposição extrema e deixar de proselitismo em toda e qualquer questão. Além de mais nobre, isso é trunfo, inclusive estratégico.
Fonte: Marcos Thomaz
Créditos: Polêmica Paraíba