A decisão de Toffoli, datada de 25 de outubro, foi revelada pela Folha na última quinta-feira (14).
O Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), enviou a Toffoli uma chave de acesso ao seu sistema eletrônico para que o ministro pudesse consultar 19.441 RIFs elaborados de outubro de 2016 a outubro de 2019.
A UIF fez um alerta sobre as informações, de caráter sigiloso, que envolvem cerca de 600 mil pessoas, físicas e jurídicas. A justificativa de Toffoli era entender como os relatórios eram feitos e transmitidos às autoridades de investigação, como o Ministério Público.
Na sexta (15), o procurador-geral da República, Augusto Aras, havia pedido ao magistrado que revogasse a decisão. No mesmo dia, Toffoli negou a solicitação e pediu novos dados à UIF.
Depois de ter dobrado a aposta, e de posse das novas informações, Toffoli recuou.
“Diante das informações satisfatoriamente prestadas pela UIF, em atendimento ao pedido dessa corte, em 15/11/19, torno sem efeito a decisão na parte em que foram solicitadas, em 25/10/19, cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs), expedidos nos últimos três anos”, afirmou Toffoli em nova decisão, desta segunda-feira (18).
“Ressalto que esta corte não realizou o cadastro necessário e jamais acessou os relatórios de inteligência”, escreveu.
A reconsideração da determinação anterior veio após Toffoli receber, na tarde desta segunda-feira, o procurador-geral, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o advogado-geral da União, André Mendonça.
Ao deixar a reunião, o presidente do BC, responsável pela UIF, não informou aos jornalistas que o esperavam se a UIF forneceu todos os dados requeridos pelo STF na sexta. “Nós estamos tentando buscar uma solução que atenda a todos em relação ao que vai ser votado na quarta-feira”, limitou-se a dizer, sem dar mais detalhes.
A decisão anterior de Toffoli, agora anulada, havia sido no âmbito de um processo no qual, em julho, o ministro suspendeu todas as investigações do país que usaram dados detalhados de órgãos de controle —como a UIF e a Receita Federal— sem autorização judicial prévia.
Naquela ocasião, Toffoli concedeu uma liminar (decisão provisória) atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro e, à época, alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio.
Como reflexo dessa liminar de Toffoli, conforme levantamento da PGR (Procuradoria-Geral da República), já foram paralisadas ao menos 935 investigações e ações penais em todo o país.
O processo (um recurso extraordinário) será julgado pelo plenário do Supremo nesta quarta-feira (20). Os ministros vão discutir se é constitucional o repasse de dados da Receita e da UIF para o Ministério Público, sem autorização prévia da Justiça, para fins de investigação penal.
Na decisão agora anulada, Toffoli determinou ao Banco Central, responsável pela UIF, que encaminhasse à corte cópias de todos os RIFs especificando quais foram elaborados a partir de análise interna da UIF, quais foram feitos a pedido de outros órgãos (como o Ministério Público) e, nas duas situações, quais foram os critérios e fundamentos legais.
A resposta do BC veio em 5 de novembro, quando Campos Neto enviou ofício junto com uma nota técnica que esclarecia a Toffoli como acessar os dados sigilosos requeridos. A nota técnica foi assinada pelo presidente da UIF, Ricardo Liáo.
“Cumpre ressaltar, por dever de ofício, que nessa pasta [à qual foi dado acesso] estão sendo disponibilizados 19.441 RIF […] com informações cadastrais, pessoais e financeiras, parte delas sujeita a regime legal de sigilo ou restrição de acesso, de quase 600 mil mencionados, dentre estas, um número considerável de pessoas expostas politicamente e de pessoas com prerrogativa de foro por função”, afirmou.
“Há, ainda, informações relacionadas a casos que certamente tramitam sob segredo de justiça nas mais variadas instâncias […], além de relatórios enviados a autoridades competentes responsáveis por investigações que ainda podem estar em curso”, continuou Liáo.
A iniciativa do ministro havia gerado apreensão no governo —segundo a Folha apurou, há integrantes da família Bolsonaro mencionados em relatórios, entre outras autoridades.
Os relatórios da UIF partem de instituições, como bancos, que são obrigadas a informar ao órgão sobre a existência de movimentações supostamente atípicas. Os indícios não significam que as pessoas tenham cometido algum crime, e nem todas as comunicações feitas à UIF seguem para as autoridades responsáveis por investigações criminais.
Além de ter requerido novas informações da UIF, Toffoli, na última sexta, também disse à PGR para informar, “voluntariamente”, 1) quantos e quais procuradores foram cadastrados no sistema da UIF para ter acesso aos relatórios financeiros feitos nos últimos três anos, 2) quantos relatórios foram feitos espontaneamente pela UIF nesse período e 3) quantos foram elaborados a partir de solicitação do Ministério Público.
Aras respondeu nesta segunda-feira parte dos questionamentos. A PGR não informou, como queria Toffoli, os nomes dos procuradores que têm acesso ao sistema da UIF. O órgão afirmou que não dispõe dessa informação.
Segundo a resposta da PGR ao STF, o Ministério Público Federal recebeu nos últimos três anos 972 relatórios de inteligência financeira (RIFs) feitos pela UIF —362 em 2017, 339 em 2018 e 271 neste ano.
Todos os relatórios de inteligência financeira, ainda segundo a PGR, foram remetidos pela UIF ao Ministério Público de forma espontânea. Não existem RIFs feitos sob encomenda.
O que há, informou a PGR, são intercâmbios de informações entre as autoridades após o envio espontâneo do relatório pela UIF. Nesses casos, “os membros do Ministério Público precisam preencher, assinar e submeter à UIF formulário próprio antes de ter acesso a qualquer informação”.
“A atividade de intercâmbio de informações entre UIF e autoridades competentes não permite a ampliação ou o direcionamento arbitrário das informações financeiras, mas, tão somente, a mera correção de eventuais erros materiais”, afirmou a PGR em nota. A resposta do órgão ao Supremo está sob sigilo.
Aras deixa claro, segundo a nota da PGR, que as comunicações não incluem extratos completos de transações financeiras, apenas fornecem dados referentes a situações que foram consideradas atípicas ou suspeitas.
“‘É tecnicamente impossível ao órgão realizar qualquer tipo de devassa em movimentações bancárias alheias, até porque sequer possui acesso a essas informações’”, disse o procurador-geral ao STF.
“Em relação à regularidade da atuação dos membros do Ministério Público Federal em procedimentos que contam com dados de RIFs e de representações fiscais elaboradas pela Receita, e em nome da transparência que pauta a instituição, o procurador-geral afirma ter solicitado informações à Corregedoria do MPF”, diz também o texto divulgado pela PGR.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Reynaldo Turollo Jr. e Thais Arbex