A terapeuta paulistana Luana, de 34 anos, conta que teria todos os motivos para passar os festejos de fim de ano infeliz: a mãe, fala ela, tentou matá-la algumas vezes, e na última conversa entre as duas, a matriarca afirmou que nunca teve amor por ela. Também soube que o pai, supostamente morto, na verdade, é desconhecido: ela foi gerada, segundo a mãe, após um sexo a três. Luana também tentou suicídio. Há mais de dois anos tratando-se com psicanálise, ela diz hoje se sentir mais segura para contar sua história.
“Cresci vendo a minha mãe sair para transar com homens diferentes. Ela nunca fez questão de respeitar a presença dos filhos. Tenho um irmão de 26 anos.
Fui filha de um ménage à trois. Minha mãe passou a vida inteira falando que meu pai havia morrido, mas algo dentro de mim não acreditava. Encostei ela na parede algumas vezes, e ouvi mais outras versões, entre elas a de que fui fruto de um estupro. Por último, disse que transou com dois homens e não sabia quem era meu pai.
Ela tentou me matar algumas vezes. Numa delas, tinha 13 anos: minha mãe chegou em casa e viu meu irmão chorando. Tínhamos brigado, o que fazíamos sempre. Eu estava passando roupa e ela veio me bater. Me pegou pelos cabelos e enfiou no meu pescoço um garfo, desses de duas pontas que se usa em churrasco. Mas consegui sair e bater nela com a tábua de passar.
Ela incentivava meu irmão a me bater. Quando me machucava, ela dizia: “Um dia ele vai te matar, já que eu não consegui”.
Tentei protegê-lo até onde pude. Uma vez, ele foi morar comigo e o ajudei a juntar dinheiro para estudar na Alemanha, mas ele começou a beber e sair com amigos, então resolvi expulsá-lo da minha casa. Ele voltou para casa de minha mãe e hoje me odeia.
Moro sozinha há dez anos. Saí de casa com a roupa do corpo e rompi a relação com minha mãe há um ano e 7 meses. A última imagem que tenho foi dela batendo no peito sete vezes e falando: “aqui nunca teve nem terá sentimento de amor por você”.
Era dia das mães e não me senti à vontade para passar com ela. Após 15 dias, me senti culpada por isso e fui até sua casa pedir desculpas, falar que não estava bem. Ela estava lavando louça e disse: “acha mesmo que faço questão da sua presença?”. Aí veio a cena da mão no peito.
Olhei para ela, para a casa, e falei: “por isso você está nessa vida”. Bati a porta e nunca mais voltei. Quando nos encontramos na rua, ela me olha como se eu fosse mendiga.
Quando precisei de ajuda, ninguém ficou ao meu lado. A família me deu as costas e neste momento me senti no direto de abandoná-la também. O que tem me ajudado é a análise que faço há dois anos e meio.
Estou aceitando minha história há cerca de seis meses. Não quero repetir padrões, porque conheço filhas de mães narcisistas que são assim também. Minha avó morava conosco e fazia o mesmo. Mas muitas vezes me defendia e até apanhou da minha mãe. Foi quando decidiu sair de casa também. Morei com ela dos 14 aos 16 anos, mas voltei pelo meu irmão.
Se a gente que vive nessa situação não buscar ajuda, vai continuar repetindo. Todas as mulheres da minha família têm as mesmas atitudes, e sinto que é minha responsabilidade cortar isso. Não quero minha mãe como avó dos meus filhos. Não quero voltar para esse ciclo e acionar outros gatilhos.
Tentei o suicídio na adolescência, quando minha avó me levou para sua religião, e passei 24 anos da minha vida dentro da espiritualidade, mas com uma ferida interna. É tão forte o sentimento se rejeição que a gente se sabota muito para ser aceita. Até hoje tenho dificuldade para me relacionar. Não é qualquer pessoa que aceita minha história.
Sempre questionei por que ela não gosta de mim. Mas ela não reconhece que tentou me matar, fala que nunca me bateu. Assim, fica muito difícil estabelecer uma relação.
Há poucos dias, me mandou uma mensagem, me cobrando algo. Fez o que as mães narcisistas fazem: impõem e cobram. Não tenho condições psicológicas de sentar e ter uma conversa de adulto. Ela tem 52 anos e não consegue reconhecer o que fez.
Perdi muitas pessoas na minha vida porque, de forma inconsciente, reproduzi atitudes da minha mãe como me colocar em posição de vítima diante de situações em que tinha que assumir a responsabilidade. Narcisismo é isso: olhar para o espelho e ver uma pessoa perfeita.
Já passei Ano Novo sozinha e foi incrível. Chorei horrores, entrei em contato comigo. O grande lance é trabalhar muito esse amor próprio, e reconhecer que preciso de ajuda. Hoje, aceito minha história. Com dores. Agora quero ajudar outras pessoas como eu, adotar crianças com histórias parecidas. Quero o oposto de tudo que me foi colocado na vida.”
Fonte: UOL
Créditos: UOL