Com sete anos de carreira, o professor Anderson Pimenta Rodrigues ganhou um capítulo difícil de ser esquecido. No dia 27 de agosto, o docente foi duramente agredido dentro do Colégio Militar da Polícia Militar (CMPM) 1, unidade Petrópolis, em Manaus, unidade em que atuava desde 2015, dando aulas de Língua Portuguesa. O agressor é o tenente-coronel Augusto Cesar Paula de Andrade, diretor do CMPM1.
Rodrigues conta que o caso começou ao se negar a assinar um livro de ocorrências onde estavam registradas três infrações que alega não ter cometido. A negativa lhe rendeu um tapa no rosto desferido pelo tenente. Em um vídeo que circula pelas redes sociais, é possível ver o momento em que o professor é conduzido para uma sala por Andrade e mais dois militares, após a primeira agressão.
“Lá, sofri tortura física e psicológica. Fui empurrado, tive arma apontada para a minha cabeça e fui chamado de ‘professor de merda’”, relatou a CartaCapital. Rodrigues registrou um boletim de ocorrência por lesão corporal. O laudo do exame de corpo de delito produzido pelo Instituto Médico Legal comprovou “lesões compatíveis com as produzidas por instrumento ou meio contundente”.
Desde o ocorrido, o professor está em licença médica, mas afirma não ter mais coragem de retornar ao colégio. “Emagreci 10 quilos, desenvolvi síndrome do pânico, sofro de insônia. Estamos mexendo com o alto escalão da polícia, é impossível não ter medo.”
Desdobramentos
O caso do professor está entre os 120 que foram encaminhados ao Ministério Público do Amazonas no início do mês. No CMPM 1, unidade em que Anderson trabalhava, há ao menos outros três casos graves. Oitenta mães registraram denúncias de assédio moral, sexual e violência contra os militares dos nove colégios geridos pela PM no estado do Amazonas. As violações, que se acumulam pelo menos desde 2015, vieram à tona depois que o deputado Fausto Júnior (PV) convocou uma audiência pública na Assembleia Legislativa. Muitas vítimas afirmam sofrer ameaças para retirar suas queixas.
Segundo o MP-Amazonas, foi instaurado um grupo de trabalho para apurar as denúncias. As investigações seguem sob sigilo pelo teor e por envolverem menores de idade.
O professor Anderson também foi chamado pelo Comando Geral da Polícia Militar para prestar depoimento no dia 21 de outubro. A corporação instaurou uma sindicância para apurar as denúncias que recaem sobre os colégios, segundo portaria publicada no dia 13 de setembro. De acordo com o documento, as investigações estão sob o comando do coronel PM Silvio Mouzinho Pereira, subcomandante da tropa, e tinham prazo de 30 dias para finalização, período que se completou no último dia 13 de outubro. A reportagem questionou a PM sobre o término da sindicância, mas não teve resposta até o fechamento da reportagem.
Em nota conjunta assinada pela Secretaria de Educação (Seduc-AM) e PM, e encaminhada à reportagem, as instituições afirmam que “não se abstém de agir diante de denúncias de práticas de assédio ou violência que cheguem ao seu conhecimento”. No texto, a Seduc-AM afirma ter recebido 19 denúncias e processos relacionados a assédio moral e abuso de poder.
“Os registros foram recebidos pela Ouvidoria da secretaria, 14 estão sob averiguação e cinco sob apuração. Nos 14 processos, a Seduc-AM adotou as medidas administrativas, encaminhamentos e solicitações aos co-gestores da Polícia Militar do Amazonas (PMAM) que atuam nas escolas da rede de modelo militar. Quanto aos casos que ainda estão em análise, a secretaria tem o compromisso de encaminhar as medidas administrativas que forem necessárias quando constatadas ou não a veracidade das denúncias”.
A reportagem de CartaCapital teve acesso ao registro de manifestações da ouvidoria da Seduc-AM e contabilizou, este ano, 32 casos tipificados como assédio moral e abuso de autoridade. Questionada sobre a divergência entre os números, a Secretaria de Educação não respondeu à reportagem.
O advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários, Ricardo Gomes, que vem representando grande parte dos casos questiona a conduta da Secretaria de Educação e da PM. “O que tem prevalecido até o momento é a omissão, prevaricação e o corporativismo que impedem que as situações sejam investigadas com imparcialidade. Como que um militar acusado de assédio pode continuar a frequentar uma escola e conviver com crianças e adolescentes?”, questiona.
Entre os casos, se tem notícia de um afastamento até o momento. A Polícia Militar afirma que, em março, afastou um coronel da PM que atuava na direção do CMPM VIII, no bairro Compensa, na Zona Oeste de Manaus. Familiares de alunos tiveram acesso a mensagens de WhatsApp em que o PM oferece dinheiro a alunas para participarem de um ménage.
Gomes também questiona a conduta da PM. “Foi afastado da escola, mas voltou ao Comando da Polícia Militar e continua recebendo gratificação de militar, a ter sala própria, motorista. Os únicos que estão sendo de fato prejudicados são professores como o Anderson que está afastado, ganhando menos e moralmente abalado.” Ele afirma que já são mais de 100 professores afastados por situações de assédio. Gomes cobra uma regulamentação clara que defina os papéis da Polícia Militar e das Secretarias de Educação nas escolas militarizadas.
Fonte: Carta Capital
Créditos: Carta Capital