No Brasil, ninguém ganha isenção de impostos ao contratar um plano de saúde. Mesmo assim, os planos (e, indiretamente, os usuários) precisam pagar quando enviam algum paciente para o Sistema Único de Saúde. Por outro lado, é justo que a saúde pública custeie um serviço pelo qual as operadoras já estão cobrando? É essa questão que deve ser decidida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A corte pode perdoar hoje um “calote” de R$ 5,6 bilhões das operadoras de planos de saúde no SUS. O STF dirá se é constitucional ou não que o sistema público cobre dos planos toda vez que atende um paciente encaminhado pela rede privada.
O Supremo julgará um recurso de uma seguradora de saúde contra a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS. Trata-se de um caso com “repercussão geral”, isto é, que criará regra para todos os outros casos do tipo. O relator é o ministro Gilmar Mendes.
Quando uma pessoa que possui plano de saúde é enviada para fazer qualquer procedimento na rede pública (como uma consulta ou uma cirurgia), o plano é obrigado a pagar ao governo pelo procedimento. Os valores de cada serviço são tabelados e são definidos pelo próprio SUS.
Essa tabela é atualizada periodicamente. Uma tomografia dos seios da face (usada para diagnosticar uma sinusite, por exemplo) sai por R$ 86. Já uma cirurgia cardíaca para correção de problemas na válvula mitral (que separa os dois lados do coração) está tabelada em R$ 7,7 mil.
O SUS é hoje responsável pela maioria dos transplantes de órgãos, por exemplo. Também faz quase todos os tratamentos de doenças infecciosas, como a hanseníase, entre muitos outros.
A maioria dos estabelecimentos que oferecem esses tratamentos são públicos ou conveniados ao SUS. E é por isso que muitas pessoas que têm planos de saúde são encaminhados para o atendimento público, diz a professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Helena Eri Shimizu.
O sistema funciona assim: a ANS compara a base de dados dos brasileiros que possuem planos de saúde com o registro de quem foi atendido pelo SUS. Quando encontra uma correspondência, envia a cobrança à operadora.
“A forma como isso é feito hoje é pouco eficaz, e abre margem para que as operadoras contestem na Justiça os procedimentos, além de deixar alguns atendimentos de fora. Então o valor que poderia ser arrecadado poderia ser ainda maior”, diz Shimizu.
Uma decisão com efeito cascata
O julgamento é o terceiro item da lista de temas a serem julgados hoje – antes, estão previstas mais duas ações sobre outros temas da saúde pública. Não é incomum, porém, que os ministros do STF mudem a ordem dos julgamentos.
De acordo com os últimos dados da ANS, os planos contestam na Justiça o pagamento de R$ 4,99 bilhões em procedimentos realizados entre 2000 e 2017.
Esse dinheiro – que não chegou a ser cobrado – depende de decisões judiciais nas instâncias inferiores da Justiça. Se o Supremo decidir que a cobrança é inconstitucional, a Justiça dará ganho de causa às operadoras, que não precisarão pagar.
“Entre 2000 e 2017 foram identificados 4,51 milhões de atendimentos no SUS de usuários de planos de saúde passíveis de ressarcimento, totalizando R$ 7,5 bilhões. Desse total, apenas R$ 1,9 bilhão foram repassados ao Fundo Nacional de Saúde (responsável pelo SUS)”, disse o Ministério da Saúde em nota enviada à BBC Brasil.
“O Ministério da Saúde informa que a extinção da obrigatoriedade do ressarcimento ao SUS pelos planos de saúde pode causar grandes perdas ao sistema. Levantamento feito pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estima que a decisão pode acarretar uma perda imediata de R$ 5,6 bilhões)”, diz o ministério.
Planos de saúde em risco?
O setor de planos de saúde, por outro lado, teme que algumas operadoras (especialmente as menores) possam ficar em risco caso o STF decida que a cobrança é constitucional.
As operadoras menores, principalmente as do interior, são as maiores devedoras do SUS. Em última análise, é provável que o custo de uma decisão dos ministros acabe transferido para o consumidor.
Para se ter uma ideia da importância que o setor dá à questão, há até o momento 20 advogados representantes da saúde privada acompanhado este processo no Supremo.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) enviou nota à reportagem da BBC Brasil. Para a entidade, “todos os cidadãos brasileiros que têm plano de saúde mantêm o direito de utilizar o sistema público de saúde”. Por isso, não faz sentido cobrar por algo que o paciente já paga na forma de imposto, diz a entidade.
“O fato de uma pessoa ou empresa decidir contratar um plano de saúde não as exime do pagamento de seus impostos e contribuições”, reforça o texto da entidade.
Além disso, a associação diz que o ressarcimento não se dá simplesmente pelo valor do procedimento na tabela do SUS: o valor é acrescido em 50% na hora de calcular o total devido. Se uma operação custa R$ 10 mil na tabela, por exemplo, o plano terá de ressarcir o SUS em R$ 15 mil.
“As operadoras questionam do que se trata esse custo de 50% a maior. Isso seria uma taxa ou um imposto?”, pergunta a entidade.
Fonte: Terra
Créditos: Terra