O julgamento desta quarta-feira (20) no STF (Supremo Tribunal Federal) definirá regras para a colaboração entre autoridades financeiras e o Ministério Público (MP) e decidirá os próximos passos de centenas de investigações em andamento — incluindo a que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
A partir das 9h da quarta, os ministros do STF analisarão em quais circunstâncias órgãos como a Receita Federal, o Banco Central e o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), podem enviar informações sobre suspeitas de crimes ao MP.
Também estará em pauta se há a necessidade de que essa colaboração seja autorizada pela Justiça e quais tipos de dados podem ser enviados aos investigadores sem ordem judicial.
Em julho, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu todas investigações que utilizaram, sem ordem judicial, dados detalhados enviados por esses órgãos.
A decisão foi tomada com base em recurso de Flávio, investigado por suspeitas de se apropriar de parte dos salários dos funcionários de seu antigo gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), pratica conhecida como “rachadinha”.
A regra geral é que o sigilo bancário e fiscal dos suspeitos só pode ser quebrado após decisão da Justiça. Mas a lei que trata de lavagem de dinheiro e que criou o Coaf determina que as “autoridades competentes” sejam informadas de movimentações financeiras suspeitas. É essa interpretação legal que tem baseado o compartilhamento de informações com o Ministério Público.
Em meio a esse imbróglio, o Coaf foi rebatizado como UIF (Unidade de Inteligência Financeira) e transferido do âmbito do Ministério da Economia para o Banco Central pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), pai de Flávio.
O que alegam os investigados contra o uso de dados do Coaf?
As defesas dos investigados alegam que o Ministério Público se vale da colaboração com o Coaf para acessar informações protegidas por sigilo sem ter que submeter esse pedido à Justiça, acessando dados que vão além das suspeitas iniciais sobre as transações.
Foi esse o argumento utilizado pelo alvo mais ilustre do Coaf. A defesa de Flávio Bolsonaro disse ao STF que o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu informações diretamente ao Coaf, realizando, na prática, uma quebra de sigilo bancário sem controle da Justiça.
Por que Flávio é investigado?
A investigação contra o senador teve origem em um relatório do Coaf enviado ao Ministério Público no qual foram apontadas movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas do ex-assessor Fabrício Queiroz.
O fato de o Coaf considerar uma movimentação “atípica” não significa que houve irregularidades, mas que aquelas transações não seguem o padrão normal da maioria das movimentações financeiras. A defesa de Flávio tem negado a prática de qualquer irregularidade.
Como as investigações do caso correm sob sigilo, não é possível precisar o real impacto do julgamento no STF sobre o inquérito contra o senador e também para as outras investigações.
O que o STF pode decidir?
Advogados e investigadores apontam alguns caminhos possíveis que podem ser adotados se o STF seguir o caminho indicado na decisão de Toffoli e restringir as possibilidades de colaboração entre investigadores e órgãos financeiros:
- As informações dos relatórios de inteligência financeira do Coaf podem ser excluídas do processo.
- Outras provas coletadas a partir dos relatórios também podem ser anuladas, se for considerado que as informações fiscais foram a principal pista que levou a elas.
- As investigações em si poderiam ter continuidade, mas a anulação das provas financeiras pode na prática inviabilizar a elucidação de eventuais crimes.
- É possível que o STF discuta que a decisão do julgamento vai ser aplicada apenas para futuras colaborações entre entidades financeiras e o Ministério Público, ou seja, nesse caso as investigações já em andamento seriam preservadas.
O impacto da decisão do STF precisará ser avaliado caso a caso para determinar o destino de cada uma das investigações.
Na hipótese de a maioria dos ministros ir contra a tendência indicada por Toffoli e manter os critérios atuais de compartilhamento de dados, o mais provável é que os inquéritos e processos paralisados voltem a tramitar normalmente.
Além do caso de Flávio, a decisão de Toffoli paralisou ao menos 935 investigações e processos judiciais no âmbito do MPF (Ministério Público Federal).
A medida atingiu principalmente investigações sobre crimes contra a ordem tributária (446 casos), como sonegação de impostos, e as relativas à lavagem de dinheiro (218 casos), incluídas as ligadas a esquemas de corrupção.
Anulação de provas
Para o GAECC (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) se o STF entender que as informações financeiras foram enviadas ao Ministério Público de forma irregular “as provas poderão ser inviabilizadas em sua grande maioria”, diz nota enviada pelo grupo a pedido da reportagem do UOL.
“É possível ocorrer um grande retardo de uma investigação ou até mesmo inviabilizá-la integralmente”, diz o GAECC.
Na análise do grupo especializado no combate à corrupção, outras provas que foram obtidas a partir dos relatórios financeiros também poderiam ser anuladas. Por exemplo, se a partir das informações do Coaf foi realizada uma operação de busca e apreensão, as provas coletadas nas buscas também não poderiam mais ser utilizadas no processo. “Todos os atos derivados, em regra, podem padecer do mesmo vício”, diz o GAECC.
No MP-RJ, é o GAECC que está responsável pelas investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro. Ao enviar a nota à reportagem, o grupo afirmou ter se manifestado de forma genérica sobre as consequências jurídicas do julgamento no STF, sem analisar especificamente o impacto de uma possível decisão nas investigações sob sua responsabilidade pois os inquéritos correm sob sigilo.
Continuidade da investigação
A advogada Débora Nachmanowicz afirma que se a investigação estiver baseada em outras provas além das enviadas pelos órgãos financeiros, é provável que a apuração tenha sequência baseada nesses outros elementos.
“A Constituição e o Código de Processo Penal consideram que provas ilícitas são inadmissíveis”, diz a advogada.
A advogada atua no processo que será julgado pelo Supremo como membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), entidade que foi admitida na ação como “amigo da corte”, quando é possível se manifestar sobre o tema em julgamento mesmo não sendo parte envolvida na disputa jurídica.
Ela afirma que o sigilo das informações bancárias e fiscais é garantido pela Constituição e o STF deve proteger esse direito dos cidadãos.
“As investigações não podem acontecer à míngua das garantias que existem na Constituição. O processo penal existe para proteger o indivíduo da arbitrariedade e do poder do Estado”, afirma Nachmanowicz.
Corte temporal
A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen afirma que a colaboração entre órgãos financeiros e o Ministério Público foi realizada até o momento sob a presunção de legalidade, ou seja, não havia nenhum elemento que indicasse qualquer irregularidade no envio das informações.
Por isso, ela afirma que o STF deverá discutir se os efeitos do julgamento terão validade apenas para futuras colaborações, como forma de preservar as investigações em andamento. Juridicamente, essa delimitação temporal dos efeitos da decisão se chama modulação.
“Se eles resolverem anular tudo, eles vão ter que modular os efeitos da decisão, porque o pressuposto, até por decisões do próprio Supremo é de que estava tudo correto”, afirma a procuradora, que coordena a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (Ministério Público Federal), órgão que orienta a atuação dos procuradores na área criminal.
Fonte: Uol
Créditos: Uol