O governo Jair Bolsonaro considera o isolamento parcial um princípio, e não possui nenhum estudo técnico para embasar a defesa que vem fazendo da medida no combate ao contágio do novo coronavírus.
Isolamento parcial, ou vertical como vem sendo chamado, consiste em retirar do convívio social apenas os grupos mais suscetíveis a mortalidade pela COVID-19, como pessoas acima de 60 anos e portadores de doenças como hipertensão e diabetes sem controle.
A defesa da medida está na base do discurso de Bolsonaro, que vem insuflando atos em favor da volta ao trabalho para evitar maiores danos à economia com períodos de quarentena. São Paulo, mais populoso estado e centro da pandemia no país, ficará até 7 de abril com os serviços não essenciais fechados.
Em reuniões com secretários estaduais de diversas áreas, autoridades federais admitem que não há um estudo para justificar a medida.
Nesta manha, por exemplo, o secretário especial de Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, foi confrontado por autoridades estaduais sobre o tema. Segundo ele, o isolamento parcial é “um princípio” do governo federal ao qual os estados deveriam se ajustar.
Em vez de uma minuta técnica, ele apresentou um slide com o que o governo considera necessário para o isolamento parcial na área econômica: manter abertos serviços essenciais e garantir a cadeia de suprimentos, exatamente o que estados como São Paulo têm feito.
Costa foi questionado então por um grupo de secretários se o governo editaria um decreto obrigando os estados a cumprir a medida. Disse que não, que isso deveria ser voluntário. Perguntado então se haveria recursos federais caso alguém se interessasse pelo tema, a resposta foi que “não temos o cronograma”.
Três participantes da reunião disseram que o clima estava contaminado pela postura beligerante do presidente Bolsonaro, que tem no governador João Dória (PSDB-SP) seu principal antagonista acerca da condução da crise do Coronavírus.
A questão sanitária está sendo ofuscada pela disputa política. Reunidos na quarta-feira (25), 25 de 27 governadores assinaram uma carta cobrando liderança e medidas de Bolsonaro. O presidente e Doria tiveram um debate acalorado durante videoconferência no mesmo dia.
Desde então, Bolsonaro tem se dedicado a um embate direto com governadores. Abraçou uma retórica segundo a qual confinamento generalizado e fechamento de escolas não teriam efeito para conter a crise, embora essas sejam algumas das medidas adotadas internacionalmente sob orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Desde a noite de ontem, redes de apoio bolsonaristas têm convocado carreatas em favor da reabertura geral do comércio, que vêm ocorrendo em diversos pontos do país, pressionando governadores. O Planalto estimula o movimento, e até preparou peça publicitária sobre o tema.
Neste momento, Bolsonaro coloca todas as fichas na hipótese de que a epidemia no Brasil será branda. Ponto alto da alegada questão de princípio citada por Costa, o entorno presidencial teme que a estagnação ou recessão previstas para este ano com o impacto da desaceleração da atividade econômica afetem os planos reeleitorais do titular do Planalto e deem gás a rivais como Doria.
Até a quinta-feira (26), havia 77 mortos pela COVID-19 no país.
O isolamento vertical não é medida considerada eficaz em nenhum país. No começo da crise, o Reino Unido chegou a ensaiá-lo, defendendo a ideia de “imunização de rebanho”, ou seja, confinar os grupos de risco e permitir a circulação do vírus entre populações menos vulneráveis na esperança de que isso desidratasse a epidemia.
Não deu certo e, no dia 16, um estudo do Imperial College de Londres comparou medidas mundo afora e chegou à conclusão que o país teria o dobro de fatalidades pela COVID-19 se não tomasse medidas mais drásticas. Hoje o Reino Unido está em “lockdown”, com a população confinada — até seu premiê, Boris Johnson, está contaminado pelo vírus.
Nesta sexta-feira (28), o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, pediu desculpas por ter liderado um movimento semelhante ao que começou no Brasil. O #MilãoNãoPara ignorou riscos e estimulou a volta ao trabalho. Até aqui, o coronavírus matou 4.474 mortes na região da cidade italiana.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo