ESTUDO

SECA E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: Caatinga perdeu 40% de água original em 35 anos

 

 

O avanço da degradação ambiental, somado a um período de estiagens severas, levou o bioma da Caatinga a perder 40% de sua água de origem natural entre 1985 e 2020. O dado consta no estudo “Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra na Caatinga”, do projeto MapBiomas.

Ao todo, foram 79 mil hectares de superfície de água a menos nesses 35 anos, o que equivale a uma área de 96 mil campos de futebol oficiais.

A água natural de um bioma se constitui, especialmente, pelas bacias de rios e açudes já existentes na região.

A redução de água no bioma foi compensada, em partes, pela construção de fontes artificiais, como os reservatórios de hidrelétricas. Somando todas as formas encontrada na superfície, o estudo apontou para 922 mil hectares de extensão média da água mapeada em 2020 (menos 8,27% no período de 35 anos).

Onde está a água de superfície na Caatinga:

Hidrelétricas – 304.994 hectares (42,7% do total)
Reservatórios – 211.556 hectares (29,6%)
Natural – 196.365 hectares (27,5%)
Mineração – 1.584 hectares (0,2%)
Caatinga é um bioma que ocupa 844 mil km² do Nordeste e do norte de Minas Gerais, cobrindo 10,1% do território brasileiro. Nele, moram 27 milhões de brasileiros em 1.210 cidades —entre elas, uma capital: Fortaleza.

Segundo Washington Franca Rocha, coordenador da equipe de Caatinga do MapBiomas, a perda natural só não causou maiores estragos porque houve uma série de ações públicas recentes. “A gente verificou que, a partir de 2004, houve um investimento em construção de açudes, reservatórios, em infraestrutura hídrica para se armazenar água. Não tivemos uma crise hídrica mais grave por conta dessas ações”, afirma.

Menos vegetação, menos água
A perda de água tem relação direta com a perda de cobertura vegetal. A área remanescente de vegetação nativa, entre 1985 e 2020, por exemplo, caiu 10%. Dos dez municípios que mais perderam essa vegetação natural no período, oito ficam na Bahia.

Nesses 35 anos, foram ao menos 15 milhões de hectares de vegetação primária suprimidas. “O que sustenta o bioma é a vegetação que retém água, não permitindo que ela, de forma acentuada, vá parar no oceano. Se você tira essa cobertura vegetal de forma acelerada, o que vai acontecer é que áreas mais expostas, sem cobertura, tendem a ficar mais secas”, explica.

Isso acende um alerta a essas ameaças ao bioma. Reforça a condição de que o bioma está se tornando ainda mais seco. Tivemos uma redução contínua, não cíclica, como a gente consegue mostrar em um período de 35 anos. Algo está acontecendo na região que está se sobrepondo e causando a perda de água.
Washington Franca Rocha, do MapBiomas

Segundo Rodrigo Vasconcelos, da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) e da equipe do MapBiomas Caatinga, a queda começou a se acentuar a partir de 2009.

“Hoje, uma minoria [da água superficial] é natural, o que indica a necessidade de novas —e manutenção das atuais— políticas públicas para dar sustentabilidades a estados e municípios”, afirma.

O que fica claro, ao longo da série temporal, é que o bioma vem apresentando uma perda de água. Isso merece destaque quando avaliamos que essa redução ocorre em todas as bacias. Há uma forte tendência de diminuição em termos de área mapeada.

Rio São Francisco “seca”
Em 35 anos, o maior reservatório do Nordeste: o rio São Francisco, perdeu 30.679 hectares de superfície com água —o que corresponde a 4,16% do volume total.

O pesquisador Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite), da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), publicou um artigo –junto com outros pesquisadores, em 23 de setembro– em que aponta a degradação ambiental acelerando e causando danos na bacia.

“Nos últimos anos, toda aquela área do São Francisco vem enfrentando degradação, com a mudança no uso e ocupação do solo, que inclui a conversão de terras para a agricultura, em detrimento da vegetação nativa. Os períodos secos são relativamente comuns no rio São Francisco, mas há uma crescente preocupação sobre a capacidade de esse rio responder a esses eventos de secas”, conta.

Barbosa diz que isso ocorre em razão da tendência das secas se tornarem mais frequentes e extremas, devido aos efeitos da mudança climática.

O semiárido brasileiro é a região do Brasil mais afetada pela mudança climática. Simulações de modelos climáticos indicam possibilidade de redução de cerca de 40% das chuvas na região ainda neste século. A região já conta com 13% do seu território em processo de desertificação.

Segundo ele, as grandes secas que afetaram o rio São Francisco estiveram historicamente mais concentradas na região do Baixo São Francisco (entre Alagoas e Sergipe).

“Mas, de acordo com a nossa pesquisa, há sinais de condições crescentes de seca nas demais áreas da bacia, como é o caso do Alto e Médio São Francisco”, explica, lembrando que, nessas áreas, estão localizadas as usinas hidrelétricas de Três Marias (MG), Sobradinho (BA) e Luiz Gonzaga (PE), além de importantes áreas agrícolas”, revela.

Com a maior escassez de água, Barbosa ainda aponta para uma tendência de acirramento nas disputas pelo seu uso.

“A avaliação dos impactos de eventos intensos de seca na bacia do rio São Francisco é fundamental para desenvolver estratégias adequadas de adaptação e mitigação desses conflitos”, pontua.

Fonte: Polêmica Paraíba com UOL
Créditos: Polêmica Paraíba