Governo dispensa licitação, e distribuição registra problemas pelo país; pasta e firma dizem que qualidade foi mantida
A gestão do ministro Marcelo Queiroga (Saúde) contratou uma empresa que não teve experiências de transporte de vacinas no serviço público para executar a armazenagem e a logística de imunizantes contra Covid-19 para crianças.
As primeiras entregas de vacinas pediátricas da Pfizer foram marcadas por problemas em várias regiões do país durante o fim de semana, quando foi iniciada a imunização de crianças. O público é da faixa etária de 5 a 11 anos.
Os contratos com a IBL (Intermodal Brasil Logística), no valor de R$ 62,2 milhões, foram assinados em dezembro com dispensa de licitação.
Estados como Santa Catarina, Pernambuco, Paraná e Paraíba apontaram que imunizantes chegaram em condições inadequadas de armazenamento e transporte.
Em João Pessoa, por exemplo, a empresa não estava presente neste sábado (15) no aeroporto local para receber as doses, acondicioná-las e levá-las para o local indicado pelo governo estadual.
Os contratos assinados com a IBL têm duração de 12 meses, com permissão de prorrogação para até cinco anos, apesar do caráter de urgência para a dispensa de licitação.
A empresa foi escolhida pelo Ministério da Saúde para distribuir imunizantes pediátricos aos estados. A contratação foi feita mesmo já existindo um contrato em curso, tempo hábil para uma nova licitação e interesses de empresas de logística na disputa.
Além disso, a pasta concedeu um prazo de 60 dias para que a empresa fizesse ajustes necessários para entregar o serviço. A IBL afirmou não ter utilizado o prazo.
A empresa relatou à Folha, em nota, uma única experiência em transporte de vacinas, para um laboratório privado, segundo ela. “Por questões exigidas no compliance, declinamos nomear tal empresa.”
As entregas teriam ocorrido entre 2015 e 2018, ainda de acordo com a empresa. A IBL afirmou ter entregue 100% da carga da primeira demanda do contrato com o governo dentro do prazo e na temperatura exigida.
O ministério por sua vez afirmou, também em nota, que não houve prejuízo a nenhuma vacina pediátrica entregue aos estados e ao Distrito Federal. A pasta irá apurar eventuais falhas, conforme a nota.
Na pandemia, a IBL prestou um único serviço ao governo federal antes dos contratos das vacinas, conforme o Painel de Compras Covid-19 da União: coleta, separação e entrega de 100 mil máscaras para a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), a estatal que cuida dos hospitais universitários federais. O valor desse contrato foi de R$ 16 mil.
A especialização da IBL, levando em conta os contratos mantidos com o governo federal, é o depósito de mercadorias apreendidas pela Receita Federal em postos alfandegários.
Por serviços do tipo à Receita, a empresa já recebeu R$ 23,1 milhões da União, dos quais R$ 17,9 milhões (77,5%) foram pagos no governo Jair Bolsonaro (PL).
A empresa de logística também assinou um contrato com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), em 2020, no valor de R$ 2,3 milhões, para armazenagem e transporte de “produtos, materiais didáticos e técnicos”.
O TCU (Tribunal de Contas da União) abriu um processo para apurar supostas irregularidades na contratação da IBL sem licitação para o transporte de vacinas. Em dezembro, o tribunal cobrou explicações do DLOG (Departamento de Logística em Saúde) do Ministério da Saúde.
Secretarias estaduais de Saúde também manifestaram preocupação com o novo contrato para distribuição das vacinas pediátricas em razão da necessidade de condições especiais de armazenamento e transporte, em temperaturas especiais.
As vacinas da Pfizer começaram a ser entregues nos últimos dois dias. Os governos locais sentiram a diferença da troca de empresa e registraram uma série de falhas, como as condições das embalagens e mesmo a falta de equipes da empresa contratada para receber os imunizantes.
Apesar dos problemas em Santa Catarina, Pernambuco, Paraná e Paraíba, não há registros de vacinas perdidas, por enquanto, mas gestores estaduais estão preocupados porque novas remessas das doses estão previstas para esta semana.
Em João Pessoa, a empresa não estava presente no aeroporto local para receber as doses, acondicioná-las e levá-las para o local indicado pelo governo estadual.
O secretário estadual de Saúde, Geraldo Antônio de Medeiros, afirmou que um grande impasse foi criado, pois a companhia aérea não estava autorizada a liberar as doses para outros agentes, que não a equipe da IBL Logística.
“No momento em que chegaram as vacinas, a empresa não estava no aeroporto para poder rapidamente transportar para a rede da Secretaria Estadual de Saúde. Nós pusemos nossos veículos à disposição, mas a empresa aérea não entregava”, afirmou a secretário à Folha.
“A gente pegou o telefone da empresa [de logística], mas eles diziam que não havia previsão. Então foi preciso adotar uma pressão e dizer da responsabilidade do acondicionamento das vacinas, senão poderia perder essas vacinas. Foi aí que eles chegaram”, disse.
Segundo o secretário, os problemas se repetiram em outros estados. “Em quase todos os estados houve [problemas]. Houve essa contratação de uma nova firma, uma firma amadora, sem expertise de transportar vacinas, então em quase todo o Brasil houve esse problema com as vacinas”, disse Medeiros.
Em Santa Catarina, houve reclamação das condições em que as vacinas foram entregues e também de erros nos horários dos voos.
Neste sábado, o jornal O Globo mostrou que houve falhas na distribuição das vacinas após a contratação da IBL.
Quando do questionamento do TCU, o titular do DLOG, general Ridauto Lúcio Fernandes, afirmou ao tribunal no dia 21 do mês passado que a IBL seria a empresa contratada. No mesmo dia, ele confirmou a dispensa de licitação. O ato foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) no dia seguinte.
Os contratos também foram assinados no dia 22, um no valor de R$ 28,1 milhões, para armazenagem da vacina da Pfizer, e outro no valor de R$ 34,1 milhões, para o transporte, mantendo o imunizante na temperatura de – 90ºC a – 60ºC.
O general Ridauto foi quem assinou os contratos pelo Ministério da Saúde. Os extratos foram publicados no DOU no dia 30, penúltimo dia do ano.
Naquele momento, Queiroga e Bolsonaro atuavam para postergar a vacinação de crianças, apesar da autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) dada no dia 16 de dezembro.
O embasamento legal para a dispensa de licitação foi a lei de março de 2021 que prevê medidas excepcionais para a compra de vacinas, insumos e serviços de logística na pandemia, enquanto durar a declaração de emergência em saúde pública.
No caso dos contratos com a IBL, um dos problemas apontados por técnicos da Saúde e representantes do setor é que o ministério atribuiu importância principal para a possibilidade de menor valor durante o processo de escolha, deixando em segundo plano questões técnicas.
Empresas com expertise apresentaram ofertas que se mostraram pouco competitivas, em termos de valor.
As demais vacinas contra a Covid-19 seguem sendo entregues pela empresa VTCLog. A empresa se tornou alvo da CPI da Covid no Senado por suspeitas de corrupção. Cerca de 170 milhões de doses já foram entregues aos estados pela empresa.
O relatório final da CPI propôs o indiciamento da própria VTCLog e de alguns de seus diretores. A empresa segue distribuindo as demais vacinas contratadas pelo governo federal.
O Ministério da Saúde disse que não houve prejuízo para as vacinas distribuídas e que o envio das doses se deu em tempo recorde.
A pasta afirmou que a contratação da IBL se deu por meio de um processo seletivo, com a participação de diversas empresas consolidadas do setor, incluindo a VTCLog.
A IBL afirmou que os serviços de distribuição e acondicionamento das vacinas estão ocorrendo com altos padrões de segurança, que foram exigidos no chamamento público com dispensa de licitação.
“Estamos mantendo, durante as operações, um contingente considerável de profissionais do mais alto gabarito, a postos para garantir o atendimento de quaisquer demandas. Todas as etapas sob a nossa responsabilidade foram cumpridas com excelência, sem qualquer prejuízo ou risco à qualidade das vacinas”, disse.
Segundo a empresa, não houve comprometimento da integridade das vacinas por perda de temperatura.
“A IBL trabalha com equipamentos de última geração para garantir o cumprimento das exigências. A empresa tem os registros de todos os carregamentos operados até este momento, sem nenhum contratempo”, afirmou em nota.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba