Na semana em que o Brasil superou a marca de 365 mil mortes causadas pela Covid-19, a revista semanal francesa Le Point, de linha editorial de centro-direita, publica um contundente editorial sobre a incapacidade de Jair Bolsonaro em combater a epidemia e governar a maior economia da América Latina.
O texto assinado pelo ensaísta e advogado Nicolas Baverez mostra como o presidente de extrema direita, que tantas vezes apontou o risco de a esquerda transformar o Brasil na Venezuela chavista, está ele mesmo conduzindo o país a um colapso econômico e social comparável ao drama vivido pelos venezuelanos. “O Brasil terá uma última chance em 2022 de bloquear a marcha que está em vias de colocar o país na trajetória fatal da Venezuela chavista”, adverte a Le Point.
A França, que em muitos aspectos é “o Brasil da Europa”, pela tentação que representa a candidatura da líder de extrema direita Marine Le Pen para uma parcela do eleitorado, também terá uma eleição decisiva no próximo ano, prossegue o texto. “A campanha presidencial francesa será dominada por candidatos populistas de direita e de esquerda”, observa o editorialista. Para evitar um desastre semelhante ao que se vê atualmente no Brasil, Baverez recomenda aos franceses que recordem uma reflexão do escritor Charles Péguy (1873-1914), confirmada pelo Brasil de Bolsonaro: “O triunfo dos demagogos é passageiro, mas suas ruínas são eternas”.
Naufrágio sanitário, econômico e social
O Brasil, que responde por 60% da economia da América Latina, naufragou, constata a revista, apontando medidas recentes de Bolsonaro. “Inédito em um país assombrado pela memória da ditadura militar que reinou de 1964 a 1985, os chefes das Forças Armadas renunciaram para protestar contra a destituição do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, que havia rejeitado a politização do Exército”. A “valsa dos ministros da saúde – quatro desde o início da epidemia – e a demissão do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, acusado de postergar o aumento do preço do petróleo no preço de combustíveis” são outras decisões controvertidas citadas no texto.
“O desastre ocorre principalmente na saúde, mas o gigante latino-americano também está à beira de um colapso econômico e social”, ressalta o editorial.
“A recessão atingiu 4,1% em 2020 e continua em 2021, elevando o desemprego para 13,5%, enquanto a inflação subiu para 5,2% somente em fevereiro. Os trabalhadores do setor informal, que representam 40% da população ativa, sobrevivem apenas com auxílio social, que foi fortemente reduzido desde o início de 2021. O benefício de fato contribuiu para elevar o déficit para 13,7% do PIB e a dívida pública para 90% do PIB no ano passado. A consequência foi uma aceleração da fuga de capitais e a queda de 40% no valor do real.”
Internacionalmente, o líder brasileiro perdeu seu principal apoio com a derrota de Donald Trump, e a dependência de Brasília da China é cada vez mais forte, tanto no campo da saúde quanto no plano econômico e tecnológico, destaca a Le Point.
O Brasil também apresenta cada vez mais características de uma democracia iliberal, como são chamados os governos ultraconservadores de direita da Hungria e da Polônia, que cerceiam a liberdade de imprensa, perseguem opositores e controlam o Judiciário. “Como se não bastasse não lutar contra a Covid-19, Jair Bolsonaro está de fato destruindo os fundamentos do Estado de Direito”, denuncia a publicação. Na mesma linha de Donald Trump, “ele organiza metodicamente o caos para a eleição presidencial de 2022 a fim de se dar a oportunidade de desafiar o resultado”.
Incompetência e irresponsabilidade
Como o juiz do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin anulou todas as condenações do ex-presidente Lula, o petista poderá concorrer a um terceiro mandato contra Bolsonaro. “Assim como aconteceu nos Estados Unidos em 2020, a polarização política chegou a tal ponto [no Brasil] que existe o risco de se transformar em guerra civil”, teme a Le Point. Bolsonaro busca garantir o controle do Exército para permanecer no poder em qualquer circunstância.
“Para o Brasil, o pior ainda está por vir”, lamenta o editorialista. “O pico da epidemia está longe de ser alcançado; a economia está paralisada; a situação financeira é muito frágil; a democracia está sendo deslegitimada. (…) E o país tinha meios para enfrentar a epidemia de Covid-19: uma população jovem; a experiência com epidemias tropicais; uma forte indústria farmacêutica; um sistema público de saúde gratuito e universal. Mas essas forças foram frustradas pela incompetência e irresponsabilidade de Jair Bolsonaro”, conclui a Le Point.
Fonte: Carta Capital
Créditos: Polêmica Paraíba