Após o forte tombo no início da pandemia, o mercado de trabalho formal reagiu no segundo semestre de 2020, mas em ritmo diferente para homens e para mulheres. As recentes contratações de profissionais do sexo masculino para vagas com carteira assinada sobem mais do que para trabalhadoras.
Março, abril e maio foram marcados por um amplo movimento de demissões, em diversos setores de atividade econômica. Apesar da crise, o mercado de trabalho para homens, considerando todos os setores, já se recuperou.
Foram geradas 107,5 mil vagas com carteira assinada para trabalhadores do sexo masculino –resultado entre contratações e demissões de março (início da pandemia) a novembro. Isso quer dizer que há mais homens trabalhando com carteira assinada do que antes da crise da Covid-19.
Para as mulheres, o saldo é negativo. De março a novembro, foram fechados 220,4 mil postos de trabalho formais. Ou seja, há menos profissionais do sexo feminino com carteira assinada.
Com isso, o Brasil registra um saldo negativo de 112,9 mil empregos na pandemia – resultado puxado pelas demissões de mulheres.
“Tem muita vaga [de emprego aberta] na verdade. Já mandei meu currículo para muitos lugares, mas não estão me chamando [para trabalhar] mesmo”, diz Hellen Danielle Freitas, 20, que trabalhava em uma padaria na área nobre de Brasília.
Demitida em julho, ela passou a ajudar a família vendendo roupas como ambulante na estação rodoviária da cidade, mas não parou de procurar trabalho formal. “Carteira assinada é melhor, ter um dinheiro [fixo] todo mês”.
Hellen faz parte da lista de mulheres que ainda não conseguiram se recolocar no mercado formal. O Brasil fechou 1,6 milhão de postos de trabalho nos primeiros meses da pandemia. O efeito foi mais danoso para as trabalhadoras.
Em fevereiro, as mulheres representavam 40,75% dos contratos com carteira assinada e os homens, 59,25%. Mas, na conta das demissões, a proporção não foi seguida: elas foram 47% dos desligados na pandemia, enquanto eles somaram 53%.
Os dados detalhados são do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), obtidos pela reportagem.
Segundo o governo, a diferença no efeito da crise dependendo do gênero está relacionada a características da crise.
“Os setores com maior participação de mulheres [como comércio e serviços] foram mais afetados pelo fechamento de postos, em decorrência das medidas de distanciamento social para a prevenção de contágio”, ressalta nota técnica do Ministério da Economia.
Por outro lado, homens são maioria no mercado formal da construção e agropecuária, que se mantiveram quase estáveis diante da crise. Na indústria, outro setor que eles lideram, houve um tombo, mas a recuperação foi rápida.
Com as mudanças provocadas pela pandemia, as mulheres perderam representação no mercado formal de trabalho, caindo de 40,75% em fevereiro para 40,31% em novembro. Esse dado costumava sofrer pouca variação, por ser um retrato estrutural.
A professora Carmen Migueles, da FGV/Ebape, avalia que o fechamento de creches e escolas deixou as mulheres ainda mais sobrecarregadas, dificultando a conquista de uma vaga ou mesmo a chance de procurar um trabalho.
“Nas classes mais baixas, esse efeito é ainda maior, pois essas mulheres tendem a ter menos renda para encontrar quem cuide dos filhos, e elas já têm menos solidariedade masculina para as tarefas de casa”, afirma.
Migueles concorda com a análise do governo: a crise atingiu mais atividades desempenhadas por profissionais do sexo feminino. Para ela, o principal programa, principalmente com a retomada da economia em 2021, para derrubar as barreiras à contratação de mulheres deveria ser o suporte à maternidade em empresas privadas ou pelo setor público, pois mulheres já são, em média, mais qualificadas que homens.
Patrícia Ribeiro, 33, perdeu o emprego de cuidadora de idosos em março. “No começo da pandemia, me dispensaram porque disseram que eu poderia ser um risco [de contaminação de Covid] para a idosa”, conta.
A partir do fim de janeiro, ela voltará a ter carteira assinada. Desta vez, como empregada doméstica, na casa de outra família.
Até outubro, o mercado de trabalho para as mulheres estava ainda pior –elas eram 40,17% dos contratos formais do país, bem menor que o nível de fevereiro. Eram mais de 440 mil postos fechados para mulheres de março a outubro.
A recuperação se deu em novembro, principalmente com a retomada de contratações no setor de serviços e comércio, onde há maior concentração de trabalhadoras. Isso resultou num recorde de vagas criadas, de acordo com o Caged, em novembro: 414.556 novos contratos com carteira assinada no mês (considerando homens e mulheres).
O saldo positivo fez técnicos do governo arriscarem a previsão de que o dado de dezembro, a ser divulgado nas próximas semanas, poderá ser positivo (abertura de vagas). Dezembro costuma ser um período de demissão, quando as empresas desligam funcionários convocados temporariamente após a forte demanda nas festas de fim de ano.
O pesquisador Bruno Ottoni, do IDados e do Ibre, não acredita que o resultado do Caged de dezembro será positivo. “Por causa do aumento no número de casos e de mortes por Covid, muitas cidades estão se fechando novamente ou reduzindo o horário de funcionamento de lojas, por exemplo. Isso atrapalha um mês que geralmente já apresenta demissões”, justificou.
Portanto, há dúvidas se o aumento de contratações de mulheres no mercado formal em novembro foi pontual ou se será sustentável.
MEDIDAS DE ESTÍMULO
O governo avalia medidas para aumentar a empregabilidade, mas algumas esbarram na falta de recursos no Orçamento para serem viabilizadas. O foco é aprimorar o processo de procura de mão de obra e também a capacitação de profissionais para atender a demandas das empresas.
O Ministério da Economia não respondeu se tem medidas em estudo voltadas exclusivamente para mulheres. O Ministério da Mulher e da Família lançou recentemente o Qualifica Mulher, voltado para ampliar a inserção de trabalhadoras em situação de vulnerabilidade social no mercado. Mas ainda é um projeto piloto e com baixo orçamento.
Na pasta do ministro Paulo Guedes (Economia), está em estudo a reformulação do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), cuja verba vem sendo cortada nos últimos anos. O argumento que os cursos oferecidos não atendem à demanda do mercado de trabalho. Por isso, prepara, desde o início do governo, mudanças no programa.
Outra medida que já foi levantada é a reformulação do Sine (Sistema Nacional de Emprego) criado em 1975, ou até mesmo a privatização do órgão. Reduzir as agências físicas e ampliar a digitalização do Sine é um dos planos da equipe econômica.
Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress