O casal Wilians Costa e Silva e Grasiela Costa e Silva estava no sufoco em 2016. Os dois deviam R$ 15 mil, tinham parcelas do apartamento atrasadas e fazia um ano que distribuíam currículos sem sucesso algum. A crise que levou ao desemprego não deu refresco e o caminho foi o mercado informal: vender bebidas no baile de Paraisópolis.
O bar “Rei das Caipirinhas” deu certo e eles ficaram raízes. Tanto que estavam no local durante a operação da Polícia Militar no último domingo. Correram para baixar as portas e evitar efeitos colaterais da intervenção que terminou em nove pessoas mortas. O casal sabia do ambiente que conviveria desde que decidiu vender bebidas em Paraisópolis. Por este motivo, na primeira vez Wilians foi sozinho.
Encheu de mercadorias a caçamba de uma Fiorino e subiu o morro numa sexta-feira. A noite de estreia rendeu R$ 600. Mas é sábado o dia do baile grande. Mais R$ 1 mil entrou no bolso. Passados três anos, o casal está com 31 anos e não tem mais dívidas. Eles compraram um carro, cada um tem sua moto e o apartamento está em dia. Os dois viviam em Cotia e mudaram para Paraisópolis por causa do negócio.
“É duro. Vai das 10 da noite até de manhã, ganhei varizes, mas ganho mais que a diretora da empresa que trabalhava. A gente vive muito bem. Se eu soubesse, teria montado bar há mil anos”, disse Grasiela.
Presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, explica que há uma veia empreendedora muito forte no local. Acrescenta que 21% dos 100 mil habitantes trabalha no próprio bairro e que o PIB é de R$ 708 milhões. O movimento de abertura de negócios se intensificou em 2015.
A crise econômica brasileira que começou em 2014 fez muitas pessoas perderem o emprego e repetir o movimento do casal Wilians e Grasi. Há também dezenas de vendedores de doces e pessoas trabalhando em estacionamentos. Sérgio Ramos Carneiro, 44 anos, está sem carteira assinada há quatro anos e se mantinha com bicos até começar a vender chocolates, Hall’s e Trident no baile funk.
“Consigo sustentar a família. Mulher e três filhos. Se não tivesse conseguido, tinha ido embora, já teria desistido”.
Plano Diretor informal
Esta atividade comercial alterou a geografia de Paraisópolis. As ruas apertadas e calçadas estreitas são cercadas por mercearias, açougues, lojas, restaurantes e bares. Paraisópolis nunca teve Plano Diretor ou planejamento urbano. A dinâmica econômica local misturou áreas de comércio a áreas residenciais.
“As pessoas viram a possibilidade comercial com os moradores circulando. As casas de frente para rua e no térreo foram virando comércio”, explicou Gilson Rodrigues
Muitos destes negócios têm dupla identidade. Lojas de roupas e mercados reservam um canto para se converterem em bares durante as noites. Seja dia de baile ou não, Paraisópolis tem vida noturna. O UOL esteve no local na noite de quinta para sexta e havia muitas pessoas circulando e bebericando na companhia de uma porção de fritas.
Mas a estética local é diferente dos bares boêmios. Religiosa, Grasi admite que o começo assustou. Disse “minha nossa senhora” quando o marido mostrou as letras do funk. Até o desemprego, ela trabalhava no departamento de contabilidade de uma confecção da Oscar Freire, endereço que as grifes de luxo abriram lojas em São Paulo.
Paraisópolis é outro mundo. Bares e carrinhos de bebida providenciam imensas caixas de som decoradas com neon para atrair rodinhas de jovens. Um ambiente estranho para Grasi e Wilians. Mas o casal estava em sérias dificuldades financeiras e não havia alternativa.
E eles chegaram tarde. O presidente da União do Moradores e do Comércio de Paraisópolis contou que na época de crescimento da economia brasileira houve a chamada ascensão da nova classe C. Marcas conhecidas como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Bradesco e Casas Bahia abriram unidades em Paraisópolis para aproveitar o boom econômico.
O articulador cultura da ONG Rio de Paz, João Luis da Silva, explica que o momento mudou até a forma de expressão local. Nascia o funk ostentação em que “gente da quebrada” andava suave na nave tomando Red Label. MC Guimê cantava que virou amigo de Neymar na abertura da novela da Globo. Como a prosperidade não se sustentou, as letras das músicas mudaram.
“O funk fala da realidade das pessoas que vivem nas periferias”, avalia o articulador cultural.
Limpeza pública é feita por moradora
As obras de urbanização que estavam em andamento também pararam por causa da crise, permitindo a continuação de situações inusitadas por causa da falta de presença estatal. Wilians precisou se submeter a uma espécie de grilagem de calçada para ampliar o “Rei das Caipirinhas”. Mesmo sendo espaço público, teve de desembolsar R$ 30 mil para mulher que estava ali antes.
A aposta se mostrou um acerto comercial. Ele recuperou o investimento em meio ano e criou clientela fiel. Atende por aplicativo e entrega pedidos por WhatsApp. Entre os custos, há uma outra particularidade de Paraisópolis. Diferente de shows no Ibirapuera, ou da Paulista fechada aos domingos, não há serviço de limpeza pública.
Para evitar sujeira acumulada, cada dono de bar e de carrinho de bebidas paga R$ 10 a Ana Sobral, 52 anos. A senhora explica que o pai falava que estudar não colocava comida na mesa e mandava para roça. Sabendo apenas desenhar o nome, ela fechou acordo e coordena uma equipe de adolescentes que recolhe o lixo depois dos bailes.
Ana e nenhum outro morador de Paraisópolis estranha a ausência estatal. Ela está no DNA do bairro que se formou com a construção do estádio do Morumbi e do Hospital Albert Einstein. Os pedreiros nordestinos ocuparam uma área privada próxima. A situação levou a não ocorrer investimento público.
Também ensinou os moradores a saberem se virar. Paraisópolis tem 12 mil pontos comerciais.
Fonte: UOL
Créditos: UOL