Em 2019, o recém-empossado deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) deu entrevista para um perfil que a revista “Piauí” fazia sobre ele. Sempre se vangloriando, falou um pouco dos quase seis anos que viveu como soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, entre 2012 e 2018, antes de disputar a eleição que o levaria ao Congresso Nacional, em Brasília.
“Não dá para contar quantas vezes acionei o gatilho. Mas não tive desvios de conduta, nunca matei ninguém. Não por erro”, disse rindo. E completou, ao ser questionado quantos matou: “Devo ter o quê?! Uns 12, por aí. Mas dentro da legalidade. Em confronto policial. É sempre em confronto. Já fui alvejado também, patrulhando”, declarou à ‘”Piauí”.
O G1 e a TV Globo fizeram um levantamento nos registros de ocorrência para entender a atuação profissional do policial militar Daniel Lúcio da Silveira, RG 96.970, formado no Curso de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap) de 2012. A pesquisa desmente seu discurso.
Na PM, o Mancha – apelido da adolescência em Petrópolis, onde nasceu – virou o soldado Lúcio. Ao longo da carreira, ele jamais matou qualquer opositor em confronto armado. Não há qualquer registro de auto de resistência assinado por ele.
Carreira como PM discreta
Também não há registro oficial de que o soldado tenha disparado sua arma uma vez sequer.
“Para ele ter atirado, tem que ter havido resistência de algum opositor. Se alguém atirou contra o policial, ele teria que ter feito um registro de ocorrência. Se não fez, oficialmente não existiu, ou ele prevaricou”, diz um especialista em segurança pública.
O soldado Lúcio também jamais apreendeu uma arma de fogo. O mais próximo que chegou disso foi no seu último ano de corporação. Em 18 de janeiro de 2018, o soldado e seu companheiro de RP (radiopatrulha), lotados à época no 15º BPM (Caxias), pararam um carro com três homens.
No porta-malas do Fox, encontraram uma arma de airsoft. Nada de irregular foi encontrado no veículo. O jovem abordado, funcionário de uma empresa de impermeabilização, acabara de comprar a arma num site de vendas, por R$ 300, para jogar paintball. Explicou isso na delegacia e foi liberado.
Só dois flagrantes em sete anos
Raríssimas foram as prisões realizadas pelo policial Daniel Lúcio da Silveira. Ao longo dos sete anos, foram só dois flagrantes.
O primeiro, quando era aluno do Cfap e dava apoio nas operações de segurança nas praias. A orla do Rio de Janeiro estava lotada naquele domingo de sol, 18 de novembro de 2012, em virtude da 17ª Parada do Orgulho LGBT. Na dispersão da multidão, na altura do Posto 7, em Ipanema, dois homens furtaram uma máquina fotográfica de uma turista colombiana. Daniel e um colega de turma pegaram dois jovens e os levaram para a delegacia, onde foram autuados.
Em serviço, o soldado só voltou a uma delegacia para registrar qualquer ocorrência três anos e meio mais tarde. Já lotado no 23º BPM (Leblon), ele ficava baseado próximo à passarela da Rocinha. Ali, um homem bebeu demais, xingou os policiais e acabou detido por desacato e resistência – mas não ficou preso.
O outro flagrante que consta na ficha de Daniel é de uma prisão que, na verdade, foi feita pelo gerente de uma farmácia da Praça da Mantiqueira, em Xerém, na Baixada Fluminense. Lotado no 15º BPM (Caxias), em 24 de junho de 2017 a viatura do soldado Lúcio foi chamada pelos funcionários da drogaria que haviam pego duas irmãs furtando um gel lubrificante. Levadas para a delegacia da região, foram autuadas em flagrante por furto.
Existem 20 registros de ocorrência em que Daniel Silveira teve alguma atuação como policial militar: 40% deles, ou seja, oito vezes, foram encontros de cadáver. Todos no ano de 2017, em diferentes regiões de Duque de Caxias.
A dinâmica se repetia. Acionado pelo rádio para comparecer a algum local, o soldado Lúcio e seu parceiro de viatura seguiam até a rua indicada na denúncia e se deparavam com algum corpo. Ali, ficavam aguardando a chegada da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), que começaria a investigar o caso.
Dois desses cadáveres foram por morte súbita ou acidente, ou seja, sem sinais de violência. Um deles, um funcionário da Light, que morreu após receber uma carga elétrica quando fazia reparo num poste da Estrada da Petrobrás, em Xerém.
Dentre as outras atuações do policial militar foram dois acionamentos para acidentes de trânsito, duas brigas e uma explosão de caixa eletrônico. Quando chegaram, os bandidos já tinha fugido. Também fugiram os homens que furtavam petróleo de um duto em Caxias, encontrado pela patrulha do soldado Lúcio.
Para completar sua lista de ocorrências – média de menos de três por ano trabalhado –, Daniel Silveira foi duas vezes à delegacia de Itaipava no mesmo dia 6 de fevereiro de 2016.
Ele estava de folga e, ao sair de casa, percebeu uma movimentação estranha. Na mesma rua, viu três homens saindo apressados. Perto de uma obra, encontrou uma embalagem com 43 pinos de cocaína e 63 gramas de maconha. Levou o material para delegacia.
Horas mais tarde, ao voltar para casa, ele suspeitou de um outro homem, que foi revistado e com ele encontrado um pino de plástico, com 1 grama de cocaína. Ele foi levado para a 106ª DP como usuário.
Pouca ação, muita indisciplina
Enquanto a lista de ações do deputado não envolve ocorrências discretas, sobram punições e relatos de indisciplina.
Enquanto policial, Daniel recebeu 26 dias de prisão, 54 dias de detenção, 14 repreensões e 2 advertências. Ou seja, em menos de 70 meses de trabalho, Daniel Silveira foi punido 96 vezes – bem mais do que uma por mês.
O que diz Daniel Silveira
A defesa do deputado disse em nota que “todos os fatos já foram ampla e notoriamente esclarecidos e qualquer tentativa de trazê-los à tona mais uma vez corroboram apenas para o assassinato de reputação que se intenta contra o parlamentar”.
Fonte: G1 e TV Globo
Créditos: Polêmica Paraíba