Refugiados lidam com as barreiras do idioma, do preconceito, das diferenças culturais e com a saudade e a preocupação com quem ficou no país de origem. Em um momento como a pandemia do novo coronavírus, os desafios para essa população aumentam. Iniciativas de brasileiros e dos próprios estrangeiros que já se adaptaram no Brasil ajudam a aliviar as dificuldades.
Neste sábado (20), Dia do Refugiado, o mundo conta mais de 8,5 milhões de casos confirmados do vírus causador da Covid-19. No entanto, pela ausência de dados, não se sabe com precisão quantas pessoas em refúgio no planeta contraíram a doença.
A coordenadora de integração local da associação Cáritas do Rio de Janeiro, Débora Marques, explica que a situação dos refugiados se agrava na pandemia pela falta de uma rede familiar e porque muitos viram a renda praticamente zerar nesta crise.
“Pessoas em situação de refúgio estão muitas vezes nas camadas mais empobrecidas. E, mesmo que tenham formação superior específica, acabam no emprego informal em atividades encerradas com o distanciamento social”, analisa Marques.
O G1 ouviu relatos de refugiados e brasileiros que têm se ajudado neste momento de pandemia e crise econômica.
Brasileiros que ajudam refugiados
O venezuelano José Rafael Torres, de 31, chegou ao Brasil em setembro, resgatado na fronteira em Roraima após cair em um poço de 20 metros de profundidade enquanto trabalhava em um garimpo. Internado, pediu refúgio amparado pela decisão do governo brasileiro que considera a Venezuela em situação de grave e generalizada violação de direitos humanos.
Sem poder andar desde o acidente, José agora vive com a mulher, Arianys, e o filho, o bebê Jonathan, em Jundiaí (SP). Quando ainda estava em Roraima, internado, o venezuelano desenvolveu infecção urinária e desde então precisa de uma sonda que deve ser trocada a cada 20 dias. Ir ao hospital, porém, tornou-se atividade de risco no meio desta pandemia de Covid-19.
“Tive uma nova infecção e o médico não podia me internar. Outras pessoas também não puderam ser internadas”, relata José.
As dificuldades seriam ainda maiores se não fosse a ajuda da fisioterapeuta Juliana Zochetti, de 40 anos, embaixadora da associação Refúgio 343. Mesmo com as recomendações de ficar em casa, a voluntária se prontificou a acompanhar José aos tratamentos médicos. “Sei que deveria manter distância dos hospitais, mas alguém tinha que socorrê-lo”, afirma Juliana.
“Fui pedindo proteção. Penso em minha família, nos meus pais, mas o José está em grupo de riscos. São momentos muito difíceis”, conta a voluntária.
É Juliana quem muitas vezes faz as compras para que José e a família permaneçam em casa o máximo possível. Desempregado, ele e a mulher vivem com o auxílio emergencial — também pago pela Caixa a refugiados, que têm o mesmo direito dos brasileiros. A ideia deles, porém, é esperar a pandemia passar para que voltem a trabalhar.
“Quero ficar no Brasil por mais tempo, manter meu tratamento e dar passos adiantes na minha vida. Não quero voltar à Venezuela, não há recursos por lá”, diz o venezuelano.
Refugiados que ajudam brasileiros
Também venezuelano, Carlos Daniel Escalona Barroso, de 36 anos, vislumbrava um bom ano na empresa de eventos com pratos típicos venezuelanos que gere com a esposa, Marifer, em São Paulo. A Covid-19, porém, atrapalhou os planos do casal.
“Depois do Carnaval, começávamos a produzir mais e mais, mas aí veio a pandemia. Muitas pessoas que tinham fechado entrega conosco cancelaram, e precisamos devolver o dinheiro”, lamenta.
A produção diminuiu, mas não parou: agora, eles fazem encomendas para as pessoas em casa, principalmente bolos de aniversário. E, ao conseguir emprego em uma agência de publicidade, Carlos obteve uma nova fonte de renda que o ajuda a se manter com algum conforto nesta pandemia.
Com isso, Carlos decidiu ajudar aqueles em situação mais vulnerável no meio desta crise. Ele se uniu à organização IKMR para distribuir, junto a outros cozinheiros estrangeiros, marmitas às pessoas que moram nas ruas de São Paulo.
“Muitas pessoas foram afetadas, e aí falamos: chegou a hora de a gente ajudar. Topamos participar do projeto na hora”, relata.
Segundo Carlos, as marmitas são entregues em esquema de rodízio entre os participantes do projeto. A cada entrega, ele prepara cerca de 100 refeições. “Isso é bom, estamos ativos neste momento”, diz o venezuelano, que ressalta que permanece em casa quando não está fazendo as entregas.
“Ficamos com medo do vírus, sim. Aqui na região há muitos casos confirmados, então a gente só sai para o necessário.”
Preocupação global
Relatório divulgado nesta semana pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur) diz que, no fim de 2019, o mundo tinha 79,5 milhões de deslocados no mundo — o que representa cerca de 1% da população mundial. Além de pessoas em situação de refúgio, o número inclui cidadãos que foram obrigados a se mudar dentro do próprio país.
Esse balanço finalizado em 2019, portanto, não inclui os efeitos da Covid-19 nos refugiados. Com a falta de testes pelo mundo e a dificuldade em fazer triagem da origem das pessoas infectadas com o novo coronavírus, por enquanto não há dados oficiais sobre o total de deslocados no planeta que contraíram a doença.
Uma das maiores preocupações das organizações de direitos humanos é com refugiados e solicitantes que ainda estão em campos destinados a migrantes. Nem sempre abrigos oferecem condições de distanciamento social, e o impacto econômico da pandemia piora a angústia e os riscos dos refugiados.
A Acnur informa, em nota publicada em seu site, que trabalha para ajudar refugiados e outras pessoas em situação de deslocamento forçado com distribuição de água, equipamentos médicos e de higiene. “Quando possível, incrementamos os serviços de saúde pública e higiene em áreas que abrigam pessoas deslocadas, incluindo o transporte aéreo de equipamentos de emergência e estabelecendo unidades de isolamento”, diz a organização.
Fonte: G1
Créditos: G1