Caso o Auxílio Brasil seja mesmo reduzido a partir do ano que vem, aumenta o risco de um retrocesso no combate à pobreza infantil, avalia o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Em estudo publicado nesta quinta-feira (24), o órgão traçou os impactos da pandemia sobre as crianças em situação de pobreza monetária (aquelas que vivem com menos de US$ 5,50 por dia, ou cerca de R$ 26,78), e pobreza monetária extrema (menos de US$ 1,90 ou R$ 9,25 por dia).
Ao substituir o Bolsa Família, após 18 anos de existência, pelo Auxílio Brasil desde novembro passado, o governo aumentou o número de benefícios e estipulou um valor mínimo por família de R$ 400. Como há uma série de programas complementares, algumas famílias podem receber acima disso.
Segundo o Ministério da Cidadania, o Auxílio Brasil pagou um benefício médio de R$ 409 em fevereiro para 18 milhões de famílias, ao custo total de R$ 7,2 bilhões.
O valor, no entanto, só está garantido até o fim deste ano –uma situação que preocupa os especialistas no tema. Parte deles considera temerário que o auxílio mais robusto seja usado como moeda eleitoral, em um ano em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) deve tentar a reeleição.
Do ponto de vista das famílias, uma redução do benefício em 2023 também colocaria milhões de brasileiros vulneráveis em uma espécie de gangorra de renda, passando por aumentos e reduções bruscas de benefício em um intervalo curto de tempo, como ocorreu durante o auxílio emergencial –programa que teve diversos valores diferentes durante sua duração, intercalados por períodos sem pagamento.
Para evitar o pior cenário, de agravamento da pobreza infantil no próximo ano, o braço das Nações Unidas recomenda a garantia de fontes de financiamento para viabilizar o Auxílio Brasil no longo prazo.
“Embora seja positiva e necessária a ampliação dos valores médios previstos para o primeiro ano do Auxílio Brasil, será preciso não apenas manter patamares parecidos nos anos seguintes, mas regulamentar critérios de correção dos valores dos benefícios de modo a evitar perdas decorrentes da inflação”, diz o Unicef.
O fundo também recomenda que o governo garanta a sustentabilidade de programas que funcionem como mecanismos de expansão da cobertura em situações de emergência ou calamidade pública, como a pandemia de Covid-19.
Outro ponto destacado é a necessidade de expandir o Suas (Sistema Único da Assistência Social), para fortalecer a vigilância sócioassistencial e os mecanismos de busca ativa e de cadastramento da população não atendida pelo Auxílio Brasil, porém sujeita a cair na pobreza em casos de choques econômicos inesperados.
“Estima-se que cerca de 20% dos domicílios ficaram descobertos por qualquer tipo de transferência de renda após o fim do auxílio emergencial, em outubro de 2021”, diz a instituição.
Países com mais gastos acumulados para combater a pandemia, em % do PIB (Produto Interno Bruto)
1º Chile
2º Brasil
3º Peru
4º Polônia
5º África do Sul
6º China
7º Geórgia
8º Argentina
9º Rússia
10º Cazaquistão
Fonte: FMI, com Unicef
O Unicef conclui que o Brasil passa por uma encruzilhada no combate à pobreza monetária infantil, tendo acumulado um gasto considerável, que permitiu o amortecimento temporário do impacto da pandemia sobre as famílias, mas não sustentável.
O cenário é preocupante: as famílias com crianças e adolescentes são mais vulneráveis à insuficiência de renda e a pobreza infantil é consideravelmente maior do que a adulta.
Até o início de 2020, 20% dos adultos viviam abaixo da linha de pobreza enquanto 40% das crianças e adolescentes estavam na mesma situação.
O órgão avalia que o auxílio emergencial foi responsável, nos trimestres em que esteve em vigor, por evitar que cerca de 1,8 milhão de crianças estivessem em situação de pobreza e de pobreza extrema naquele momento.
“Com o auxílio emergencial, a pobreza monetária infantil diminuiu temporariamente –voltando a aumentar quando o benefício foi reduzido ou suspenso. Durante o terceiro trimestre de 2020, quando o auxílio de R$ 600 estava sendo distribuído, a pobreza monetária infantil caiu de cerca de 40% para 35%”, diz o documento.
O Unicef complementa que, sem o programa, a pobreza monetária infantil teria sido dez pontos percentuais maior no quarto trimestre de 2020, ou seja, cerca de 4,4 milhões de crianças evitaram a insuficiência de renda devido ao benefício naquele momento.
R$ 195,40 Era a renda mensal do trabalho por pessoa nos domicílios elegíveis ao Auxílio Emergencial e Bolsa família;
20% é a fatia de domicílios que ficaram descobertos por qualquer tipo de transferência de renda após o fim do Auxílio Emergencial, em outubro de 2021.
A vulnerabilidade das crianças também tem um forte fator racial. Nos dois últimos anos, a pobreza monetária extrema das crianças que não são brancas permaneceu estável em torno de 17% até o primeiro trimestre de 2020.
Ela caiu para 6% no terceiro trimestre de 2020, mas chegou a 20% no primeiro trimestre de 2021, com a redução do auxílio emergencial, e, finalmente, se estabilizou em 15% com a reintrodução do benefício nos períodos seguintes.
A pobreza e a pobreza extrema entre crianças negras é cerca do dobro do observado entre as brancas. Cerca de metade das crianças que não são brancas (pretas e pardas) estava abaixo dessa linha que separa a pobreza, tendo chegado a 55% no primeiro trimestre de 2021, mas retornando a cerca de 50%, nível semelhante ao de antes da pandemia, nos trimestres posteriores, com a volta do auxílio emergencial.
Do ponto de vista regional, essa situação de vulnerabilidade também é o dobro para as crianças do Norte e Nordeste em relação às demais regiões do país, diz o fundo.
Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress