Mudanças sugeridas pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, na lei que rege o funcionamento dos tribunais podem reduzir o poder do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão criado para exercer o controle externo do Judiciário e que completa neste ano uma década de funcionamento.
O capítulo de Lewandowski dedicado ao CNJ preocupa conselheiros e ministros, que atribuem sugestões a pressões de tribunais estaduais.
O presidente do STF enviou minuta da chamada nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) aos colegas de tribunal. Ele pretende discutir alterações no texto antes de mandar o projeto ao Congresso Nacional, onde ele precisará ser votado.
A minuta da nova lei da magistratura retoma questões já decididas pelo Supremo, como a autoridade do CNJ para julgar processos contra juízes, independentemente das corregedorias dos tribunais estaduais.
Outra proposta prevê que um magistrado só poderá ser interrogado por outro de instância igual ou superior. “A medida quebra a isonomia e cria, pelo menos, três castas no CNJ”, critica o conselheiro Gilberto Valente Martins, promotor de Justiça.
Dos 15 conselheiros, seis não são magistrados. E só os que são ministros de tribunais superiores poderiam atuar em relação a qualquer réu.
Os três juízes de primeiro grau não poderiam interrogar desembargadores. Além disso, os representantes do Ministério Público, da OAB, da Câmara e do Senado não poderiam investigar e nem julgar processos disciplinares contra magistrados.
Para Joaquim Falcão, professor da FGV Direito Rio e ex-conselheiro do CNJ, a proposta é inconstitucional e cria conselheiros de duas classes. “O CNJ foi criado como um órgão multirrepresentativo: magistratura, Ministério Público, advocacia e sociedade”, diz. “O CNJ não é um órgão dos juízes”, continua.
Na avaliação de Falcão, há a “tentativa de colocar outra vez os interesses da corporação de magistrados contra os interesses da sociedade”.
A minuta da nova Loman também estabelece que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não será submetido a decisões do CNJ. E prevê que o órgão não poderá expedir resoluções, o que pode invalidar conquistas importantes, como as resoluções sobre concursos públicos e nepotismo.
“Ainda há um ranço de parte da magistratura contra o CNJ”, afirma o ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do órgão. “O Supremo não pode subscrever qualquer proposta para enfraquecer o CNJ. Estarei ao lado dos críticos dessas medidas”, diz.
ANTÍDOTO
O ex-ministro do STF Ayres Britto, ex-presidente do CNJ, diz que “partilha da preocupação dos conselheiros contra qualquer tentativa de enfraquecer o CNJ, concebido como uma espécie de antídoto das disfunções financeiras e administrativas do Judiciário”.
“Estou imensamente preocupado com o risco de precarização, desprestígio e vulnerabilidade do CNJ, que deve operar com todo desembaraço”, afirma Britto.
Para Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, o CNJ está sendo esvaziado. Ela critica sobretudo a criação de conselho de presidentes de tribunais dentro do CNJ, sugestão do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil.
“O colégio é um órgão atípico, não oficial, extremamente corporativista e que exerce grande poder de pressão sobre a magistratura”, diz.
Já o representante do Senado no conselho, Fabiano Silveira, afirma que, “depois de anos e anos de espera”, a iniciativa de Lewandowski deve ser aplaudida.
“Trata-se de uma primeira versão para debate”, diz ele.
Mas, como a redação da minuta teve a participação das entidades de classe, Silveira afirma considerar o texto “muito generoso em benefícios e vantagens financeiras à magistratura”.
ESVAZIAMENTO
Às vésperas de completar dez anos, o CNJ encontra-se dividido e desestimulado.
O órgão funciona precariamente em cinco locais diferentes e, atualmente, procura uma nova sede.
Há 400 processos aguardando julgamento. Cerca de 40 tratam de resoluções e atos normativos com pedidos de inserção na pauta do órgão desde julho do ano passado.
Em novembro, sete conselheiros reclamaram da lentidão em ofício enviado a Ricardo Lewandowski.
Folha de S. Paulo