Acostumados com a tranquilidade do Campus Butantã da USP nos últimos anos, o casal de professores de matemática Kostiantyn Iusenko, de 39 anos, e Nataliia Goloshchapova, de 36, viveram momentos de horror no último mês.
Eles passavam férias em seu país de origem, a Ucrânia, antes do início da guerra. Com a invasão russa, acabaram tendo que dormir nove dias em um corredor para se proteger, ficaram em um abrigo improvisado no subsolo, e encararam uma longa viagem para fugir de Kiev.
O casal mora há cerca de 10 anos no Brasil e costumava visitar anualmente a Ucrânia. Após dois anos de pandemia sem conseguir viajar, as férias de janeiro deste ano foram muito esperadas. Eles mataram as saudades da família e também das comidas típicas, como o vareniki (parecido com um ravióli) e o borsch (uma sopa tradicional ucraniana).
No final de janeiro, na data marcada para voltar a São Paulo, veio o primeiro impedimento. O casal havia contraído Covid-19 e teve que remarcar a passagem para um mês depois. No dia 24 de fevereiro, quatro dias antes da viagem de retorno, a Rússia invadiu o país e iniciou a guerra.
Eles queriam atravessar a fronteira para tentar voltar ao Brasil, mas com a guerra e a decretação da Lei Marcial na Ucrânia, homens ucranianos de 18 a 60 anos foram impedidos de deixar o país. Nataliia não quis deixá-lo.
Inicialmente, eles não acreditavam que a capital seria atacada. Imaginavam que o conflito, se fosse concretizado, ocorreria no leste do país, onde há uma disputa com separatistas desde 2014.
“A Nataliia estava em nosso apartamento dormindo, eu liguei, acordando ela, e falei ‘a guerra começou’”, contou o ucraniano.
A primeira reação do casal foi “se mudar” para o corredor do apartamento.
“O corredor tem duas paredes muito grandes, e quando tem ataque aéreo, é onde há mais chance de sobreviver”, disse Kostiantyn. Lá eles passaram nove dias, comendo e dormindo naquele espaço.
Os professores também passaram dois dias em um abrigo improvisado no subsolo do prédio em que estavam, com outras 40 pessoas.
Ao ver os ataques se intensificando em Kharkiv, segunda maior cidade do país, o casal decidiu deixar a capital ucraniana, com medo de que os atentados também aumentassem por lá. Além disso, eles assistiram ao esvaziamento do bairro – e dos produtos nas prateleiras dos supermercados.
Para Nataliia, após os primeiros bombardeios, os invasores mudaram sua estratégia de ataque. “Os russos não conseguem ganhar do jeito militar e agora eles têm postura de terroristas, fazem terror com pessoas civis”, disse a professora.
O casal decidiu se abrigar na casa da irmã da Nataliia, que fica em Ternopil, no oeste do país, a cerca de 400 km de Kiev.
A viagem, que normalmente levaria cerca de sete horas, levou 22, já que o casal buscou caminhos alternativos para fugir de possíveis conflitos e bombardeios.
“E também tinham muitos postos de defesa territorial, e em cada posto você precisa parar, mostrar bagagem, documentação, e isso demora”, contou Nataliia.
Em Ternopil, apesar da presença de pessoas armadas na rua, a situação é menos violenta, segundo os docentes.
“Tem dias que têm muitos alertas de ataques aéreo, anteontem teve acho que sete desses sinais de ataque aéreo, mas ontem não teve nada, foi um dia tranquilo”, disse a professora.
Agora, o casal tem uma nova esperança de conseguir deixar o país. “Acho que o problema principal é que o Kostiantyn não pode sair devido a Lei Marcial, mas parece que a Ucrânia começou a flexibilizar as regras”, disse Nataliia. Segundo o casal, o país estaria permitindo que pessoas que comprovam que moram em outros países atravessem as fronteiras.
Enquanto providenciam a documentação para tentar sair da Ucrânia, eles também aguardam o avanço de um pedido de naturalização feito ao governo brasileiro em junho de 2021.
No entanto, segundo Kostiantyn, o processo está emperrado devido a burocracias. “Em algum momento eles pediram para eu ir presencialmente e fazer a biometria, mas já fiz isso várias vezes na Polícia Federal”, conta o professor.
O casal contou que tem recebido muitas mensagens de apoio de alunos e colegas da universidade, que chegaram até a oferecer estadia em casas de amigos e familiares em outros países da Europa, como Alemanha, Espanha e França.
“A gente queria agradecer nossos colegas, que sempre nos dão apoio constante, carinho, e isso ajuda bastante, recarrega nossas energias”, disse Kostiantyn.
Além disso, a própria universidade entrou em contato com as autoridades brasileiras para tentar auxiliar a situação dos docentes.
“A Reitoria da USP esteve em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Polícia Federal e membros da Embaixada Brasileira na Ucrânia, que foram muito receptivos à demanda da Universidade. Entretanto, o que impede o retorno do professor ao Brasil é a Lei Marcial da Ucrânia, que proíbe homens dos 18 aos 60 anos, naturalizados ou não, de deixarem o país”, informou a universidade em nota.
Questionado sobre o pedido de naturalização e a burocracia do processo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que “não se manifesta sobre casos de naturalização em andamento e não divulga informações sobre situação migratória de imigrantes, as quais se constituem de dados pessoais”.
Enquanto não consegue sair da Ucrânia, os professores sonham com a tranquilidade de sua casa em São Paulo. “E também ver os colegas. Queria vê-los pessoalmente e abraça-los. Aqui na guerra, especialmente nos primeiros dias, quando foi mais assustador, a primeira coisa que você faz no dia é ligar para os seus amigos, perguntando como estão. E se você vê algum amigo você o abraça porque ele sobreviveu àquela noite”, diz Kostiantyn.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: G1 Globo