“Aqui escreve uma mãe desesperada, ré primária e com bons antecedentes criminais. Implora ajuda para cuidar da minha filha.” Esta é uma das centenas de cartas de detentos que chegam semanalmente ao STF (Supremo Tribunal Federal) suplicando por liberdade. Enviadas de dentro dos presídios espalhados pelo país, os textos são escritos à mão e, muitas vezes, em pedaços de papel higiênico, em guardanapos ou pacotes de pão.
As correspondências chegam até Brasília e abarrotam as caixas do departamento da Central do Cidadão do STF –canal direto da Corte com a sociedade. Muitas vezes sem dinheiro para pagar advogados, os presos encontraram na via uma possibilidade para mandarem seus pedido de revisão de processos, redução de pena, saídas no Natal, Dia das Mães e denúncias de maus tratos na cadeia. Só neste ano, 10.429 cartas deste tipo chegaram ao Supremo –cerca de 52 por dia. Os apelos, porém, têm pouco efeito prático.
A reportagem do UOL teve acesso a alguns dos textos, com confissões e até arrependimentos. Algumas copiam o formato de petições de grandes escritórios de advocacia, mas o advogado dá lugar ao escrivão da prisão – geralmente, um preso mais letrado – como “impetrante”. O paciente é o réu.
Um dos textos é enviado por uma mulher presa há nove meses por envolvimento com o tráfico de drogas. A detenta, que trabalhava como motorista de Uber antes de supostamente se envolver com o crime, alega inocência e diz que foi usada como “laranja”.
Na carta, a remetente se dirige ao ministro do STF, Dias Toffoli, e diz ter sido vítima de uma ação orquestrada pelo marido. “Sou profissional, nunca tive qualquer envolvimento possível com a criminalidade, tráfico de drogas ou qualquer situação parecida”, escreve. “Por algum momento, fui usada como laranja, mas como foi feito, realmente, não sei”, diz.
A mulher afirma ainda que sua audiência de custódia estava prestes a ocorrer, mas que, até então, não havia recebido resposta em relação ao andamento do processo. Além disso, afirma que sua filha de 9 anos está sob a guarda da avó, doente, e que o pai é dependente químico e não presta assistência.
“Emploro encarecidamente que me seja concedido habeas corpus para que eu consiga obter um maior contato com a minha filha que tem a idade de sete anos e seis meses e hoje se encontra em guarda provisória com a minha mãe, que não tem condições financeiras e de saúde para poder se manter na guarda da mesma, pois não tem renda fixa mensal e nem pensão e a mesma trabalha com reciclagem, problemas de labirintite, descalcificação óssea e 70 anos. Quanto ao pai da minha filha, o mesmo não é capaz de cuidar da minha filha, pois o mesmo é dependendo químico e nunca teve compromisso de pensa”. Trecho de carta de presa recebida pelo STF.
“Caso me seja concedido esse pedido, estarei cumprindo toda e qualquer exigência que for cabível. Fico guardo de sua digníssima aprovação para que eu possa voltar ao convívio familiar, finaliza.
Em outra correspondência recebida pelo tribunal em fevereiro deste ano, o preso se dirige a Toffoli em uma carta escrita em papel higiênico. “Excelentíssimo ministro, esse processo chegará em mãos de vossa excelência, peço com muito respeito uma análise, pois pago por um crime que não devo”, diz o preso, que conta ter três filhos menores de idade e uma mãe doente “que estão sofrendo com isso tudo”. O nome e o presídio foram preservados pelo STF para não quebrar o sigilo. A reportagem manteve a grafia das palavras usadas pelos presidiários.
“Aguardo este deferimento”, diz, na carta em papel higiênico que foi escaneada para papel comum em seis partes pela equipe da Central do Cidadão. No final, o preso informa que está na cela de número 36 pavilhão 10. A informação é necessária, segundo o gerente do canal, Jean Mary Almeida Soares, para que sua equipe responda aos presos, o que era feito até dezembro do ano passado, quando a função foi passada para a DPU (Defensoria Pública da União).
Pedidos têm pouco resultado
Como o STF julga os casos de repercussão nacional e não atribuição para interferir na maior parte destas situações relatadas nas cartas, o presidente Dias Toffoli fechou um convênio com a DPU no final do ano passado, para que elas pudessem ser avaliadas.
A defensoria examina a viabilidade jurídica dos pedidos e se podem ser transformados em petições. O órgão explicou que a grande maioria é repassada às Defensorias Públicas Estaduais, porém, a maior parte é “barrada”. A defensoria informou também que ainda não tem o balanço das cartas que resultaram em algum desfecho.
“Me monitoram através de um chip”
Junto com as cartas de pedidos de presos, o STF também tem recebido constantemente lamentos de pessoas que dizem estar “chipadas”, segundo Soares. Há casos até de pessoas que comparecem no balcão do atendimento do canal do Supremo para informar que receberam chips em seus corpos.
Em uma das cartas, uma mulher diz que está sendo usada de cobaia por uma quadrilha no Rio de Janeiro que a monitora por um chip. “Vem a ser um micro computador que vieram a introduzir no meu corpo cirurgicamente e covardemente no mês de junho de 2004. Esta quadrilha veio a cometer a maior chacina já feita nesse país, cometida por policiais militares nesta data 29/3/2005”, relata.
Ela acrescenta que já é a quarta vez que aciona autoridades para tomar providências em relação ao seu caso. Soares diz que esses tipos de carta são classificados como irreais e vão para o arquivo. Para o mesmo destino vão as cartas com ofensas aos ministros, que também costumam chegar no canal, mas não às mãos dos verdadeiros destinatários. “Preferem descartar este tipo de conteúdo”, diz o coordenador.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba