Presa há quase um ano, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, ex-presidente do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia), continua a figurar na folha de pagamento do órgão.
Ela está presa preventivamente desde o dia 29 de novembro de 2019, quando foi alvo da Operação Faroeste, sob suspeita de participação em um esquema de venda de decisões judiciais e grilagem de terras. Atualmente, Maria do Socorro está custodiada no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal.
A defesa nega as acusações e diz ver na prisão uma espécie de cumprimento antecipado de pena (leia abaixo).
Com status de servidora em situação funcional ativa, Maria do Socorro já recebeu durante o período de reclusão R$ 459 mil, de acordo com dados disponíveis no site do tribunal com informações até setembro.
O valor leva em conta o recebimento de benefícios como abonos e gratificações, em valores brutos, sem os descontos da Previdência e do IR (Imposto de Renda). Apesar da prisão e do afastamento da ex-presidente do TJ-BA, os pagamentos não são ilegais.
Hoje, o salário de um desembargador no TJ-BA é de R$ 35.462,22. A categoria pode receber até 90,25% da remuneração de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), que é de R$ 39.293,00, teto do funcionalismo.
Em dezembro do ano passado, Maria do Socorro obteve um rendimento bruto de R$ 65.369,59, quase o dobro do piso a que tem direito.
O montante incluiu R$ 35.462,22 de gratificação natalina e R$ 23.642,66 relativos a férias. Ainda que descontadas as contribuições previdenciárias e do IR, a magistrada recebeu R$ 45.889,76 líquidos, o que é permitido por lei.
Já o contracheque de janeiro somou R$ 59.458,04 em rendimentos. Nesse caso, os benefícios acrescidos foram R$ 4.964,71 de abono de permanência, R$1.300,00 em indenizações e R$ 17.731,11 de adiantamento de gratificação natalina.
Nos meses subsequentes, os vencimentos de Maria do Socorro giram em torno de R$ 41.700.
Além do salário, desembargadores têm direito a auxílio-alimentação, férias anuais, licença-prêmio e dias de compensação por cumulação de funções.
O que diz a lei
Um juiz afastado só perde o salário se a pena aplicada for a de demissão, o que ocorre apenas quando há condenação criminal transitada em julgado, o que não é o caso de Maria do Socorro.
Procurado, o TJ-BA declarou que o Poder Judiciário do Estado vem cumprindo integralmente a decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que determinou o afastamento cautelar “sem prejuízo da remuneração do cargo da Desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago”.
A prisão da desembargadora foi decretada pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Og Fernandes, a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), diante de indícios de que ela estaria destruindo provas e descumprindo a ordem de não manter contato com funcionários da corte.
Além dela, também estão presos dois empresários, um juiz, um advogado e um ex-servidor da corte baiana.
Ao longo dos últimos meses, as defesas dos investigados no caso entraram com mais de 20 pedidos de revogação da prisão preventiva, recursos estes negados pelo ministro Og Fernandes.
Em sua decisão mais recente, proferida em 9 de outubro, ele renovou por mais 90 dias as respectivas medidas, sob a justificativa de que a liberdade dos investigados “causa perigo à ordem pública e à ordem econômica, além de colocar em risco a instrução do processo”.
O que diz o CNJ
De acordo com o CNJ, na esfera administrativa, na qual o conselho atua, enquanto um magistrado responde a processo disciplinar, ele recebe normalmente sua remuneração, conforme prevê a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
“A desembargadora foi presa no âmbito de um processo penal. No caso de condenação penal, por crime relacionado à função que desempenhava na magistratura e a decisão transitar em julgado, ou seja, quando não for mais possível a apresentação de recursos, o magistrado pode perder a aposentadoria. A tese, no entanto, não está pacificada”, afirmou em nota.
Desde 2006, ao menos 118 membros do Judiciário sofreram punições administrativas impostas pelo CNJ, dentre os quais sete integrantes do TJ-BA.
Ao todo, foram penalidades como advertência (8), censura (17), remoção compulsória (7), demissões (5) e disponibilidade (15), situação em que há afastamento temporário do profissional, dificultando o avanço na carreira.
A aposentadoria compulsória, a mais grave das cinco penas disciplinares contra um juiz vitalício, foi imposta a 66 magistrados.
O que diz a defesa de Maria do Socorro
Os advogados de Maria do Socorro afirmam não haver razoabilidade nem proporcionalidade para se manter e “perpetuar no tempo” uma prisão cautelar.
Na avaliação dos representantes da desembargadora, a regra no processo penal prevê a liberdade e, apenas em circunstâncias excepcionais, se poderá conceber a necessidade da prisão cautelar, o que, avaliam, “jamais se poderá converter em cumprimento antecipado de uma eventual pena, o que é vedado expressamente em nossa Constituição e em tratados e normas internacionais”.
Para os advogados Bruno Espiñeira Lemos, Victor Minervino Quintiere e Maurício Mattos Filho, não há provas “capazes de indicar que a desembargadora Maria do Socorro tenha exercido qualquer papel, muito menos de destaque dentro do suposto esquema de funcionamento da organização criminosa de venda de decisões judiciais para legitimação de terras no oeste baiano.”
Fonte: UOL
Créditos: UOL