Pela primeira vez desde a redemocratização, o país atravessa o 31 de março com um presidente da República que nega testemunhos e provas sobre a tortura ocorrida durante o período da ditadura militar. Ao contrário, faz questão de mitificar um de seus personagens mais sangrentos.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fortalece a tentativa de revisão do período histórico, uma vez que diz considerar que não houve golpe militar, mas um movimento em valor da “independência do Brasil”.
“31 de março de 1964, data da segunda independência do Brasil.”
“Era completamente diferente de hoje. Naquele tempo você tinha liberdade, segurança, ensino de qualidade, a saúde era melhor”.
“A nossa liberdade e a nossa democracia devemos, em especial, aos militares, que evitaram que o Brasil fosse comunizado em 1964.”
Em 2019, assim como faz desde os anos como deputado, ele defendeu a comemoração da data e pressionou os militares para que unidades do exército celebrassem os 55 anos da “revolução”. Uma juíza federal chegou a proibir as comemorações, mas, no sábado (30), a desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), sediado em Brasília, derrubou a decisão da primeira instância.
Pelo menos duas unidades, EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército) e o COTer (Comando de Operações Terrestres), já incluíram entre as datas festivas de seus calendários oficiais a “Revolução democrática de 1964”.
Mas, para refrescar a memória de muitos brasileiros que, como Bolsonaro, consideram que o Brasil viveu naqueles anos um período “glorioso”, separamos 9 pontos importantes para entender o que realmente foi a ditadura militar no País.
Como começou a Ditadura Militar
Em 31 de março de 1964, tropas do Exército começaram a se movimentar, no que seria o início do golpe militar que resultou no afastamento do então presidente João Goulart (PTB), que tinha assumido o posto em setembro de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. Na época, os militares justificaram o afastamento do presidente sob uma suposta ameaça comunista que pairava sobre o Brasil.
Jango, como era conhecido, percorreu parte do país no dia 1º de abril para tentar obter apoio político e, na madrugada do dia 2, quando ele estava no Rio Grande do Sul, o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República. A base teria sido o artigo 85 da Constituição de 1946: “O presidente e o vice-presidente da República não poderão ausentar-se do país sem permissão do Congresso Nacional, sob pena de perda do cargo”. Jango só deixou o País, no entanto, rumo ao Uruguai dois dias depois.
O Marechal Castello Branco assumiu o poder no País em 15 de abril, após eleição indireta no Congresso. A ditadura durou até 1985, quando houve a eleição de Tancredo Neves. A partir do afastamento de Jango, diversos Atos Institucionais foram colocados em prática e passaram a determinar a repressão aos opositores do regime e a limitação da liberdade de imprensa e expressão.
A “ameaça comunista”
Na década de 60, o Brasil vivia o contexto da Guerra Fria que influenciava todo o mundo. Por aqui, circulava entre os militares a ideia de que militantes comunistas estariam preparando uma guerra revolucionária que transformaria o Brasil em um país similar a Cuba.
Mas, apesar da ideia que foi criada de uma “iminência de ameaça”, o governo de João Goulart não era comunista.
Jango defendia que o governo fizesse “justiça social” através das reformas de base. O seu partido, o PTB, foi fundado por Getúlio Vargas em 1945, tinha amplo apoio das bases sindicais e defendia o nacionalismo próximo ao anti-imperialismo.
Para o historiador Boris Fausto, não havia ameaça de implantação de um regime comunista, mas o País enfrentava uma divisão.
“O que havia era uma situação de divisão do país, de uma radicalização. Às vezes, era efetiva, às vezes, era mais verbal do que efetiva. Agora, evitar essa situação por um golpe que durou 20 e tantos anos, aí as coisas pesam de um modo diferente na balança. Se houvesse uma convicção de que era preciso enfrentar, sim, uma situação muito difícil mas preservar de qualquer forma as instituições democráticas, a gente não teria chegado ao ponto que chegou, e, enfim, com o fechamento que foi grave em 64, e se tornou gravíssimo em 68 e resultando num período triste, difícil da nossa história”, explicou Fausto em entrevista à agência Pública.
Os Atos Institucionais
O primeiro dos Atos Institucionais deu ao governo militar o poder de alterar o texto da Constituição Federal. Entre as modificações realizadas, foi decidido que a eleição do presidente da República passaria a ser indireta. Além disso, a junta militar passou a ter o poder de cassar os mandatos de parlamentares.
Em 1965, o Congresso elegeu o Marechal Castello Branco. Ele assumiu a Presidência em 15 de abril com mandato previsto até 31 de janeiro do ano seguinte. De acordo com o AI-1, novas eleições diretas ocorreriam em outubro de 1965 para decidir o presidente do País após o período de transição governado pelo militar. Mas isso não ocorreu.
As eleições diretas foram canceladas por meio de um novo ato institucional. O AI-2 fechou o Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Ainda extinguiu os partidos até então existentes na disputa política e o Brasil passou a ter apenas duas siglas: a Arena, do governo, e o MDB, da oposição.
Em seguida, vieram o AI-3 e o AI-4, que instituíram eleições indiretas para governadores dos estados e estipularam a nomeação de prefeitos. Também foi convocada uma reunião para discutir uma nova Constituição, mais alinhada ao governo militar, que foi publicada em janeiro de 1967.
A fase mais dura e mais sombria do regime, contudo, ainda estava por vir.
O que foi o AI-5
Em 2008, uma pesquisa Datafolha revelou que 8 entre 10 brasileiros nunca ouviram falar do AI-5, um dos principais símbolos do período militar.
Editado pelo general Costa e Silva em 1968, o AI-5 autorizou os militares a fecharem o Congresso por tempo indeterminado e a cassar mandatos, além de suspender direitos políticos de todos os brasileiros por tempo permanente e estabelecer a censura prévia à imprensa.
Durante os 10 anos em que esteve em vigor, o ato institucional serviu de base para a cassação de mais de 100 congressistas e a censura atingiu cerca de 500 filmes, 450 peças, 200 livros e 500 músicas.
Ele também inaugurou o período de maior repressão da ditadura. Em 2014, um o relatório final da Comissão Nacional da Verdade afirmou que, pelo menos, 423 pessoas foram mortas ou desapareceram no período.
Fonte: huffpostbrasil
Créditos: huffpostbrasil