Petrobras quer recuperar boa imagem e começa a pagar mais impostos

Após mudança de comando, estatal suspendeu engenharias financeiras para resgatar credibilidade

A diretoria financeira da Petrobras decidiu alterar o planejamento tributário da estatal e adotar regras mais conservadoras no recolhimento de impostos. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, a petroleira deixou de se arriscar com engenharias financeiras que poderiam resultar em questionamentos do Fisco ou da Justiça, em um esforço para resgatar a credibilidade perdida. Com a mudança, passou a pagar mais tributos, ajudando a reforçar a arrecadação federal. Em abril, o recolhimento de impostos e contribuições do setor de petróleo rendeu aos cofres públicos federais nada menos que R$ 4,4 bilhões, 130% mais do que no mesmo mês do ano passado.

Fórmulas sofisticadas de planejamento tributário foram a saída encontrada pelas gestões anteriores da empresa para lidar com a alta do preço internacional do petróleo no passado, sem aumentar os combustíveis. Ao pagar menos impostos, a estatal não sacrificava o lucro e podia suportar o congelamento dos preços da gasolina — e, assim, a empresa pôde segurar a pressão inflacionária na gestão do ex-ministro Guido Mantega na Fazenda.

— Basta comparar a arrecadação do setor agora e no mesmo período do ano passado — disse uma fonte do governo, referindo-se à mudança de postura da estatal.

BRIGA COM A RECEITA

Os números comprovam. Nos dois primeiros meses do ano, a arrecadação do setor petrolífero teve um crescimento mensal de 6% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Com as mudanças no comando da Petrobras, no início deste ano, os resultados começaram a aparecer na arrecadação. Em março, a soma dos tributos gerados pelo setor, que tem na estatal a maior pagadora de imposto, chegou a R$ 2,6 bilhões, crescimento de 17% em relação a março de 2014. Em abril, o montante mais que dobrou.

— As mudanças são extensas — confirmou uma fonte da estatal, sob condição de anonimato.

Segundo técnicos, a mudança no planejamento tributário foi determinada pelo novo diretor de finanças da Petrobras, Ivan Monteiro. Ele era vice-presidente do Banco do Brasil e mudou de ramo junto com o ex-presidente do BB e atual comandante da Petrobras, Aldemir Bendine.

Instituições financeiras e o setor de petróleo são os segmentos da economia que mais fazem planejamento tributário por causa da elevada carga de impostos. Segundo fontes ligadas à estatal, em diversos momentos, os executivos da Petrobras aproveitaram brechas na legislação para pagar menos impostos.

No passado, o planejamento tributário era feito, por exemplo, em exportações de plataformas para subsidiárias no exterior. Esses ativos nunca saíram do país, mas foram enquadrados como insumos. Outro item onde haveria espaço para a empresa decidir como tributar, segundo os técnicos, é a compra de equipamentos como broca ou insumos como a “lama” (composto usado na perfuração em águas profundas). Havia também uma discussão sobre como classificar equipamentos como a “árvore de natal” (tipo de conjunto de válvulas).

A participação da empresa em cada campo de petróleo também abria brechas para o planejamento tributário, já que esses campos poderiam ser classificados de várias formas.

Usar brechas na legislação para pagar menos impostos era prática adotada na Petrobras pelo menos desde 2008, quando a estatal era comandada por José Sérgio Gabrielli. Na época, o então diretor de Finanças, Almir Barbassa, mudou a forma de recolher os impostos que incidem sobre ganhos decorrentes da variação cambial incidentes sobre ativos no exterior. Passou do regime de competência para o regime de caixa. Isso gerou para empresa cerca de R$ 4 bilhões em créditos adicionais do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

O problema é que, na época, a Receita Federal entendia que um pessoa jurídica não podia alterar o regime no meio do ano-calendário. Um dia depois de a manobra ser revelada pelo GLOBO, o Fisco chegou a divulgar uma nota para deixar claro que a alteração não era permitida. Isso abriu uma crise no governo, provocou a queda da então secretária da Receita, Lina Vieira, e ainda resultou na abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a Petrobras.

REFORÇO NO CAIXA EM MEIO AO AJUSTE FISCAL

O assunto só foi resolvido definitivamente no ano seguinte. Alegando que não havia uma clareza sobre o tema na legislação, a Receita se posicionou oficialmente e definiu que a mudança poderia ser feita no meio do ano com autorização do Ministério da Fazenda e desde que houvesse uma variação cambial muito intensa.

Agora, na Petrobras, a norma é fazer com que a tributação seja feita de forma mais conservadora para não haver possibilidade de questionamentos. Segundo interlocutores do presidente Aldemir Bendine, se, por um lado, a decisão reduz momentaneamente o lucro da empresa, por outro, dá mais credibilidade à estatal, no momento em que a Petrobras sofre os efeitos da Operação Lava-Jato, que apura a corrupção nos contratos da petroleira.

Para o governo, o reforço nas receitas chega em boa hora, já que o caixa do Tesouro está sendo fortemente afetado pela queda na arrecadação por causa da recessão econômica. Reservadamente, os técnicos da área econômica já admitem que não será possível atingir a meta de superávit fiscal primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de R$ 66,3 bilhões, ou 1,13% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), fixada para este ano. É possível que o superávit não chegue nem mesmo a 0,9% do PIB, já que, nos últimos 12 meses, o país gastou mais que arrecadou e tem um déficit primário de 0,76% do PIB.

Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou sobre as mudanças no planejamento tributário da estatal. A Petrobras também não respondeu aos questionamentos do GLOBO até o fechamento desta edição.

O Globo