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Pastora trans Jacqueline Chanel promove inclusão: “As igrejas são como clubes”

Jacqueline Chanel fundou a primeira igreja trans do país, por meio da qual atende pessoas em situação de vulnerabilidade

Entre os tesouros escondidos no centro da capital de São Paulo, há uma igreja voltada apenas para pessoas trans, com o intuito de acolhê-las em toda a fé e serenidade. A mulher por trás disso, Jacqueline Chanel , trans, cabeleireira e pastora, possui uma longa história e trajetória até chegar ao momento que vive atualmente, com cultos todas às segundas-feiras, às 19h.

“Há 10 anos atrás, conheci o Evangelho Inclusivo”, relembra ela. “Comecei a frequentar uma igreja em Jandira e morava em Guaianases. Apesar da distância, era aquilo que eu queria para mim. Quem não conhece o Evangelho Inclusivo e o vê apenas nos textos fundamentalistas, aprende que é uma seita satânica”, conta. Jacqueline frisa o quão importante foi esse contato com um ambiente mais inclusivo.

“Para mim, foi muito melhor conhecer esse Jesus inclusivo porque ele me aceita do jeito que eu sou e estou. Eu comecei a tentar me situar em algum espaço, inicialmente em Jandira. Algumas coisas aconteceram nesse meio tempo e acabei chegando ao centro, onde essa igreja tinha uma filial”, explica. A partir deste momento, Jacqueline pontua algumas questões relacionadas à igreja inclusiva que vão contra o próprio termo que lhe denomina. “Eu comecei a notar que tinham gays, bissexuais, mas quase não tinham travestis ou pessoas trans, no máximo umas duas. Imagine duas para uma proporção de 250 homens gays. Ao olhar, já fica claro que é algo injusto”, relata.

A falta de presença de pessoas transgêneras neste meio motivou Jacqueline a tentar fazer algo a respeito, mas foi um processo bem complexo. “Senti a necessidade de gritar que existia um Jesus inclusivo. Conheci Deus aos 13 anos de idade, mas era opressor, já este outro era totalmente liberto e acolhedor. Eu precisei fazer algo e convidar aquela igreja a fazer trabalhos voltados para a comunidade trans e travesti”, diz.

Jacqueline relata ainda que, devido à iniciativa que tomou com relação à população trans, a igreja da qual fazia parte achou que ela não deveria mais ocupar aquele espaço. “[A igreja] achou que deveria me tirar do Ministério, como era até então, e eu não aceitei algumas coisas que o presidente me propôs, então acabei pedindo para me retirar. Isso não me fez parar, muito pelo contrário, me deu ainda mais força para continuar com um trabalho totalmente meu”.

Atualmente Jacqueline possui um projeto próprio, o Séforas. Por meio dele, continuou o trabalho que já tinha iniciado na igreja, caminhando com o mesmo objetivo e metas. Ela explica que, em determinado momento, não estava mais ligada a nenhuma igreja.

“Elas mesmas já não aceitavam o meu trabalho porque ele também inclui pessoas em situação de rua”, conta ao iG Queer. “Determinados locais não queriam atender à demanda dessa parcela da população, pois pregam um Evangelho de ostentação, no qual não cabe o projeto Séforas, que atende pessoas em vulnerabilidade social como um todo. Nós continuamos com essa dificuldade, mas fui convidada a fazer esse trabalho na Associação da Parada, onde fiquei durante um período e depois me convidaram para um evento dentro da Igreja da Comunidade Metropolitana, que também é uma Igreja Inclusiva, que surgiu com a primeira parada LGBT feita em Stonewall”, explica ela.

Jacqueline conta que essa igreja foi a que a acolheu junto com as pessoas que ela ajuda, para conseguir se estabelecer melhor e dar mais suporte ao projeto no qual trabalha. Durante a pandemia, ela continuou trabalhando em prol de pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo a distribuição de marmitas, por exemplo. Dentro desse público, há muitas pessoas trans, especialmente mulheres trans e travestis que vivem no centro da capital.

“Com a pandemia, muitas pessoas que não estavam na rua, foram para lá. Senti a necessidade de levar o alimento material e espiritual para elas. Orávamos antes de entregar a comida, com os louvores de fundo. Muitos que estão nesta condição, ainda assim, encontravam conforto nessa ação e agradeciam muito. Isso me deixa muito feliz”, declara, sorrindo.

Jacqueline expressa a gratidão que nutre por todos que a auxiliam no projeto, principalmente pelo fato de não ter encontrado espaço em outros locais que, em teoria, deveriam tê-la acolhido devidamente. Apesar de ter sido expulsa do próprio Evangelho Inclusivo, ela diz que teve forças para continuar e não desistir e agora, mais do que nunca, acredita em Deus como alguém acolhedor.

“Mesmo sendo muito criticada e acusada de ter um culto demoníaco, não fico assustada. É o que fazem com pessoas trans e LGBTQIAP+ no geral: nos demonizam e tentam nos colocar como vilões, o que não corresponde à realidade. Tenho certeza de que, se Jesus estivesse aqui agora, em carne e osso, ele estaria conosco na Praça da Sé, ao lado dos LGBTs e todas as pessoas em situação de vulnerabilidade”, pontua.

Ela ainda ressalta, com orgulho: “Sou uma pessoa muito feliz, realizada e plena”. Ao ser questionada sobre relatos de pessoas trans que procuraram outras igrejas e não foram acolhidas, Jacqueline descreve como muitos espaços lidam com essa parcela da população.

“O mais triste é que a própria igreja inclusiva não acolhe essas pessoas. Não ser aceito numa igreja fundamentalista é compreensível, mas ser expulso de um lugar com a placa de inclusivo, é doloroso demais. Alguma coisa está errada. Esse evangelho não corresponde ao que diz ser. Se mostram um fundamentalismo com a placa trocada. Elas [as igrejas] não atendem a realidade da nossa comunidade. Precisamos de igrejas que sejam acolhedoras. A igreja trans, por exemplo, passa um ar de gueto, mas não é. Eu trago o protagonismo da nossa causa, mas ela é aberta a todas as pessoas que são excluídas de outros espaços nos quais deveriam ser aceitos, mas não são”, declara.

A pastora segue pontuando algumas marginalidades acerca das instituições religiosas, comparando-as a espaços exclusivos que funcionam para um grupo seleto de pessoas. “As igrejas são como clubes, nos quais apenas quem paga a mensalidade e o título é que pode participar. E não é para qualquer um, pois precisa-se estar dentro do padrão deste local. Por essa e outras razões, corri para abrir este espaço para a nossa comunidade porque não é ‘mimimi’. Apenas nós sabemos o que passamos na vida para nos posicionar e ocuparmos espaço”, diz.

Em tom de veredito, Jacqueline deixa claro que esse tipo de exclusão não pode mais ser reproduzida, tanto que tudo na igreja trans é pensado para acolher, ouvir e promover a liberdade individual que cada um possui para ser quem é.

“Eu não aceito outro tipo de doutrina que tente nos colocar em uma caixinha, pois aqui elas não existem. O que temos aqui é uma roda. Não quero quadradinhos, eles não me representam. Quero um Deus que esteja numa roda. Normalmente Jesus sempre estava em uma roda de pessoas, então é isso que me contempla”.

Jacqueline também chama a atenção para o fato de que muitas pessoas LGBTQIAP+ já tiveram algum tipo de contato com a região, normalmente por iniciativa da própria família que as conduz para esses ambientes com um intuito bem específico.

“A mesma pessoa que as leva para a igreja é a que demoniza a participação delas e as priva de viver a própria fé e serem quem são. Estamos aqui para provar o contrário: Deus acolhe a todos independente de qualquer coisa”, conclui.

Fonte: IG
Créditos: IG