Protagonista do documentário “Cabra Marcado para Morrer” foi líder nos anos 50, ao lado do marido João Pedro, das Ligas Camponesas; após o assassinato do marido por latifundiários, com onze filhos, não se curvou a ameaças, na luta pelo trabalho digno e pela reforma agrária
Por Maria Lígia Pagenotto
Ela é a protagonista do documentário mais importante do cinema brasileiro. Prestes a fazer 95 anos (nasceu no dia 13 de fevereiro de 1925), Elizabeth Altina Teixeira enfrentou muitas adversidades, mas nunca se intimidou diante da violência dos proprietários de terra no interior da Paraíba. Ao contrário: a morte do marido João Pedro Teixeira, em abril de 1962, aos 44 anos, a motivou a seguir seu legado, intensificando a militância contra os abusos que atingiam os camponeses, torturados e vivendo em situação de quase escravidão.
No ano do golpe militar, 1964, foi procurada pelo cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014) para que sua vida e a do companheiro fossem registradas em um documentário. Com a chegada da ditadura, as filmagens foram interrompidas, sendo retomadas em 1981. O filme que conta a trajetória do casal, e no qual ela é protagonista, “Cabra Marcado para Morrer”, foi lançado em 1984, com muita repercussão — em 2015 foi reconhecido como um dos melhores documentários brasileiros por críticos de cinema. Para muitos, o melhor.
Elizabeth Teixeira é a segunda personagem retratada na série De Olho na História, que teve início com Margarida Maria Alves, sua conterrânea e a quem conheceu. Mora hoje em João Pessoa, em uma casa que ganhou de Eduardo Coutinho.
Nascimento: 13 de fevereiro de 1925, na fazenda Anta do Sono, em Sapé (PB), município distante cerca de 50 quilômetros da capital paraibana.
Família: filha de um fazendeiro e comerciante, Elizabeth, branca, não teve apoio da família quando decidiu se relacionar com João Pedro Teixeira, negro, operário e pobre. Aos 16 anos, saiu de casa para morar com ele. Grávida do segundo filho, foi para Jaboatão dos Guararapes (PE), onde ele ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores da Construção. Por conta de seu envolvimento com questões trabalhistas, João tinha dificuldade de arrumar emprego. Passando necessidade, a família voltou para a Paraíba, onde recebeu apoio de um irmão de Elizabeth. Foi lá que o casal liderou a Liga Camponesa do estado. Elizabeth e João Pedro tiveram onze filhos.
‘EU CONTINUO A LUTA’, DISSE APÓS A MORTE DE JOÃO PEDRO
Principal atividade: pouco depois do assassinato do marido, em 02 de abril de 1962, Elizabeth assumiu a presidência da Liga Camponesa de Sapé, originalmente conhecida como Associação dos Lavradores Agrícolas de Sapé. Em seguida, na trilha de João Pedro, passou a liderar a liga no estado. Como Margarida Maria Alves, enfrentou o machismo da época e abriu espaço para que outras mulheres aderissem à luta por seus direitos. Seu objetivo sempre foi o de dar continuidade às conquistas e metas do companheiro, defendendo os direitos dos camponeses, que viviam em regime praticamente de escravidão. “Eu continuo a luta”, disse quando ele foi assassinado.
Trajetória: nos estados de Pernambuco e Paraíba, a repressão contra a organização dos camponeses foi muito intensa, pois eram locais onde eles estavam mais organizados. Por conta disso, Elizabeth enfrentou diversos opositores e foi presa algumas vezes, além de sofrer outras perdas, como o suicídio de uma filha, deprimida com a morte do pai e as prisões da mãe; o assassinato de dois filhos (José Eudes Teixeira e João Pedro Teixeira Filho) por ordem de latifundiários e seguidas ameaças. Sem ter a quem recorrer contra toda essa violência — situação agravada pelo golpe de 1964 —, Elizabeth passou a viver na clandestinidade. Saiu de Sapé, foi para São Rafael, no interior do Rio Grande do Norte, e adotou o nome falso de Marta Maria da Costa, onde permaneceu escondida por 17 anos, lavando roupa e lecionando. Chegaram a pensar que ela havia morrido. Foi o cineasta Eduardo Coutinho quem a reencontrou, depois de muita procura. Em 1979, Elizabeth foi beneficiada pela Lei da Anistia, mudando para a Paraíba novamente — para Sapé e depois João Pessoa. Mesmo na clandestinidade, dando aulas, ela conta que sempre dava um jeito de falar sobre a importância de uma reforma agrária no país. E até hoje se pronuncia sobre o tema: “Enquanto houver a fome e a miséria atingindo a classe trabalhadora, tem que haver luta dos camponeses, dos operários, das mulheres, dos estudantes e de todos aqueles que são oprimidos e explorados”, disse num encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2017. “Não pode parar”.
‘IMPORTANTE É QUE O POVO SE UNA PELA REFORMA AGRÁRIA’
— O que eu considero importante é que o nosso povo brasileiro se una, fiquem todos unidos, lutando por uma reforma agrária. A maior alegria da minha vida se eu tomasse conhecimento de que fosse implantada uma reforma agrária em nosso país, e que todos os homens do campo tivessem condições de sobreviver ali na terra, melhorar essas condições do trabalhador da terra, isso aí era o que eu tinha mais prazer na minha vida, e hoje, na idade em que estou, tomasse conhecimento de um movimento desses.
Assassinato do marido: vítima de uma trama, João Pedro Teixeira foi morto pelas costas, com três tiros de fuzil. Os disparos foram efetuados por policiais vestidos de vaqueiros, a mando de três proprietários rurais de Sapé: Antônio José Tavares, Aguinaldo Veloso Borges (avô do ex-deputado homônimo, ministro das Cidades durante o governo Dilma Rousseff) e Pedro Ramos Coutinho. Como líder camponês, João Pedro vivia sob ameaças constantes, que se tornaram mais presentes a partir de 1955, quando organizou o Encontro dos Camponeses de Sapé. Enfrentou várias situações de risco, como tiros contra sua casa, especialmente depois que passara a liderar reuniões de trabalhadores rurais que questionavam a prática do cambão — a obrigatoriedade de dias de trabalho sem remuneração nas terras dos proprietários. Elizabeth sempre deixou público o desejo do marido e o seu, a razão da luta do casal, como nesta entrevista, dada aos 81 anos, logo após ser homenageada pelo Senado:
As Ligas Camponesas: segundo o relatório final da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba, nenhum outro movimento popular retratou melhor o cenário do campo quanto as Ligas Camponesas. Durante a ditadura, de acordo com a comissão, catorze pessoas foram mortas ou desapareceram na Paraíba. As ligas e os sindicatos rurais nasceram dos movimentos de resistência dos camponeses. O espaço aberto pelas ligas, tendo à frente Elizabeth, incentivou outras mulheres a resistirem também, entre elas, Margarida Maria Alves e as que a sucederam.
SAIBA MAIS SOBRE ELIZABETH TEIXEIRA
Museu: Memorial das Ligas Camponesas, em Sapé (PB).
Trabalho acadêmico: “Latifundiários deixariam o universo às escuras se fossem proprietários do sol”, de Luiz Mário Dantas Burity, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Livro: “Eu marcharei na tua luta: a vida de Elizabeth Teixeira”, organizado por Lourdes Bandeira; Rosa Maria Godoy Silveira; Neide Miele. João Pessoa, PB: UFPB, 1997.
Documentários: “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho. A obra integra uma lista dos 100 melhores filmes brasileiros, elaborada em 2015 por críticos associados e convidados da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine); Uma Visita para Elizabeth Teixeira, curta de Susanna Lira (2001), um filme que homenageia a camponesa e o cineasta.
Foto principal: Elizabeth Teixeira ao lado dos filho
Fonte: Do olho nos ruralistas
Créditos: Do olho nos ruralistas