O fenômeno Jair Messias Bolsonaro criou um bordão que é inspirador sob muitos ângulos. Após um período turbulento e frustrante da política, o candidato passou a repetir mantra que coloca os interesses dos indivíduos submetidos a algo maior do que as pessoas.
Não é pouco, ainda mais depois dos terremotos da Lava Jato em que vimos que o “eu” tantas vezes veio antes do “nós”. Então, a intuição do ex-capitão dialoga tacitamente com o sentimento coletivo de uma opinião pública traumatizada. Diz e repete ele quase a todo momento:
– O Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!
É inspirador, cativante, mas com todo respeito, Capitão, existe na frase um problema semântico grave que pode ser aprimorado. Ao contrário dos seus desafetos, não falo com ironia nem com sentimento de maldade. Talvez o senhor jamais tenha atentado para um detalhe tão banal.
Imagino que quando essa construção surgiu como uma centelha em seu pensamento, o senhor sentiu a força que ela possuía e instintivamente decidiu incorporá-la e reverberá-la incansavelmente desde então. Deve ter sido uma espécie de impulso e não uma elaboração profundamente articulada.
Foi fruto de sua intuição, aliás, precisa, pois de alguma forma se conectou com o sentimento difuso de uma nação que queria ouvir algo de alguém que colocasse o coletivo acima do individual, o sagrado acima do profano. Na essência, nenhum reparo, portanto.
Mas, Capitão, pense bem: quando o senhor diz o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, na pratica – por inferência – o senhor está dizendo que o Brasil está acima de Deus! E essa, com certeza, não é e nem foi sua intenção. Sim, porque se Deus está acima de todos e o Brasil acima de tudo, ora, tudo está acima de todos! E o Brasil está acima de tudo, entende?
Consequentemente, acima de Deus? Claro, óbvio, ululante, que o senhor não quis profanar a superioridade divina, ainda mais num país majoritariamente cristão como o Brasil. Sua intenção foi inspirar. Mas a formulação foi feita como um raio e assim se propagou.
O senhor poderia perguntar: criticar é fácil. Cadê a solução? Existiriam duas de imediato. Uma primeira seria a inversão do conceito original:
– O Brasil acima de todos. Deus acima de tudo!
Assim, seriam restituídos dois preceitos que o senhor conhece tão bem, o da hierarquia e o da antiguidade. É de se imaginar que, por mais maravilhoso que o Brasil seja, Deus é mais. E no quesito antiguidade, como sabemos, antiguidade é posto. Uma outra forma, a meu ver bem menos adequada, seria ceifar o lema e dizer apenas “Brasil acima de tudo!”. Mas, aí, o senhor sabe, né?
Iam logo dizer da analogia genética com o lema do nazismo “Alemanha acima de tudo!” e ainda bem que o senhor teve a iluminação de colocar Deus no mantra, pois isso afasta qualquer tipo de futrica por parte dos maldosos. Então, não se pode esquartejar o seu lema, pois o resultado seria ainda pior. A solução, se fosse o caso, seria apenas a de corrigir a hierarquia e colocar o Brasil abaixo de Deus. Mas, isso, Capitão, é com o senhor. O lema é seu, deu tão certo e quem sou eu para falar alguma coisa? Estou só tentando ajudar.
Aliás, essa questão do lema nem é a principal. Acho que o mais relevante é o peso que cada palavra sua vai ter cada vez mais, a partir de agora. E como todos nós vamos tirar conclusões de tudo o que o senhor disser, muitas vezes certas, muitas vezes erradas. Por isso mesmo, suas palavras terão de continuar surgindo como um raio na sua intuição.
Foi isso que lhe galgou à ribalta, foi isso que lhe plasmou com o inconsciente coletivo da maioria da nação. Mas…será preciso, talvez, instalar um para raio. E percorrer algum tipo de filtro entre aquilo que o instinto fulminante dita e o que o líder pronuncia. Sob o risco da massa entrar em estado de choque e cometer a crueldade tão comum das incompreensões.
Boa sorte, Capitão! O Brasil acima de todos! Deus acima de tudo!
Fonte: Poder 360
Créditos: Mario Rosa