A Secretaria Estadual de Fazenda e Planejamento de São Paulo divulgou o saldo de sua megaoperação de produtos ilegais durante a Black Friday 2019: 30 mil produtos, sendo que a maioria é de smartphones e eletrônicos da chinesa Xiaomi. O resultado foi o início de um cerco contra as chamadas lojas de marketplace, onde produtos importados são vendidos muito mais baratos do que em lojas oficiais —às vezes pela metade do preço.
A tática utilizada por alguns desses sites para vender produtos extremamente baratos aos consumidores passa pela sonegação de impostos, o que fez a Receita começar a suspeitar de lojas online que vendem os produtos da Xiaomi. Segundo Tilt apurou, a atual fase de investigação focou apenas em uma plataforma de marketplace entre várias que existem atualmente —no caso, o Mercado Livre.
Os produtos são da Xiaomi, marca famosa entre usuários por causa do suposto custo-benefício entre o valor da compra e o que os celulares oferecem —a Receita apenas afirma que são de “fabricante chinesa”, mas, na foto acima, divulgada pela secretaria, vemos caixas de aparelhos da empresa.
Por trás desse custo-benefício, estava uma prática ilegal de sonegação de impostos.
“Não tem um foco específico (em uma fabricante), mas a maior ocorrência de fraude envolve produtos dessa fabricante chinesa. A representante oficial no estado vende por um preço duas vezes maior do que o vendido nessas plataformas. Durante a investigação, percebemos que não são falsificados, são originais. Mas o produto só chega com esse valor, porque não recolhe impostos”.
Vitor Manuel dos Santos Alves Junior, subcoordenador da administração da Secretaria da Fazenda de São Paulo
Atualmente a representante oficial da Xiaomi no Brasil é a fabricante de eletrônicos brasileira DL, que iniciou uma parceria com a chinesa no começo deste ano para importar os smartphones. Assim como a Xiaomi, a DL também não foi mencionada nominalmente pela secretaria.
No total, foram apreendidos cerca de 30 mil eletrônicos diferentes estimados em R$ 3 milhões – entre esses produtos, estão tablets, 200 celulares e mais de 1.000 smartwatches da “fabricante chinesa”.
Denúncia de concorrentes e investigação de meses
Entre os fatores que geraram a operação, segundo Alves Junior, está a denúncia de fabricantes concorrentes da Xiaomi no Brasil que se sentiram lesados pela atuação dos chamados marketplaces. As fabricantes teriam até montado um dossiê e enviado para a secretaria, mas os dados já batiam com a própria investigação feita pela Receita paulista.
“Existe uma reclamação formalizada dos concorrentes, nós queremos promover um ambiente de concorrência leal com as marcas. É prejudicial não só ao Estado, mas a outros fabricantes que se instalaram e investiram aqui. Foram reclamações de todos os outros fabricantes. Em uma reunião na Fazenda eles fizeram a reclamação e passaram um dossiê, mas sem nenhuma informação nova para nós, que já estávamos investigando”, disse o subcoordenador.
A investigação da Fazenda durou quatro meses e envolveu cruzamento de dados para identificar os possíveis fraudadores. A Receita usou informações das notas fiscais eletrônicas emitidas, do transporte eletrônico e a própria declaração de importação para achar possíveis discrepâncias em informações.
Foram notadas, por exemplo, divergências nos próprios dados das plataformas e detalhes dos produtos vendidos: em alguns casos, a nota fiscal eletrônica tinha informações no cabeçalho diferentes do cadastro ou informações complementares de emissão entravam em conflito com outros dados da empresa.
Produto entra pelo Paraguai e tem notas “sem sentido”
A investigação notou certos padrões adotados pelos marketplaces. O primeiro deles é de que os produtos vendidos posteriormente chegam por via rodoviária vindos da fronteira com o Paraguai, sem nenhum tipo de documento. Aí, então, são criadas empresas de fachada para “esquentar” a operação e revender os eletrônicos. As empresas de fachada não têm notas fiscais de entrada de produtos, mas contam com várias notas de saídas.
“Essas empresas são de fachada para esquentar, muito provavelmente por uma exigência do marketplace para poder armazenar a mercadoria lá. Essa operação precisa estar coberta por nota fiscal”, explica Vitor.
A investigação foi dividida em duas frentes: os marketplaces e as importadoras. Na primeira frente, os alvos são descritos como empresas “noteiras”, em que são usadas notas fiscais eletrônicas para simular operações. Já a segunda frente focou na ação de importadores com notas fiscais que não faziam muito sentido.
“Havia uma incidência muito alta de importadores de Rondônia e Alagoas. A mercadoria entrava pelo Sul do país, supostamente ia para Alagoas e depois voltava para São Paulo. O fisco entendeu que essa operação não tinha lógica. Então fomos até essas empresas, 106 no total, para que elas comprovassem isso”, explicou Vitor.
É óbvio que não vai para Alagoas, é só um passeio de notas para tentar esquentar essa operação. A gente está em um modelo de sonegação 4.0, antes tinha a plaquinha de exigir nota fiscal, agora isso nem vale mais sozinho
Vitor Manuel dos Santos Alves Junior, subcoordenador da administração da Secretaria da Fazenda de São Paulo
Operação: “coincidência” com Black Friday
De acordo com Vitor, a operação ocorreu em meio à Black Friday por uma simples “coincidência” —ela estaria programada para ocorrer dias antes. A operação em si envolveu 180 fiscais da Fazenda, além de apoio da Polícia Civil paulista.
Ao todo, foram 159 alvos em 45 cidades do Estado —desse número, cerca de 54 estabelecimentos não foram localizados em seus endereços cadastrais e terão as inscrições suspensas.
A Secretaria afirmou em nota que uma das empresas procuradas seria a representante oficial da Xiaomi no Brasil, mas o subcoordenador não confirma essa informação por “sigilo fiscal”. Ele aponta que não há elementos, por enquanto, que indiquem uma eventual participação da representante oficial da Xiaomi no Brasil na operação. Procurada por Tilt, a DL/Xiaomi diz não ter conhecimento sobre o assunto.
De todas as empresas com mercadoria apreendida, apenas uma demonstrou interesse, até o momento, de reaver os produtos. Para isso, terá que ser enquadrada em uma nova modalidade de empresa (está em cadastro simples, mas só no ano passado emitiu mais de R$ 6 milhões em notas), provar a procedência dos produtos e pagar encargos devidos.
Sites que hospedam plataformas podem ser punidos
A confusão para o consumidor é notória com os “marketplaces”, que muitas vezes deixa o comprador na dúvida sobre a procedência de um item. O esquema de marketplace era primeiramente adotado apenas por plataformas como Mercado Livre, mas atualmente quase todos os ecommerces disponibilizam soluções do tipo em que pode ser encontrado o famoso “vendido por” e “entregue por”.
Para Vitor, a primeira providência que consumidores podem tomar é procurar na internet a respeito do “vendido por” para verificar o quão confiável a plataforma pode ser. Mesmo assim, as próprias lojas que fazem a ponte entre o usuário e o vendedor podem ser responsabilizadas por eventuais perdas.
“É preciso exigir junto aos marketplaces uma garantia de que não só a mercadoria existe, mas que é original. De certa forma é cômodo aos sites negarem terem alguma participação. É a mesma coisa de um site vender maconha e dizer que só está ligando o comprador ao vendedor. Mas a plataforma é responsável. A Fazenda busca a todo custo responsabilizar. Tudo isso entra no dossiê sobre a fraude”, relata Vitor.
O subcoordenador ainda aponta que há uma conversa com os sites para entender suas políticas e que nem todos são iguais. Sem especificar nomes, ele aponta que alguns sites fazem estudos sobre a idoneidade do fornecedor, se têm capacidade de entrega, consultam o Serasa e até visitam suas sedes.
“Tentamos entender o modelo para chegar no resultado. Não fomos só a torto e direito por causa da Black Friday. Vimos que os mais sérios tomam os devidos cuidados. Mesmo porque a taxa que cobram para utilização não é barata, de 16% a 20%. E até por essa taxa ele pode ser responsabilizado porque ganha em cima”, explica.
Fonte: Uol
Créditos: Uol