A interrogação jornalística é perturbadora. Queima, arde, irrita. É uma afta insuportável. Mas é preciso alertar aos que a temem. Ela é ferramenta básica dessa atividade. A sombra perseguidora de alguns. Parece óbvio, mas o óbvio passou a ser muito necessário. É por isso que o jornalismo pode ser tão perturbador. A interrogação é aliada de uma sociedade bem informada, que deseja e que compreende a importância da interpretação mais honesta possível dos fatos. É sangue da democracia, com seu tenso, às vezes, incompreensível e confuso sistema de pesos e contrapesos. Fazem parte a divergência, a dúvida, a liberdade de interpretação, o respeito à maioria e à Constituição.
Não é de se estranhar, por isso, que o barulho de uma interrogação para um autoritário, de pensamentos antidemocráticos, dentro da democracia, soe como uma facada. Perfura a alma e os desejos mais fortes de ocultação. A reação de quem não a suporta é imediata, intempestiva e reveladora. Conheça, de fato, um agente público e político, conheça alguém que deve satisfação de seus atos à sociedade, colocando-os diante da interrogação.
A cegueira ideológica, manifestada na polarização política que vivemos, tem feito a população brasileira questionar cada vez mais a interrogação do jornalismo. Não percebe, no entanto, que ataca o seu próprio direito à informação. O direito de entender as leis, uma decisão que vai mudar a sua vida, a motivação de uma nomeação para cargo público, a maneira que está sendo gasto o imposto que pagamos. Na interrogação do jornalismo profissional está a trincheira aberta da justiça social, da diminuição das desigualdades sociais, da busca incessante pelo bem comum.
A sociedade democrática não precisa amar o jornalismo, mas deve compreender o seu papel, respeitar, criticar quando necessário, mas nunca pensar em abrir mão dele. Posso não gostar da linha editorial, da abordagem do repórter, da forma criteriosa do olhar. Mas, como sociedade, temos que defender o direito da imprensa perguntar. Pelo bem coletivo.
Por isso, sempre é bom relembrar que numa democracia bombardeada por arroubos, movimentos autoritários, o jornalista tem obrigação de perguntar. É a ofensiva e proteção das nossas bases. Perguntar, inclusive, o que o entrevistado não quer responder. E ele responde se quiser. Está aí a beleza da democracia. Ela é tingida de liberdade e não de tortura para obter respostas.
O jornalismo deve tirar de quem quer que seja aquilo que se pretende esconder. Desvelar, como falaria Paulo Freire. Na democracia, quanto mais se manda jornalista calar a boca, mais bocas desejam falar. Porque o silêncio pode ser porta de entrada para mais interrogações democráticas. Seja numa paradinha rápida, numa coletiva programada, ou sob a proteção covarde e confortável de apoiadores.
O agente público e o político que deseja ser respeitado entende (ou pelo menos finge entender), por compromisso social, que o papel institucional (legitimado) do jornalismo, numa democracia, é usar a interrogação em demasia. É a forma de se aproximar ao máximo de verdades escondidas. O autoritarismo odeia a imprensa. Gosta de transformar tudo em propaganda do próprio umbigo. Traveste de jornalismo para roubar sua institucionalidade e credibilidade.
A vantagem da democracia é que podemos não concordar com a pergunta, mas precisamos que seja garantido o direito de perguntar. Como está garantido o direito de responder. É isso que precisamos manter. É disso que estamos falando. É isso que a sociedade, mesmo contaminada com a polarização cega, não pode abrir mão. Não podemos abrir mão da interrogação, por uma questão de sobrevivência
Fonte: Laerte Cerqueira
Créditos: Laerte Cerqueira